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Como o PL 3/24 afeta devedores e credores no procedimento falimentar

O PL dá espaço a procedimento arriscado ao mercado e deve ser discutido para não prejudicar a credibilidade dos mecanismos de reestruturação.

25/3/2024

Incertezas e obscuridades relacionadas à longevidade dos instrumentos de reestruturação empresarial dominaram o primeiro trimestre de 2024 para os profissionais que atuam no Direito de Insolvência.   Sob uma perspectiva econômica, nossos sistema é bastante prejudicados pela insegurança jurídica, pois dela deriva a alta inadimplência e uso indevido dos procedimentos de recuperação judicial. O Brasil, nos últimos anos, sentiu efeitos da economia global e isso acaba por ampliar os problemas de endividamento das empresas.

Em relação à continuidade e segurança jurídica das ferramentas de reestruturação (recuperação extrajudicial, recuperação judicial e falência), essa insegurança surge parcialmente porque o PL 3/24 proposto pelo Governo Federal altera substancialmente o procedimento falimentar previsto na lei 11.101/05, que inicialmente trazia como objetivo primordial a melhoria do índice de eficiência e celeridade dos procedimentos de falência no Brasil, por meio da criação de uma nova figura, denominada gestor fiduciário, que passaria a ser eleito em Assembleia Geral pelos credores da massa falida, bem como por meio da apresentação de uma plano de falência. Segundo a proposta, a criação das figuras do “gestor fiduciário” e do “plano de falência de realização dos ativos” permitiria que os credores detivessem maior controle e previsibilidade sobre o processo, recebendo seus créditos ou o equivalente a eles no menor tempo possível, o que sabe-se que na prática é algo inviável.

Inicialmente, referido Projeto de Lei recebeu de profissionais, principalmente dos especializados do Poder Judiciário que atuam diariamente com processos dessa natureza, críticas. Resguardadas às críticas que já foram por nós realizadas em diversos meios ao texto original do Projeto de Lei, o que talvez tenha causado maior impacto na comunidade jurídica fora o regime de urgência instituído em sua tramitação perante a Câmara dos Deputados, pela qual  trava-se a pauta legislativa e leva-se rapidamente à votação das propostas ali realizadas, sem amplo debate sobre os desdobramentos e consequência no mercado econômico. Diversamente do que fora proposto pelo Governo através do PL 3/24, sabe-se que a proposta ali elaborada poderia causar prejuízos muito maiores e sem precedentes a um procedimento já estruturado pela construção doutrinária e jurisprudencial e muito bem-posto quando da reforma da Lei, através da lei 14.112/20. Conclui-se assim que nenhuma reforma ao procedimento falimentar seria necessária, pelo menos neste momento.

Na Câmara dos Deputados, a relatoria do projeto foi atribuída à Deputada Dani Cunha, que surpreendeu a todos ao apresentar, no último dia 16, um texto substitutivo ainda mais prejudicial do que o original, apesar de estar ciente dos impactos negativos do Projeto sobre os institutos de reestruturação das empresas em crise. O novo texto, justificado sob o pretexto de moralizar os processos de falência, ataca injustificadamente os administradores judiciais, o que tem sido criticado pela classe e por outros profissionais do direito. 

Mesmo que de forma implícita, também merece destaque e atenção, o fato de que pela leitura das alterações propostas, percebe-se clara tentativa de beneficiamento de uma classe privilegiada de credores, em detrimento de todo microssistema de insolvência brasileiro, em que ‘as regras do jogo’ passariam a ser ditadas em prol de agentes com poderio econômico, e nitidamente interessados em ativos de valores relevantes existentes nos processos de recuperação judicial e falência.

Ocorre que, ao permitir que os credores possam escolher um gestor para administrar a massa falida e criar um plano de falência, agilizando, assim, todo o processo deve-se ter claro que não são todos os credores que poderão participar de tal estratégia no processo falimentar.

Daí dizer-se que há nítido privilégio às classes de credores que são titulares da maioria do crédito. Ou seja, o agente escolhido será pelos credores titulares de maior poder econômico, o qual nitidamente fere o princípio da par conditio creditorium, que é latente no processo concursal e falimentar.

Apesar do PL 3/24 trazer a possibilidade de os “credores” terem maior poder de gestão dos processos de falência, a bem da verdade é que o grupo formado pelos detentores dos maiores créditos e não a totalidade. Nítido o retrocesso legislativo. Ainda, quanto ao empreendedorismo no país muito se defende, mas na prática e no PL 3/24, a figura do empresário é deixada de lado, na hipótese de ser falido toda sua voz é extirpada do processo, como se a este agente se devesse toda morosidade e ineficiência dos processos; assim como é totalmente desconsiderado o papel das empresas na economia do país, na medida, em que a estas não são asseguradas garantias mínimas de utilização dos mecanismos de reestruturação.

Como incentivar o empreendedorismo em um país (que é palco constante de crise econômica e política) em que minimamente não se pode garantir às suas empresas a utilização de ferramentas para auxílio, na hipótese de crise? Como incentivar os empresários a permanecerem com suas empresas em solo nacional; e, ainda, como incentivar investimentos externos, quando não se tem um cenário de segurança jurídica?  

O aprimoramento da Lei será sempre bem-vindo, mas deve vir acompanhado de amplo debate da sociedade civil e da comunidade jurídica especializada, com a oitiva de todos envolvidos no sistema, e nesse aspecto, identifico que há falha no procedimento que foi adotado, primeiro pelo fato da recente alteração legislativa promovida pela lei 14.112/20 na lei 11.101/05, cujos seus resultados não foram sequer aferidos;  e, segundo, por não ter tido qualquer debate, possibilitando o posicionamento daqueles que realmente fazem parte do dia a dia da insolvência, para que juntos pudessem estabelecer melhores soluções ao processo, sem defesa de um viés ou outro, mas em prol do mercado e do fomento ao empreendedorismo que move o país.

Para finalizar, tanto o texto originário como o substitutivo ao PL 3/24, abrem espaço para manipulação de grandes credores (dentre eles o próprio Fisco, ora credor privilegiado no cenário falimentar, tendo em vista a prioridade no pagamento dos tributos), notadamente quanto ao cenário de aprovação do plano de recuperação judicial, levando à quebra, justamente para que se obtenham vantagens na indicação do gestor fiduciário e na aprovação do plano de falência, retirando a possibilidade de outros credores participarem ativamente e receberem os seus créditos a que detém direto.

As disposições do PL, portanto, dão espaço a um procedimento manejado, que representa extremo perigo ao mercado, e por esta razão deveria ser amplamente discutido, sob pena de retirar a credibilidade de todos os mecanismos de reestruturação disponíveis atualmente às empresas em crise, em retrocesso a todas às mudanças positivas atingidas desde a entrada em vigor da lei 11.101/05.

Camila Crespi Castro
Advogada há mais de 10 anos. Especialista na área de Direito Societário, Reestruturação Empresarial e Recuperação de Empresas e Falências, com formação pela FGV-SP. Membro da Comissão Permanente de Direito Falimentar e Recuperacional do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo. Associada à TMA-Brasil (Turnaround Management Association). Membro da INSOL - International Association of Restructuring, Insolvency & Bankruptcy Professionals. Membro efetivo da Comissão de Relações Internacionais da OAB/SP.

Cybelle Guedes Campos
Sócia do Moraes Jr Advogados.

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