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O perigo dos resíduos plásticos e os problemas da reciclagem: Uma perspectiva da biologia celular

Os resíduos plásticos são urgentes ameaças ambientais, exigindo abordagem multidisciplinar. Reciclagem é solução potencial, mas tem limitações.

22/4/2024

I.

Os resíduos plásticos surgiram como um dos desafios ambientais mais urgentes de nosso tempo, representando ameaças aos ecossistemas, à vida selvagem e à saúde humana. Acercar-se dessa questão requer uma abordagem multidisciplinar que englobe não apenas os domínios da biologia celular e das tecnologias de reciclagem, mas também a intricada rede de dinâmicas políticas que influenciam as estratégias de gestão de resíduos. É preciso explorar, com mais cuidado e abrangência, a interação entre resíduos plásticos, biologia celular e política, destacando a importância da reciclagem como uma solução potencial, apesar de apresentar certos problemas específicos e não ser, no limite, tão eficaz quanto acreditávamos.

II.

A poluição por plásticos exerce consequências profundas na biologia celular, afetando tanto organismos marinhos quanto terrestres. A persistência e ubiquidade dos resíduos plásticos levam à sua ingestão por uma ampla gama de espécies, causando perturbações fisiológicas e celulares. A interação entre microplásticos e sistemas biológicos pode perturbar processos celulares, alterar a expressão gênica e comprometer funções imunológicas, levando, em última instância, a efeitos adversos à saúde. O estudo realizado por Smith1 et al. (2019) demonstrou que os microplásticos podem penetrar nas membranas celulares e induzir estresse oxidativo, inflamação e danos ao DNA, destacando a necessidade urgente de ação.

A reciclagem desempenha um papel crucial na mitigação da crise de resíduos plásticos do ponto de vista da biologia celular: Ao se desviar os resíduos plásticos de aterros sanitários e ambientes naturais, a reciclagem reduz a exposição dos organismos a poluentes nocivos, promovendo consequentemente um funcionamento celular mais saudável. O processo de reciclagem envolve a quebra do plástico em partículas menores, possibilitando a produção de novos materiais sem recorrer à extração de recursos virgens. Contudo, é imprescindível a seguinte ressalva: A reciclagem enquanto tal não basta!

Em artigo do The Guardian, Karen McVeighalerta para o perigo que o processo de reciclagem pode apresentar: "Reciclagem pode liberar grandes quantidades de microplásticos". Este estudo revela que mesmo a reciclagem não resolve o problema, vindo a liberar quantidades significativas de microplásticos.

Diz a matéria: Os cientistas da Universidade de Glasgow "descobriram que os microplásticos liberados na água [pelo processo de reciclagem] representaram 13% do plástico processado. A instalação poderia liberar até 75 bilhões de partículas de plástico em cada metro cúbico de águas residuais, estimam (...) É assustador porque a reciclagem foi pensada para reduzir o problema e proteger o meio ambiente". Consequentemente, esses resíduos "são digeríveis por muitos organismos diferentes e podem ser ingeridos por humanos."

III.

Qual a solução?

A complexa interação entre resíduos plásticos e política apresenta tanto desafios quanto oportunidades para sistemas de reciclagem eficazes. As decisões políticas moldam políticas de gestão de resíduos, alocações de recursos e estruturas legislativas, influenciando diretamente o sucesso de iniciativas de reciclagem. Diferentes países implementaram abordagens diversas, que vão desde programas voluntários até esquemas de responsabilidade ampliada do produtor. Por exemplo, a Diretiva de Plásticos de Uso Único da União Europeia, adotada em 2019, estabelece metas obrigatórias de reciclagem para os estados membros e promove a transição para alternativas mais sustentáveis. O estudo de Sunusi Usman3 et al. (2022) analisa o papel da vontade política no sucesso das políticas de reciclagem, destacando a necessidade de liderança forte, engajamento das partes interessadas e colaboração entre setores.

Para alcançar uma gestão eficaz de resíduos plásticos, é imperativo adotar uma abordagem abrangente que integre insights da biologia celular, inovações em reciclagem e iniciativas políticas. Isso requer investimento em pesquisa e desenvolvimento de técnicas de reciclagem inovadoras que sejam economicamente viáveis e ambientalmente sustentáveis.

IV.

Para lidarmos com os problemas relacionados à reciclagem é necessário adotarmos uma abordagem multifacetada envolvendo inovação tecnológica, mudanças de políticas, conscientização pública e responsabilidade corporativa.

Aqui estão algumas soluções potenciais:

  1. Tecnologias de separação aprimoradas: Investir em tecnologias avançadas de separação que possam separar de forma mais eficaz os plásticos de outros materiais. Isso pode reduzir a contaminação e melhorar a qualidade dos plásticos reciclados, minimizando assim a liberação de microplásticos durante o processo de reciclagem.
  2. Desenvolvimento de plásticos biodegradáveis: Incentivar a pesquisa e o desenvolvimento de plásticos biodegradáveis que se decomponham mais facilmente no ambiente, reduzindo o acúmulo de microplásticos a longo prazo.
  3. Leis de responsabilidade estendida do produtor (EPR): Implementar leis de EPR que responsabilizem os fabricantes pelo ciclo de vida completo de seus produtos, incluindo sua disposição e reciclagem. Isso incentiva as empresas a projetar produtos com a reciclagem em mente e investir em materiais de embalagem mais sustentáveis.
  4. Investimento em infraestrutura de reciclagem: Aumentar o investimento em infraestrutura de reciclagem para tornar a reciclagem mais eficiente e acessível a uma parcela maior da população. Isso inclui a expansão de programas de reciclagem porta a porta, o estabelecimento de mais instalações de reciclagem e a melhoria dos métodos de coleta e transporte.
  5. Regulamentação dos microplásticos: Promulgar regulamentações que visem especificamente a liberação de microplásticos nos processos de reciclagem e outras fontes, como têxteis sintéticos e microesferas em produtos de cuidados pessoais.
  6. Investimento em materiais alternativos: Apoiar o desenvolvimento e a adoção de materiais alternativos menos prejudiciais ao meio ambiente e que produzam menos microplásticos quando reciclados ou descartados.

Ao implementar essas soluções em conjunto, podemos trabalhar para minimizar a liberação de microplásticos durante o processo de reciclagem e mitigar os impactos ambientais mais amplos associados à poluição por plásticos.

Não custa citar o excelente exemplo italiano: A legislação italiana sobre resíduos plásticos, ou "rifiuto plastico", é um reflexo do compromisso proativo do país em enfrentar desafios ambientais. A Itália implementou uma série de leis com o objetivo de reduzir a proliferação de resíduos plásticos e promover práticas sustentáveis de gestão de resíduos. Uma legislação significativa é o decreto legislativo italiano 116/204, que transpõe a Diretiva da União Europeia sobre Plásticos de Uso Único para a legislação nacional. Este decreto proíbe a venda e distribuição de certos produtos plásticos de uso único, como canudos, talheres e pratos, ao mesmo tempo que promove o uso de alternativas ecologicamente corretas.

V.

Contudo, apesar destas medidas, o essencial deve ser dito: Ao rés-do-chão, deve-se, de modo inequívoco, por mais óbvio que pareça, diminuir o consumo de plástico de modo amplo e irrestrito (não há saída mais!).

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1 Smith, M., Love, D., Rochman, C. M., & Neff, R. A. (2019). Microplastics in Seafood and the Implications for Human Health. Current Environmental Health Reports, 6(3), 179-195.

2 Disponível em: https://www.theguardian.com/environment/2023/may/23/recycling-can-release-huge-quantities-of-microplastics-study-finds. Acesso em 23 de fevereiro de 2024.

The Burden of Microplastics Pollution and Contending Policies and Regulations. Int J Environ Res Public Health. 2022 Jun; 19(11): 6773. Published online 2022 Jun 1. doi: 10.3390/ijerph19116773.

4 (como consta na Gazzeta Ufficiale, disponível em: . Acesso em 08 de março de 2024)

Jayme Vita Roso
Advogado.

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