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Um caso a se pensar: A revogação dos arts. 64 e 65 do CPM, e os reflexos nos artigos que previam a pena revogada

Alei 14.688/23 alterou penalidades no CPM, substituindo a suspensão por detenção, gerando questionamentos sobre a melhor situação para o réu diante das mudanças. Conceitos essenciais, como posto e graduação, são destacados.

4/3/2024

Dentre os ajustes procedidos em vários artigos do CPM realizados pela lei 14.688/23, merece uma atenção mais cuidadosa a substituição da pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função1, e a de reforma2 pela pena de detenção [que é privativa de liberdade]. Isso foi decorrente da revogação dos artigos 64 e 65 do CPM, fazendo com que vários crimes militares tivessem sua pena sensivelmente alterada, levando o intérprete a questionar – resguardados os princípios da ultratividade e da irretroatividade da lei penal, qual seria a melhor situação para o réu.

Relembremos por necessário alguns conceitos: posto é o grau hierárquico do oficial (art. 16, § 1º, da lei 6.880/80 - Estatuto dos Militares); graduação é o grau hierárquico da praça (art. 16, § 3º, do Estatuto)3; cargo militar é um conjunto de atribuições, deveres e responsabilidades cometidos a um militar em serviço ativo, e que se encontra especificado nos Quadros de Efetivo ou Tabelas de Lotação das Forças Armadas (art. 20 e § 1º, do Estatuto)4; função militar é o exercício das obrigações inerentes ao cargo militar (art. 23 do Estatuto); reforma é a condição de inatividade em que os militares das Forças Armadas, estão dispensados definitivamente, da prestação de serviço na ativa, mas continuem a perceber remuneração da União (art. 3º, § 1º, alínea b, II, do Estatuto).

Ademais, nos termos do art. 82, inciso XI, do Estatuto dos Militares, o militar das Forças Armadas será agregado quando for afastado temporariamente do serviço ativo, por ter sido condenado à pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função prevista no Código Penal Militar, e sua agregação é contada a partir da data indicada no ato que tornar público o respectivo evento (art. 82, § 2º, do Estatuto). O dispositivo apontado, ao que parece perdeu sentido pois a hipótese específica daquela agregação não mais existe. De um modo geral, o militar agregado ficará adido, para efeito de alterações e remuneração, à organização militar que lhe for designada, continuando a figurar no respectivo registro, sem número, no lugar que até então ocupava (art. 84 do Estatuto).

Existe ainda agregação temporária do desertor (art. 82, VII); do condenado à pena restritiva de liberdade superior a 6 meses, em sentença transitada em julgado, enquanto durar a execução, excluído o período de sua suspensão condicional, se concedida esta, ou até ser declarado indigno de pertencer às Forças Armadas ou com elas incompatível (art. 82, X).

O quadro abaixo mostra os tipos penais que previam pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função e, cujas penas foram substituídas pela pena de detenção.

Art. 170 - ordem arbitrária de invasão, a pena original era suspensão do exercício do posto, de um a três anos, ou reforma, com a lei 14.688/23 passou a ser Detenção de 1 a 2 anos;

Art. 174 – rigor excessivo, a pena original era suspensão do exercício do posto, por dois a seis meses, se o fato não constitui crime mais grave, com a lei 14.688/23 passou a ser Detenção de 1 a 2 anos, se o fato não constitui crime mais grave

Art. 197 – retenção indevida, a pena original era suspensão do exercício do posto, de três a seis meses, se o fato não constitui crime mais grave. Com a lei 14.688/23 passou a ser Detenção de 1 a 2 anos, se o fato não constitui crime mais grave;

Art. 198 – omissão de eficiência da força, a pena original era suspensão do exercício do posto, de três meses a um ano, suspensão do exercício do posto, de três meses a um ano. Com a lei 14.688/23 passou a ser Detenção de 3 meses a 1 ano;

Art. 201 – omissão de socorro, a pena original era suspensão do exercício do posto, de um a três anos ou reforma. Com a lei 14.688/23 passou a ser Detenção, de 1 a 2 anos;

Art. 204 – exercício de comércio por oficial, a pena original era suspensão do exercício do posto, de seis meses a dois anos, ou reforma. Com a lei 14.688/23 passou a ser Detenção de 1 a 2 anos;

Art. 266 – modalidades culposas, a pena original era se o crime dos arts. 262, 263, 264 e 265 é culposo, a pena é de detenção de seis meses a dois anos; ou, se o agente é oficial, suspensão do exercício do posto de um a três anos, ou reforma; se resulta lesão corporal ou morte, aplica-se também a pena cominada ao crime culposo contra a pessoa, podendo ainda, se o agente é oficial, ser imposta a pena de reforma Com a lei 14.688/23 passou a ser art. 266. Se o crime dos arts. 262, 263, 264 e 265 deste Código é culposo, a pena é de detenção de 6 meses a 2 anos e, se dele resulta lesão corporal ou morte, aplica-se também a pena cominada ao crime culposo contra a pessoa

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1 Art. 64. A pena de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função consiste na agregação, no afastamento, no licenciamento ou na disponibilidade do condenado, pelo tempo fixado na sentença, sem prejuízo do seu comparecimento regular à sede do serviço. Não será contado como tempo de serviço, para qualquer efeito, o do cumprimento da pena.     (Revogado pela Lei nº 14.688, de 2023)  Caso de reserva, reforma ou aposentadoria     (Revogado pela Lei nº 14.688, de 2023)   Parágrafo único. Se o condenado, quando proferida a sentença, já estiver na reserva, ou reformado ou aposentado, a pena prevista neste artigo será convertida em pena de detenção, de três meses a um ano.

2 Art. 65. A pena de reforma sujeita o condenado à situação de inatividade, não podendo perceber mais de um vinte e cinco avos do soldo, por ano de serviço, nem receber importância superior à do soldo.     (Revogado pela Lei nº 14.688, de 2023).

3 Conceito semelhante de posto e graduação tem o art. 23, da Lei 1.943, de 05 de julho de 1.954 – Código da Polícia Militar do Paraná.

5 Vide art. 304, alínea ‘g’, da Lei 1.943, de 05 de julho de 1.954 – Código da Polícia Militar do Paraná.

Jorge Cesar de Assis
Advogado inscrito na OAB/PR. Membro aposentado do Ministério Público Militar da União. Integrou o Ministério Público paranaense. Oficial da reserva não remunerada da PMPR.

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