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Equilíbrio e desafios: A evolução da recorribilidade diferida e a taxatividade mitigada no direito processual civil brasileiro

Análise do CPC/15 e a decisão do STJ sobre a taxatividade mitigada, explorando o equilíbrio entre eficiência processual e justiça.

22/4/2024

O sistema de recorribilidade diferida das decisões interlocutórias, adotado pelo CPC/2015 - Código de Processo Civil de 2015, representa uma transformação importante nas práticas processuais brasileiras. A ideia é limitar as possibilidades de recurso imediato contra decisões interlocutórias, permitindo-os apenas em casos expressamente listados no art. 1015, do CPC, cujo rol é taxativo. A análise desse sistema, especialmente à luz da evolução histórica dos recursos e do recente entendimento do STJ sobre a "taxatividade mitigada" (Tema repetitivo 988), oferece uma visão abrangente sobre os desafios e implicações dessas mudanças de paradigmas processuais e suas aplicações pela Corte Cidadã.

Historicamente, o sistema jurídico brasileiro passou por várias reformas significativas. Originário das ordenações do reino de Portugal, o Brasil adotou suas próprias leis após a independência, com destaque para os códigos de 1832 e subsequentes, que já traziam dispositivos específicos sobre recursos. Com os Códigos de Processo Civil de 1939 e 1973, houve uma tentativa de racionalizar e restringir os recursos, incluindo os agravos. Essas mudanças refletiram a evolução das necessidades sociais e jurídicas, buscando maior eficiência processual e resposta às demandas da sociedade.

No caso do CPC/1973, houve marcante utilização ampla do agravo de instrumento, uma tentativa de corrigir decisões prejudiciais de forma rápida, porém isso contribuiu para o congestionamento dos tribunais, principalmente a possibilidade de recursos excepcionais em casos envolvendo decisões interlocutórias. Essa realidade levou à necessidade de uma reforma processual que culminou no CPC/2015, buscando equilibrar a celeridade processual com a correta administração da justiça.

Nesse sentido, o CPC/2015 introduziu o conceito de recorribilidade diferida para as decisões interlocutórias, permitindo o recurso de agravo de instrumento apenas em hipóteses taxativamente listadas no art. 1.015, e postergando a recorribilidade das demais decisões interlocutórias em preliminar de apelação, conforme §1º, do art. 1.009.

Esse mecanismo pretende diminuir o número de interrupções no trâmite processual, agilizando a tramitação dos processos e reduzindo o volume de trabalho nos tribunais superiores. A ideia é que muitas das questões levantadas nas decisões interlocutórias podem ser revistas ao final do processo, no julgamento da apelação. Além disso, o novo sistema busca prestigiar as decisões proferidas pelo juízo singular, pensando num sistema mais coeso.

Contudo, a recorribilidade diferida, apesar de seus benefícios teóricos, enfrenta críticas significativas. A principal delas é que a restrição ao agravo de instrumento pode resultar em injustiças materiais, caso decisões interlocutórias incorretas não sejam prontamente corrigidas, afetando irreversivelmente o direito das partes.

Por isso, contrapondo-se à rigidez inicial do CPC/2015, o STJ, no julgamento que deu origem ao Tema repetitivo 988, considerou o rol do art. 1.015 como sendo de "taxatividade mitigada", aplicando a seguinte tese: "O rol do artigo 1.015 é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação", tese dotada de eficácia vinculante para todos os órgãos dos Judiciários Estaduais e da Justiça Federal – art. 927, III c/c art. 1.039, ambos do CPC.

Esse entendimento permite que, em casos de urgência ou de evidente prejuízo, possa-se admitir o agravo de instrumento mesmo que a situação específica não esteja prevista expressamente na lei. Tal flexibilidade é vista como uma resposta aos desafios práticos impostos pela rigidez do código, permitindo que o judiciário adapte as normas processuais à realidade dos casos que enfrenta.

Por outro lado, a "taxatividade mitigada" adotada pelo STJ tem sido vista tanto como uma necessária adaptação do direito à realidade processual quanto como uma potencial usurpação do Poder legislativo pelo Poder Judiciário, representando notório exemplo de ativismo judicial na visão, por exemplo de Marcelo Pacheco Machado, Zulmar Duarte, Fernando da Fonseca Gajardoni e André Vasconcelos Roque.

Isso porque quando o Judiciário intervém em questões que foram definidas expressamente por lei e que, mesmo assim se entende por problemas advindos da definição legal, há intervenção indevida porque invade-se a competência do Poder Legislativo. E assim, essa flexibilidade introduzida pelo STJ gera um ambiente de incerteza legal, onde a previsibilidade das regras processuais é diminuída. Enquanto isso pode ser benéfico para corrigir injustiças imediatas, também pode comprometer a segurança jurídica, um dos pilares de um sistema legal eficaz. Noutro giro, a taxatividade mitigada também representa um descrédito à decisão proferida pelo juízo singular e traz incerteza sobre as novas decisões proferidas pelo tribunal ad quem.

Bruno Bragança
Advogado. Graduado pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Pós-graduado em direito imobiliário pela Universidade São Judas Tadeu (USJT). Membro do Centro Para Estudos Empírico-Jurídicos (CEEJ)

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