Migalhas de Peso

O instituto da prescrição intercorrente e a hipótese de extinção do processo de execução

Como devedor ou credor você deverá entender o instituto da prescrição intercorrente. Ele pode ser a solução para seu processo moroso ou, a ameaça a seu próprio direito de crédito.

3/3/2024

Sendo credor ou devedor, a prescrição intercorrente é uma fonte de incertezas. 

Só para contextualizar: prescrição intercorrente refere-se à perda do direito de se exigir um direito. Quando há falta de ação dentro de um processo, por um período de tempo já determinado em lei, perde-se o direito à continuidade do processo.

Ou seja, enquanto a prescrição originária da pretensão executiva acontece antes da propositura da ação, a prescrição intercorrente, ocorre no curso do processo.

Por evidente, o devedor não pode se ver obrigado a permanecer no posso passivo das ações por dezenas de anos, com todos os ônus inerentes a estes processos judiciais. Mas, por outro lado, o credor pode ter inúmeras dificuldades no recebimento de seu crédito, enfrentando todos os muitos esforços do devedor para fugir das tentativas de cobrança.

Mas, como nada pode ser para sempre, a legislação nos traz um instituto que impede que o processo se eternizar no tempo.

O art. 40 da LEF, já trazia o conceito que abarca princípios constitucionais de eficiência, segurança jurídica, duração razoável do processo, e trazia para nosso mundo jurídico a prescrição intercorrente.

A lei de execuções fiscais já previa, em linhas gerais, que a prescrição intercorrente aconteceria sempre que:

Depois da lei de execução fiscal, mas antes do CPC/15, a orientação predominante dos tribunais era de entender que, a situação de abandono do processo, ou das pretensões executórias subsistirem indefinidamente no tempo, não pode ser admitido, pois atentam contra o objetivo principal do sistema jurídico que é a pacificação de conflitos.

E, então, instituto da prescrição intercorrente vem disciplinado no CPC, em seu art. 921, como se lê:

Art. 921. Suspende-se a execução:

  1. nas hipóteses dos arts. 313 e 315 , no que couber;
  2. no todo ou em parte, quando recebidos com efeito suspensivo os embargos à execução;
  3. quando não for localizado o executado ou bens penhoráveis; (Redação dada pelalei 14.195/21)
  4. se a alienação dos bens penhorados não se realizar por falta de licitantes e o exequente, em 15 dias, não requerer a adjudicação nem indicar outros bens penhoráveis;
  5. quando concedido o parcelamento de que trata o art. 916.

§ 1º Na hipótese do inciso III, o juiz suspenderá a execução pelo prazo de 1 ano, durante o qual se suspenderá a prescrição.

§ 2º Decorrido o prazo máximo de 1 ano sem que seja localizado o executado ou que sejam encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos.

§ 3º Os autos serão desarquivados para prosseguimento da execução se a qualquer tempo forem encontrados bens penhoráveis.

§ 4º O termo inicial da prescrição no curso do processo será a ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis, e será suspensa, por uma única vez, pelo prazo máximo previsto no § 1º deste artigo. (Redação dada pela lei 14.195/21)

§ 4º-A A efetiva citação, intimação do devedor ou constrição de bens penhoráveis interrompe o prazo de prescrição, que não corre pelo tempo necessário à citação e à intimação do devedor, bem como para as formalidades da constrição patrimonial, se necessária, desde que o credor cumpra os prazos previstos na lei processual ou fixados pelo juiz. (Incluído pela lei 14.195/21)

§ 5º O juiz, depois de ouvidas as partes, no prazo de 15 (quinze) dias, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição no curso do processo e extingui-lo, sem ônus para as partes. (Redação dada pela lei 14.195/21)

§ 6º A alegação de nulidade quanto ao procedimento previsto neste artigo somente será conhecida caso demonstrada a ocorrência de efetivo prejuízo, que será presumido apenas em caso de inexistência da intimação de que trata o § 4º deste artigo. (Incluído pela lei 14.195/21)

§ 7º Aplica-se o disposto neste artigo ao cumprimento de sentença de que trata o art. 523 deste Código. (Incluído pela lei 14.195/21)

Importante frisar que, em que pese um processo estar em andamento por 15 anos, isso, por si só, não caracteriza prescrição intercorrente. Porque deve ser analisado o andamento, a lide, se foram adotadas diversas medidas para que os bens do executado sejam localizados, ainda que sem sucesso. Se os autos permaneceram paralisados por ausência de manifestação do exequente. Se o exequente pecou pela inércia.

O art. 921, III, § 1º do CPC estabelece que quando o executado, citado, não possuir patrimônio penhorável, haverá a suspensão da execução. O sobrestamento será de 1 ano.

Então, somente após o transcurso do prazo de 1 ano da certificação da paralisação judicial do feito, dá início ao instituto capaz de afastar a exigibilidade da dívida (art. 921, CPC).

O início do cômputo da prescrição intercorrente depende de duas intimações:

E em síntese:

Importante frisar que o STJ já firmou orientação no sentido de que “não corre prescrição intercorrente durante o prazo de suspensão do processo de execução determinado pelo juiz. Para a retomada de seu curso, faz-se necessária a intimação pessoal do credor para diligenciar no processo, porque é a sua inação injustificada que faz retomar-se o curso da prescrição.” (STJ – AgRg no AREsp. 583987/DF, rel. min. Maria Isabel Gallotti, T4 – Quarta Turma – publ. 6.2.15 – Destacamos)

A lei processual não estabelece qual o prazo da prescrição intercorrente. O prazo é idêntico ao da prescrição stricto sensu, que tem como regra o disposto no art. 205 do Código Civil, que é de 10 anos, e possui variações de acordo com a natureza do direito subjetivo lesado, descritas no art. 206 do Código Civil.

Para descaracterizar inércia, para fins de obstar a prescrição intercorrente, faz-se necessária a prática de diligências úteis, necessárias e concretas, que demonstrem a real busca pela satisfação do crédito. Não se permite postergação indefinida, calcada em medidas ineficazes ou sem efetividade. 

Mas a parte credora também não pode ser prejudicada pela demora do Poder Judiciário, ou por decisões equivocadas do juízo. Por isso, não pode ser atribuída a parte exequente o prejuízo pela demora que seja imputável ao serviço judicial. 

Importante não permitir que o instituto seja utilizado como uma ameaça ao próprio direito de crédito. A racionalização processual, e a pretendida diminuição do moroso congestionamento do Poder Judiciário, não pode servir como fundo para se observar, na prática, a prescrição de créditos que não são liquidados por inércia, ou por falta de êxito na busca, mas sim pela dificuldade real de se buscar bens penhoráveis de devedores cada vez mais preparados para impedir a localização de patrimônio penhorável.

E, se o processo é um meio de interesse público na busca da justa aplicação do ordenamento jurídico no caso concreto, qual a figura do juiz diante dos eventuais efeitos da prescrição?

O direito brasileiro importou do direito europeu o princípio da cooperação. O processo exige a atividade cooperativa triangular, entre o juiz e as partes. Exige um juiz ativo no centro da controvérsia e a participação ativa das partes. Mas, isso é assunto para meu próximo trabalho.... fica combinado!

Lucinete Cardoso
Mestre em Direito. Prof. Universitária. Advogada com experiência em assessoria empresarial, Contratos, personificação jurídica, estrutura societária, governança, mercado de capitais, novas tecnologias

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

ITBI na integralização de bens imóveis e sua importância para o planejamento patrimonial

19/11/2024

Cláusulas restritivas nas doações de imóveis

19/11/2024

A relativização do princípio da legalidade tributária na temática da sub-rogação no Funrural – ADIn 4395

19/11/2024

Transtornos de comportamento e déficit de atenção em crianças

17/11/2024

Prisão preventiva, duração razoável do processo e alguns cenários

18/11/2024