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Aumento do IPTU por decreto

A EC 132/23 possibilita ao Executivo aumentar a base de cálculo do IPTU por decreto, gerando preocupações sobre a manipulação e aumento indireto da carga tributária. Em São Paulo, a progressividade do imposto é implementada de forma questionável, com acréscimos sub-reptícios no valor venal.

12/3/2024

A EC 132/23 que aprovou a reforma tributária parcial, por meio de obscura norma, permite que o Executivo aumente a base de cálculo do IPTU por decreto.

Como se sabe, uma das formas clássicas de aumentar a carga tributária tem sido a manipulação da base de cálculo do imposto que, ao contrário da elevação de alíquotas, não confere visibilidade, passando desapercebida pelo contribuinte.

A legislação do IPTU do Município de São Paulo, para implementar a progressividade do imposto em razão do valor venal do imóvel, prevista no inciso I, do § 1º, do art. 156 da CF, ao invés de progredir a alíquota de acordo com a elevação do valor venal do imóvel, como acontece com a progressividade do Imposto de Renda das pessoas físicas, promove a elevação subrreptícia do valor venal em função da presumível capacidade contributiva do proprietário. Parte-se da premissa que quem possui imóvel de maior valor espelha capacidade contributiva maior e, dessa forma, promove um acréscimo no valor venal para cada faixa progressiva desse valor venal. Como o acréscimo de valor venal se faz diferentemente para imóveis residenciais, tributados à razão de 1%, e para imóveis não residenciais e terrenos, tributados pela alíquota de  1,5%, na prática, muitas vezes, o imóvel residencial acaba saindo mais caro para o contribuinte do que em relação ao terreno ou imóvel não residencial, configurando um verdadeiro absurdo jurídico.

Essa forma de progressão do imposto, por via de aumento da base de cálculo é absolutamente inconstitucional. O IPTU é um imposto de natureza real e a sua quantificação não pode variar de acordo com a qualidade subjetiva do proprietário do imóvel. O valor do imóvel deve ser aferido de forma objetiva. Um imóvel tem o seu valor determinado pelo mercado imobiliário, independentemente de o seu proprietário ser rico ou pobre. Na avaliação de imóvel prescinde-se o nome do seu proprietário.

Agora é o legislador constituinte derivado que permite aumentar o valor venal do IPTU por meio de um decreto do Executivo, conferindo uma redação dúbia ao texto constitucional que rege esse imposto. 

De fato, a EC 132, de 20/12/23, acrescentou o inciso III ao §1º, do art. 156 da CF nos seguintes termos:

"Art. 156...

§ 1º ...

[...]

III - ter sua base de cálculo atualizada pelo Poder Executivo, conforme critérios estabelecidos em lei municipal.”

O inciso III previu a delegação legislativa para o Executivo aumentar a base de cálculo do IPTU por decreto, vulnerando o princípio da legalidade (protegido por cláusula pétrea) que data desde 1215, quando João Sem Terra instituiu a Carta Magna Inglesa.

Poder-se-ia argumentar que se trata de mera atualização monetária da base de cálculo mediante correção dos valores da Planta Genérica de Valores – PGV – como vem sendo feita até hoje. 

Mas, se assim fosse, esse inciso sob comento seria despiciendo, pois a doutrina e a jurisprudência são pacíficas  no sentido de que a mera atualização monetária da base de cálculo do tributo não representa aumento tributário a exigir a presença de lei em sentido estrito, como se não bastasse o que está consignado no § 2º, do art. 97 do CTN: 

“§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.” 

Na verdade, esse § 2º nos parece abundante, pois como o próprio texto está a indicar visa tão somente atualizar o poder aquisitivo da moeda, anulando o impacto do processo inflacionário.

Nada tem a ver com o aumento real ou com a majoração do tributo, campo de atuação exclusiva da lei em sentido estrito, como prescrito nos incisos I e II, do caput do art. 97 do CTN e no art. 150, I da Constituição Federal.

Quem acompanhou os debates nas duas Casas Legislativas sabe muito bem das pressões exercidas pelos Prefeitos para aumentar o IPTU por decreto. Daí a redação dúbia conferida pelo legislador constituinte derivado que permite interpretações em sentidos opostos.

Foi a maneira de atender aos desejos dos prefeitos, sem ofender escancaradamente o secular princípio da legalidade tributária. Jogou sobre os ombros do Judiciário a correta interpretação desse obscuro preceito constitucional.

Certamente essa questão consumirá décadas de discussões nos tribunais do país.

Kiyoshi Harada
Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.

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