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A condenação lastreada em inquérito policial

Ainda que as conclusões policiais possam dar ferramentas para a instauração de ação penal, a prolação de sentença condenatória dependerá de contraditório judicial.

4/3/2024

O inquérito policial pode ser objetivamente interpretado como um procedimento administrativo, onde não há contraditório, conduzido pelas Polícias Civil ou Federal, cuja prova é produzida por critérios de oportunidade e de conveniência do investigador, e as conclusões poderão subsidiar a propositura de ação penal. Isso quer dizer que as conclusões policiais podem ser classificadas como elementos informativos e não vinculantes, cuja eficácia dependerá da ratificação das provas perante o Poder Judiciário.  

Ainda que as conclusões policiais possam dar ferramentas para a instauração de ação penal, a prolação de sentença condenatória dependerá de contraditório judicial, ou seja, de acordo com o artigo 155 do Código de Processo Penal, não se condenará apenas com base nos elementos produzidos de forma inquisitorial:

“Art. 155.  O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.”

No julgamento do EDcl no AgRg no AREsp 2.376.855/AL, relatora ministra Daniela Teixeira, 5ª turma, julgado em 6/2/24, DJe de 8/2/24, onde foi constatato que a decisão de pronúncia foi fundamentada exclusivamente com provas produzidas na fase de inquérito policial, foi dado provimento ao recurso para anular o processo desde a decisão de pronúncia, pois, de acordo com a eminente relatora do caso, a legitimidade da prova produzida na fase de inquérito policial exige ratificação pelo Poder Judiciário: 

“Acrescento que, no Estado Democrático de Direito, a legitimidade da fundamentação das decisões judiciais decorre, também, do exame das provas submetidas ao contraditório e à ampla defesa, corolários do devido processo legal, o que não ocorre, em regra, com a prova produzida extrajudicialmente. 

Consequentemente, depreende-se que a decisão de pronúncia, quando restar fundamentada exclusivamente com base em elementos informativos obtidos em fase inquisitorial, representará flagrante ofensa ao Estado Democrático de Direito e ao Princípio da Presunção de Inocência.”

Em linhas gerais, a prova indiciária só terá eficácia se for confirmada em juízo, ou seja, a ausência de ratificação da prova perante o Poder Judiciário, impede que este órgão possa se valer exclusivamente dessas informações para formar a sua convicção. 

Cita-se como exemplo o caso analisado no julgamento do AgRg no AREsp 2.428.788/PR, relator ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 12/12/23, DJe de 15/12/23, onde foi constatado que a decisão de pronúncia foi fundamentada exclusivamente em elementos informativos colhidos em inquérito policial. Essa prova indiciária serviu de base para que o Júri Popular condenasse o recorrente. Diante da teratologia da decisão de pronúncia, o colegiado do STJ deu provimento ao recurso para cassar a decisão de pronúncia, impronunciando o recorrente. Confira trechos do voto exarado pelo eminente relator do caso: 

“No caso ora em exame, o acolhimento da versão acusatória pelos jurados foi amparada, tão somente, em uma oitiva colhida no inquérito policial e em provas indiretas das testemunhas sigilosas, cujos depoimentos não foram corroborados pela fonte originária.

Com efeito, a decisão de pronúncia já foi manifestamente despida de legitimidade, porque, na espécie, o réu foi submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri com base exclusivamente em depoimentos indiretos e em elementos informativos não confirmados em juízo.

Por esse motivo, embora a análise aprofundada das provas seja feita somente pelo Tribunal Popular, não se pode admitir a pronúncia do réu, dada a sua carga decisória, sem que haja sido atingido um standard probatório suficiente, que se situa "entre o da simples preponderância de provas incriminatórias sobre as absolutórias (mera probabilidade ou hipótese acusatória mais provável que a defensiva) – típico do recebimento da denúncia – e o da certeza além de qualquer dúvida razoável (BARD ou outro standard que se tenha por equivalente) – necessário somente para a condenação. Exige-se para a pronúncia, portanto, elevada probabilidade de que o réu seja autor ou partícipe do delito a ele imputado" (REsp 2.091.647/DF, rel. ministro Rogerio Schietti, 6ª T., DJe 3/10/23, grifei).”

Aliás, ainda que o recebimento da denúncia não se exija fundamentação exauriente, pois se trata de decisão motivada de acordo com os elementos de provas não contraditadas pelo acusado, a prolação da sentença condenatória não deve ser feita sem levar em consideração a prova produzida a partir do contraditório judicial. Essa interpretação ocorreu no julgamento do AgRg no HC 852.949/CE, relatora ministra Laurita Vaz, relator para acórdão ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 30/11/23, DJe de 14/12/23, onde se analisou a legalidade da condenação, pelo crime de tráfico de drogas, fundamentada apenas com base no testemunho indireto de policiais. Diante da insuficiência probatória, o STJ deu provimento ao recurso para absolver o recorrente. Confira trechos da ementa desse julgado: 

“Na hipótese, a simples leitura da denúncia, da sentença e do acórdão deixa claro que não houve apreensão de drogas ou outros objetos indicativos de tráfico com o paciente e que a suposta participação dele no esquema criminoso foi embasada apenas no testemunho indireto dos policiais, os quais haveriam obtido supostas delações informais dos corréus e uma alegada confissão informal do paciente, que não foram confirmadas nem sequer no inquérito policial, tampouco em juízo, quanto ao envolvimento dele na traficância. Assim, com base em tão frágeis elementos, não há como considerar provada e inferir, além de qualquer dúvida razoável, a prática do crime de tráfico de drogas pelo acusado, muito menos o delito de associação, que requer estabilidade e permanência do vínculo.”

De acordo com o ministro Ribeiro Dantas: “Prova é aquela produzida no processo judicial, sob o crivo do contraditório, e assim capaz de oferecer maior segurança na reconstrução histórica dos fatos.” Essa interpretação ocorreu na análise do REsp 1.916.733/MG, 5ª turma, julgado em 23/11/21, DJe de 29/11/21, onde foi constatado que a introdução das qualificadoras do artigo 121, § 2º, I e IV, do CP, se fundamentam apenas em um testemunho indireto, colhido no inquérito policial, contrariando o artigo 155 do CPP. Confira trechos do voto exarado pelo eminente relator do caso: 

“Como tivemos a oportunidade de discutir neste colegiado no julgamento do HC 560.552/RS, ainda que na~o diga claramente quais regras se aplicam em cada situac¸a~o, o art. 155 do CPP nos trouxe os esboc¸os gerais de um standard probato'rio ao instituir um limite a` atividade cognitiva do juiz, a saber: o de que os elementos colhidos no inque'rito na~o servem para sustentar uma condenac¸a~o - ressalvadas as espe'cies de provas indicadas na parte final do dispositivo. 

Como o inque'rito judicial e' um procedimento administrativo conduzido unilateralmente pela autoridade policial, com controle externo do Ministe'rio Pu'blico, sem chegar a` formac¸a~o do contradito'rio, a doutrina processual mais atualizada proclama que sequer existe produc¸a~o de prova naquela esfera, mas somente coleta de indi'cios para formar a opinio delicit da acusac¸a~o. Dai' porque uma condenac¸a~o pautada apenas em tais indi'cios e' nula: para ale'm da ofensa ao art. 155 do CPP, o jui'zo condenato'rio violaria tambe'm o art. 386 do Co'digo, porque condenou o re'u sem provas, mas apenas com indi'cios.”

Portanto, considerando que a prova no processo judicial só terá eficácia após o exercício do contraditório, as recentes decisões do STJ demonstram que os elementos informativos colhidos pela autoridade policial, no âmbito do inquérito policial, não se confundem com prova, pois foram produzidas por critérios de oportunidade e de conveniência da autoridade policial. 

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Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Decreto-Lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941. 

Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. 

EDcl no AgRg no AREsp n. 2.376.855/AL, relatora Ministra Daniela Teixeira, 5ª Turma, julgado em 6/2/2024, DJe de 8/2/2024.

AgRg no AREsp n. 2.428.788/PR, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 12/12/2023, DJe de 15/12/2023.

AgRg no HC n. 852.949/CE, relatora Ministra Laurita Vaz, relator para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 30/11/2023, DJe de 14/12/2023.

REsp n. 1.916.733/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, 5ª Turma, julgado em 23/11/2021, DJe de 29/11/2021.

Ricardo Henrique Araujo Pinheiro
Advogado especialista em Direito Penal. Sócio no Araújo Pinheiro Advocacia.

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