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Entre ambições e realidades: A polêmica taxação de dividendos de 2024

A implementação da taxação de dividendos apresenta uma dualidade de oportunidades e restrições.

24/4/2024

A tributação de dividendos no Brasil possui um histórico peculiar, que reflete os embates ideológicos, econômicos e sociais do país. Até 1995, os dividendos pagos ou creditados pelas empresas a seus acionistas eram tributados, uma prática comum em muitas jurisdições ao redor do mundo. Contudo, a lei 9.249/95 marcou uma mudança significativa ao isentar os dividendos distribuídos aos sócios ou acionistas de tributação, sob o argumento de fomentar o reinvestimento e a capitalização das empresas brasileiras. Essa decisão colocou o Brasil em um patamar diferenciado internacionalmente, principalmente ao compararmos com países desenvolvidos onde a tributação sobre dividendos é prática comum. 

Ao longo dos anos, o cenário econômico-fiscal brasileiro passou por diversas transformações. O país se viu diante de desafios como o aumento da dívida pública, a necessidade de financiar políticas sociais e a busca por uma estrutura tributária mais equitativa. Nesse contexto, a isenção dos dividendos começou a ser questionada, sobretudo quanto ao seu papel na concentração de renda e na eficácia enquanto mecanismo de estímulo ao investimento. 

Os debates sobre a reintrodução da tributação de dividendos ganharam força especialmente diante da necessidade de ajuste fiscal e da busca por fontes de receita que permitissem ao governo equilibrar suas contas sem aumentar a carga tributária sobre o consumo, já elevada e considerada regressiva. Críticos da isenção argumentam que ela beneficia desproporcionalmente os mais ricos, contribuindo para a desigualdade de renda, uma vez que os dividendos constituem uma parcela significativa da renda dos mais abastados. 

Por outro lado, defensores da manutenção da isenção apontam para os potenciais impactos negativos sobre o mercado de capitais e a competitividade das empresas brasileiras. Eles argumentam que a tributação poderia desencorajar o investimento em ações, reduzindo assim a capacidade de captação de recursos pelas empresas via mercado de ações, o que poderia afetar não apenas as grandes corporações, mas também as empresas de menor porte e startups que buscam no mercado de capitais um meio de financiamento de suas operações e projetos de expansão. 

No centro desse debate, encontram-se os investidores, diretamente impactados por qualquer alteração na tributação de dividendos. A prospectiva de alteração legislativa nesse sentido suscita preocupações quanto às estratégias de investimento e à rentabilidade das carteiras de ações, em um ambiente onde a previsibilidade fiscal se faz fundamental para decisões de longo prazo. Diante disso, o desafio reside em conciliar os interesses de investidores e do Estado, buscando uma política tributária que promova equidade sem comprometer o dinamismo econômico. 

Objetivos Governamentais com a Nova Taxação 

Primeiramente, o governo argumenta que a taxação de dividendos visa promover uma distribuição de renda mais equitativa. Ao taxar os lucros distribuídos pelas empresas, pretende-se atingir principalmente os estratos mais altos da população, que tradicionalmente se beneficiam mais significativamente desses rendimentos. Essa medida é apresentada como um instrumento de justiça fiscal, destinado a reduzir as desigualdades socioeconômicas por meio de um sistema tributário progressivo, onde quem tem mais contribui proporcionalmente mais. 

O governo sinaliza que essa nova taxação tem como objetivo a reorganização da estrutura tributária brasileira, atualmente criticada por sua complexidade e por onerar desproporcionalmente o consumo em detrimento da renda. Nesse sentido, a taxação de dividendos é apresentada como parte de um esforço maior de reforma tributária, buscando alinhar o Brasil às práticas internacionais e melhorar o ambiente de negócios. Tal medida seria um passo em direção a um sistema mais balanceado, que favorece a eficiência econômica ao deslocar a carga tributária do consumo para a renda. 

A introdução dessa taxação levanta questões importantes sobre a real capacidade do governo de atingir tais objetivos sem gerar efeitos colaterais indesejáveis. Investidores e analistas econômicos expressam preocupações quanto ao possível impacto sobre o mercado de ações, a atratividade do investimento em empresas brasileiras e, consequentemente, sobre a capacidade das empresas de captar recursos para financiar sua expansão e inovação. Existe o receio de que, ao invés de promover a justiça social, a medida possa desencadear uma fuga de capitais, prejudicando o crescimento econômico. 

Primeiras Reações do Mercado e da Sociedade 

Do lado do mercado, a reação foi marcada por uma mistura de cautela e crítica. Investidores e analistas financeiros manifestaram preocupações sobre as possíveis implicações dessa taxação para a atratividade do mercado de capitais brasileiro. A perspectiva de redução na rentabilidade dos investimentos em ações, dada a tributação dos dividendos, suscitou temores de um possível esfriamento na demanda por ativos brasileiros, o que poderia, consequentemente, afetar o financiamento das empresas e o desenvolvimento econômico do país. Por outro lado, algumas vozes do mercado reconheceram a necessidade de reformas para um sistema tributário mais justo e equilibrado, embora questionem se a taxação de dividendos seria a melhor forma de alcançar tal objetivo. 

Entre a sociedade, a proposta também gerou amplo debate. Grupos defensores da justiça social e da redistribuição de renda saudaram a medida como um passo importante na direção certa, argumentando que a taxação dos dividendos poderia contribuir para reduzir a desigualdade de renda no Brasil, um dos países mais desiguais do mundo. Enxergam nessa ação uma forma de assegurar que os mais ricos contribuam de maneira mais significativa para o bem-estar coletivo. 

Contudo, existe também uma preocupação latente sobre o impacto dessa medida na classe média, especialmente entre pequenos investidores que utilizam os dividendos como uma fonte complementar de renda. Para esse grupo, a taxação poderia representar um ônus adicional, afetando sua capacidade de poupança e investimento. 

Adicionalmente, o debate transcendeu os aspectos puramente econômicos, envolvendo questões sobre a complexidade e a eficácia do sistema tributário brasileiro como um todo. Surgiram questionamentos sobre se a reforma proposta estaria acompanhada de outras medidas para simplificar e tornar mais justo o sistema tributário, abordando não apenas a tributação da renda mas também a pesada carga tributária sobre o consumo, que impacta de forma desproporcional as camadas mais pobres da população. 

Gilmara Nagurnhak
Pós Graduada em Direito Civil e Direito Processual Civil Pós Graduanda em Direito Tributário Uma advogada apaixonada pelo mundo empresarial!

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