Os dados não mentem. No Brasil, são abertas centenas de empresas todos os dias. Noutro lado, parte delas são fechadas com similar frequência. O Boletim do 3º quadrimestre de 2023 do Mapa de Empresas1 informa que, naquele ano, foram abertas 3.868.687 empresas e fechadas 2.153.840.
Muitas empresas iniciam sem qualquer conhecimento técnico ou assessoria jurídica e contábil, impulsionadas tão somente pelo empreendedorismo desbravador.
Ao longo do caminho (que, às vezes, nem chega a ser “longo”), as “burocracias” batem à porta: registros, licenças, alvarás, recolhimentos tributários (e, no jornal, avisaram de uma tal ‘reforma tributária’!), uma notificação extrajudicial, uma ação judicial, boletos, mais contas e tentativas de golpe. Na mesma edição do jornal, noticia-se que o fornecedor da matéria prima entrou em recuperação judicial - “o que é isso?” - e o aumento do imposto do combustível encarece a logística.
O “brazilian dream” vira pesadelo: aquilo que se destinava ao lucro, torna-se prejuízo. É o “tic-tac” que perturba o empreendedor.
Há quem atribua a responsabilidade dos infortúnios ao desbravamento aventureiro de alguns empreendedores. Outros, ao próprio cenário econômico-financeiro. E como toda boa doutrina de direito empresarial ensina, o risco é inerente à atividade econômica.
Sobre o quesito assunção de responsabilidade, porém, é preciso considerar, ainda, a culpa concorrente dos operadores do direito, juristas, e advogados atuantes na área.
Afinal, significativa parcela daqueles que devem divulgar o conhecimento de maneira simples e acessível, optam pela utilização de termos complexos, múltiplos estrangeirismos (call, briefing, IPO) e intermináveis discussões doutrinárias (de importância teórica indiscutível, mas aplicação prática rasa).
Agora mesmo, se o leitor é da área de conhecimento jurídico empresarial, se incomodou (assim como eu) ao ler a expressão “empresa” como se se tratasse de uma pessoa jurídica, quando, em verdade, “empresa” é, conceitualmente, a própria atividade econômica. Os termos “abrir” e “fechar” “empresa” arranham os olhos.
Todavia, esses imbróglios que servem à doutrina, não podem dificultar ou impedir a clareza da comunicação com os empreendedores.
O discurso dos juristas passa ao pequeno empreendedor a impressão de que as normas do direito empresarial não são a ele aplicáveis. A narrativa complexa e rebuscada parece aplicável apenas às empresas de grande porte da Faria Lima.
Veja-se um exemplo, apesar do grande número de empresas abertas no ano de 2023, o Boletim Mensal de Dezembro de Propriedade Industrial - INPI2, daquele mesmo ano, aponta que, no acumulado dos doze meses, foram concedidos os registros de 210.987 marcas, e acumulado de 402.460 pedidos.
É difícil imaginar uma empresa sem uma marca. Invariavelmente, uma coisa está ligada a outra. Ocorre, porém, que muitos empreendedores não possuem qualquer conhecimento acerca da necessidade, possibilidade e imprescindibilidade de se registrar a marca.
As discussões e divulgações sobre Propriedade Industrial são, na quase totalidade das vezes, envolvendo conglomerados de empresas, grandes grupos econômicos e disputas bilionárias, com conceitos quase inteligíveis para o pequeno empreendedor.
A democratização do conhecimento começa por aqueles que o detém. É responsabilidade dos operadores do direito informar de maneira clara e didática, para que todos tenham acesso ao saber e possam usufruir dos direitos disponíveis e, em igual medida, estarem cientes das obrigações e responsabilidades.
Simplicidade não é sinônimo de atecnia. É preciso ser acessível para ser conhecido. Nos dizeres de Benjamin Franklin, o conhecimento abre as portas da oportunidade. E, no caso dos empreendedores brasileiros, pode não somente abrir as portas, mas, especialmente, mantê-las abertas e conduzir à expansão e novos caminhos.
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1 Disponível em: https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/mapa-de-empresas/boletins/mapa-de-empresas-boletim-3o-quadrimestre-2023.pdf
2 Disponível em: https://www.gov.br/inpi/pt-br/central-de-conteudo/estatisticas/arquivos/publicacoes/boletim-mensal-de-pi_resultados-de-dezembro-2023-1.pdf