O art. 5º, LXIII, da Constituição Federal dispõe que o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado. Portanto é obrigação da autoridade responsável pela prisão de uma pessoa lhe informar sobre o direito de não produzir provas em seu desfavor. Se assim não o fizer, e for constatado que a omissão causou prejuízo ao jurisdicionado, a prisão deverá ser declarada nula, uma vez essa omissão do Estado violou um direito e uma garantia fundamental do preso.
É importante destacar que o art. 563 do Código de Processo Penal estabelece que nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a defesa. Isto é, se a omissão intencional do Estado for capaz de reunir provas em desfavor do preso, e essas provas servirem para o agravamento de sua responsabilidade, ou para apuração de novas infrações penais, a prisão e as provas decorrentes desta ilegalidade deverão ser declaradas nulas, uma vez que a omissão intencional foi capaz de prejudicar o direito de defesa do preso.
Embora o art. 5º, LXIII, da Constituição Federal estabeleça que é obrigação da autoridade responsável pela prisão formalizar o “Aviso de Miranda”, ou seja, dar transparência ao direito ao silêncio, de acordo com o STJ, se o investigado assim o fizer, ficando calado, não haverá ofensa ao referido artigo constitucional:
“A alegação de ofensa ao aviso de Miranda se esvazia quando o acusado exerce efetivamente o seu direito ao silêncio, ficando calado, em sede policial. (AgRg no HC 846.197/GO, relator ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 4/12/23, DJe de 12/12/23.)”
No julgamento do AgRg no HC 872.775/GO, relator ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 6/2/24, DJe de 14/2/24, onde se buscava a declaração de nulidade das provas decorrentes de prisão em flagrante realizada por guarda municipal, a Corte entendeu que a ausência de demonstração de prejuízo inviabiliza o conhecimento da tese defensiva:
“Relevante registrar, outrossim, que a falta de informação ao direito ao silêncio na fase do inquérito policial constitui nulidade relativa, a qual, além de necessidade de alegação oportuna, necessita da demonstração de efetivo prejuízo, o qual não foi evidenciado na espécie.”
Em outro caso analisado pelo STJ, onde foi demonstrado que a suposta confissão informal do preso aos policiais responsáveis por sua captura causou evidente prejuízo à defesa, uma vez que a condenação originária adotou como um dos fundamentos o excesso de credibilidade dos próprios executores da prisão, foi dado provimento ao recurso, decretando-se a absolvição do recorrente. Confira trechos da ementa desse julgado:
“Foi exatamente o que ocorreu no caso deste recurso especial. O tribunal incorreu em injustiças epistêmicas de diversos tipos, seja por excesso de credibilidade conferido ao testemunho dos policiais, seja a injustiça epistêmica cometida contra o réu, ao lhe conferir credibilidade justamente quando menos teve oportunidade de atuar como sujeito de direitos. A confissão informal - se é que existiu - não tem valor como prova, no sentido processual, configurando-se equivocada a postura de aceitar acriticamente que o investigado fala a verdade em cenário carente das mínimas condições para atuar livre e espontaneamente.” REsp 2.037.491/SP, relator ministro Rogerio Schietti Cruz, sexta turma, julgado em 6/6/23, DJe de 20/6/23
Vale a pena realçar que se encontra pendente de julgamento perante o STF, com repercussão geral reconhecida (Tema 1.185), a análise da obrigatoriedade de policiais informarem sobre o direito ao silêncio no momento da prisão, conforme a seguinte ementa:
“Ementa: CONSTITUCIONAL. PROCESSO PENAL. ART. 5º, INCISOS LXIII E LIV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRESO. DIREITO AO SILÊNCIO. INTERROGATÓRIO INFORMAL. QUESTÃO RELEVANTE DO PONTO DE VISTA SOCIAL E JURÍDICO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. A controvérsia acerca da obrigatoriedade de o Estado informar ao preso do direito ao silêncio no momento da abordagem policial, e não somente no interrogatório formal, é tema constitucional digno de submissão à sistemática da repercussão geral. (RE 1177984 RG, relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 2-12-21, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-019 DIVULG 2-2-22 PUBLIC 3-2-22)”
Enquanto essa análise não é feita pela Suprema Corte, se deve levar em consideração que o entendimento que prevalece no âmbito do STJ é de que a legislação processual penal não exige que os policiais, no momento da prisão, cientifique o preso quanto ao seu direito em permanecer em silêncio:
“A legislação processual penal não exige que os policiais, no momento da abordagem, cientifiquem o abordado quanto ao seu direito em permanecer em silêncio (Aviso de Miranda), uma vez que tal prática somente é exigida nos interrogatórios policial e judicial. (AgRg no HC 809.283/GO, relator ministro Reynaldo Soares da Fonseca, quinta turma, julgado em 22/5/23, DJe de 24/5/23.)”
Sendo assim, atualmente, a interpretação que deve ser feita sobre o “Aviso de Miranda” consiste na análise do binômio prejuízo e influência da confissão informal. Isto é, se o jurisdicionado soubesse que, durante a prisão, o seu silêncio conduziria à absolvição, ou que a sua condenação teve como um dos fundamentos a confissão informal perante a autoridade responsável pela prisão, restará caraterizado o prejuízo decorrente da omissão do Estado, o que levará à nulidade da prova colhida sem a observância ao art. 5º, LXIII, da Constituição Federal.
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Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Decreto-Lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941.
Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
AgRg no HC n. 846.197/GO, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 4/12/2023, DJe de 12/12/2023.
AgRg no HC n. 872.775/GO, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 6/2/2024, DJe de 14/2/2024.
REsp n. 2.037.491/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 6/6/2023, DJe de 20/6/2023.
AgRg no HC n. 809.283/GO, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 22/5/2023, DJe de 24/5/2023.
RE 1177984 RG, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 02-12-2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-019 DIVULG 02-02-2022 PUBLIC 03-02-2022.