A EC 132/23 que aprovou a reforma tributária parcial, por meio de obscura norma, permite que o Executivo aumente a base de cálculo do IPTU por decreto.
Como se sabe, uma das formas clássicas de aumentar a carga tributária tem sido a manipulação da base de cálculo do imposto que, ao contrário da elevação de alíquotas, não confere visibilidade, passando desapercebida pelo contribuinte.
A legislação do IPTU do Município de São Paulo, para implementar a progressividade do imposto em razão do valor venal do imóvel, prevista no inciso I, do § 1º, do art. 156 da CF, ao invés de progredir a alíquota de acordo com a elevação do valor venal do imóvel, como acontece com a progressividade do Imposto de Renda das pessoas físicas, promove a elevação subrreptícia do valor venal em função da presumível capacidade contributiva do proprietário. Parte-se da premissa que quem possui imóvel de maior valor espelha capacidade contributiva maior e, dessa forma, promove um acréscimo no valor venal para cada faixa progressiva desse valor venal. Como o acréscimo de valor venal se faz diferentemente para imóveis residenciais, tributados à razão de 1%, e para imóveis não residenciais e terrenos, tributados pela alíquota de 1,5%, na prática, muitas vezes, o imóvel residencial acaba saindo mais caro para o contribuinte do que em relação ao terreno ou imóvel não residencial, configurando um verdadeiro absurdo jurídico.
Essa forma de progressão do imposto, por via de aumento da base de cálculo é absolutamente inconstitucional. O IPTU é um imposto de natureza real e a sua quantificação não pode variar de acordo com a qualidade subjetiva do proprietário do imóvel. O valor do imóvel deve ser aferido de forma objetiva. Um imóvel tem o seu valor determinado pelo mercado imobiliário, independentemente de o seu proprietário ser rico ou pobre. Na avaliação de imóvel prescinde-se o nome do seu proprietário.
Agora é o legislador constituinte derivado que permite aumentar o valor venal do IPTU por meio de um decreto do Executivo, conferindo uma redação dúbia ao texto constitucional que rege esse imposto.
De fato, a EC 132, de 20/12/23, acrescentou o inciso III ao §1º, do art. 156 da CF nos seguintes termos:
"Art. 156...
§ 1º ...
[...]
III - ter sua base de cálculo atualizada pelo Poder Executivo, conforme critérios estabelecidos em lei municipal.”
O inciso III previu a delegação legislativa para o Executivo aumentar a base de cálculo do IPTU por decreto, vulnerando o princípio da legalidade (protegido por cláusula pétrea) que data desde 1215, quando João Sem Terra instituiu a Carta Magna Inglesa.
Poder-se-ia argumentar que se trata de mera atualização monetária da base de cálculo mediante correção dos valores da Planta Genérica de Valores – PGV – como vem sendo feita até hoje.
Mas, se assim fosse, esse inciso sob comento seria despiciendo, pois a doutrina e a jurisprudência são pacíficas no sentido de que a mera atualização monetária da base de cálculo do tributo não representa aumento tributário a exigir a presença de lei em sentido estrito, como se não bastasse o que está consignado no § 2º, do art. 97 do CTN:
“§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.”
Na verdade, esse § 2º nos parece abundante, pois como o próprio texto está a indicar visa tão somente atualizar o poder aquisitivo da moeda, anulando o impacto do processo inflacionário.
Nada tem a ver com o aumento real ou com a majoração do tributo, campo de atuação exclusiva da lei em sentido estrito, como prescrito nos incisos I e II, do caput do art. 97 do CTN e no art. 150, I da Constituição Federal.
Quem acompanhou os debates nas duas Casas Legislativas sabe muito bem das pressões exercidas pelos Prefeitos para aumentar o IPTU por decreto. Daí a redação dúbia conferida pelo legislador constituinte derivado que permite interpretações em sentidos opostos.
Foi a maneira de atender aos desejos dos prefeitos, sem ofender escancaradamente o secular princípio da legalidade tributária. Jogou sobre os ombros do Judiciário a correta interpretação desse obscuro preceito constitucional.
Certamente essa questão consumirá décadas de discussões nos tribunais do país.