Numa tarde qualquer, uma mulher, visivelmente abalada, adentra a delegacia de polícia. A delegada, uma mulher de postura firme e olhar atento, recebe-a em sua sala. A visitante, entre soluços contidos, relata que foi vítima de calúnias, embora não apresente testemunhas nem detalhe o conteúdo das alegações.
A delegada, empregando sua experiência e os precedentes do STJ, valoriza a palavra da vítima e encaminha o caso ao juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher. Sem uma investigação adicional ou o depoimento do suposto ofensor, o juiz, fundamentando-se também na relevância da palavra da vítima, decide por conceder a medida protetiva de urgência do tipo que impede a aproximação do suposto agressor que, na prática, pode impedi-lo de acessar, inclusive, seu local de trabalho.
À primeira vista, parece o triunfo da Justiça rápida e assertiva, proteção imediata à integridade da mulher. Mas, como disse Fernando Pessoa, "adoramos a perfeição, porque não a podemos ter; repugná-la-íamos se a tivéssemos. O perfeito é o desumano porque o humano é imperfeito". A realidade humana inclui, infelizmente, a mentira, e a denunciação caluniosa é uma preocupação legal reconhecida.
O Código Penal prevê punições para falsas acusações, mas o cenário atual sugere uma prática judicial que negligencia essa possibilidade. As medidas protetivas são, sem dúvida, fundamentais para a segurança das vítimas. Contudo, a justiça deve equilibrar a proteção à vítima com a necessidade de investigação adequada. Será que a palavra da vítima deve ser a única evidência necessária para ações tão impactantes?
Este relato, inspirado em eventos reais, mas modificado para esta discussão, ilustra a complexidade das decisões nos juizados de violência contra a mulher. As autoridades, sob a pressão de altos números de casos de violência doméstica, estão inclinadas a agir rapidamente, desconsiderando ouvir o suposto agressor, caso de uma audiência de justificação.
O juízo, baseando-se apenas em relatos não corroborados, impõe medidas que, embora civis, carregam consequências severas e imediatas para o acusado, que se assemelham à sanções penais, tendo em vista que há a limitação da liberdade do indivíduo (é possível impetrar hc contra o ato). Este, por sua vez, encontra-se desprovido de voz ativa no processo, surpreendido por decisões judiciais que alteram drasticamente sua rotina e liberdade, sem prévio aviso ou chance de defesa.
Este panorama desafia o leitor a reconsiderar a lógica por trás das práticas atuais. Se mudarmos o cenário, a conclusão seria a mesma? Retire o lable violência doméstica. Você acharia razoável essa prática em outros contextos judiciais? As medidas protetivas de urgência, essenciais para a proteção das vítimas, devem também respeitar os princípios da justiça e do direito de defesa, garantindo que todas as vozes sejam ouvidas e todos os fatos, verificados. A liminar inaudita altera parte poderia se justificar diante de ameaça evidente ou de perigo de novo atentado à integridade da vítima, mas não se mostra razoável diante de toda e qualquer alegação de suposta violência contra a mulher, mesmo que diante de um alto número de casos, situação que não deve impactar, por si, o "juízo do juiz" que deve analisar caso a caso e decidir caso a caso.