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O PL 1.809/11: problemática da inclusão do nome do corretor na escritura de compra e venda do imóvel

O corretor de imóveis é essencial no mercado imobiliário, orientando compradores na escolha, crucial considerando que a propriedade é confirmada pelo registro.

16/2/2024

Introdução

O corretor de imóveis desempenha papel fundamental no Mercado Imobiliário, especialmente quando consideramos que o maior sonho de grande parte da população brasileira é a compra da casa própria.

Além disso, também na maioria dos casos, a compra de um imóvel é o maior negócio que a pessoa fará na vida e, por vezes, passa mais de 15 anos para quitar o pagamento, de modo que o adquirente não pode errar na escolha do imóvel, reforçando o protagonismo do corretor de imóveis nessa hora.

Por sua vez, no sistema registral brasileiro, a transmissão da propriedade imobiliária ocorre mediante o registro do título aquisitivo na matrícula do imóvel, conforme o art. 1.245, §1º do Código Civil: “Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.” Daí o brocardo: “só é dono quem registra.”

Pois bem, o PL 1.809/11 propõe a alteração da lei 6.530/78, que regulamenta a profissão de Corretor de Imóveis, visando a obrigatoriedade da inclusão do nome completo do corretor e do seu número de inscrição no Conselho Regional de Corretores de Imóveis – CRECI na escritura do imóvel cuja transação ele tenha intermediado.

Sabemos que o Projeto visa valorizar a profissão do corretor de imóveis, e, a uma primeira vista, perece bom, todavia, analisando mais detidamente as suas implicações, pode ser prejudicial à classe, merecendo, portanto, um olhar mais acurado e reflexivo, o que buscaremos fazer neste breve artigo.

O corretor seria cúmplice em eventual fraude tributária?

Na compra e venda de um imóvel, o comprador e o vendedor passam por algumas etapas. Ao ajustarem as condições do negócio, eles geralmente celebram um contrato particular de promessa de compra e venda. Em seguida, lavram a escritura pública, revestindo o negócio com as formalidades exigidas por lei, para, então, registrarem o instrumento no Registro Geral de Imóveis - RGI, transmitindo-se a propriedade formal ao comprador.

Para que seja lavrada a escritura pública de compra e venda, os Cartórios de Notas exigem que o comprador apresente o comprovante de quitação do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis - ITBI ou a certidão de isenção/imunidade, muito embora esteva pacificado no STJ que o ITBI incide no ato de registro da transmissão da propriedade perante o RGI, não sendo obrigatório o seu recolhimento em momento anterior.

Ocorre, algumas vezes, porém, que na hora de lavrar a escritura em cartório, visando minimizar os seus altos custos com a escritura pública, o registro do imóvel e o ITBI, o comprador indignado e sem bem pensar acaba declarando na escritura um valor inferior ao que de fato foi transacionado o imóvel, reduzindo as suas despesas.

Nessa hora, o comprador e o vendedor estarão cometendo uma fraude, já que o imposto recolhido será menor do que o efetivamente devido. É que, conforme entendimento do STJ, em julgamento de recurso repetitivo, a base de cálculo do ITBI é o valor declarado pelo comprador/contribuinte, com base no contrato de compra e venda celebrado.

A lei 4.502/64, em seu art. 72, dispõe que “fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido a evitar ou diferir o seu pagamento.” Dispõe ainda em seu art. 73 que “conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas, visando qualquer dos efeitos referidos nos arts. 71 e 72.”

Até então, se o corretor não assinou a escritura, estaria de fora deste ato, até porque, de fato, ele geralmente não toma ciência dessa decisão do comprador. Mas, a partir do momento que o corretor tem seu nome no contrato ou na escritura, sabendo que há uma simulação do valor, com objetivo de sonegar tributos, ele passa a ser cúmplice, podendo ser responsabilizado civil e criminalmente.

A justificativa do projeto de lei reforça o argumento ora levantado já em seu primeiro parágrafo: 

“Nossa intenção é cada vez mais proporcionar garantias aos cidadãos, que efetuam com a participação de corretoras, segurança na transação imobiliária, através de corretores devidamente credenciados, pois desta forma ficarão os mesmos sujeitos às penalidades impostas pela lei nas fraudes ocasionais.”

A natureza imprevisível da venda de imóveis coloca o corretor em uma posição onde é difícil antecipar exatamente quando uma venda ocorrerá. Diante dessa incerteza, o corretor pode se encontrar sob pressão do comprador para assinar documentos que possam conter irregularidades, especialmente se isso significar a conclusão do negócio e a garantia de sua comissão.

Nesse contexto, mesmo que a intenção do corretor não seja participar de uma fraude tributária, sua assinatura no documento com valor subdeclarado o implicaria diretamente na irregularidade. Este tipo de situação é particularmente delicada, pois, embora o corretor possa acreditar que está agindo em prol da conclusão do negócio, ele estaria, na verdade, arriscando-se a enfrentar consequências jurídicas. 

Portanto, embora o PL 1.809/11 pareça reconhecer e valorizar a profissão do corretor de imóveis, na prática, ele pode aumentar a vulnerabilidade dos corretores a dilemas éticos e legais. A exigência de inclusão do nome do corretor em escrituras de transações imobiliárias cria uma responsabilidade direta e potencialmente onerosa, que vai além da simples intermediação de vendas, podendo expor os profissionais a riscos legais significativos em situações de fraude tributária. 

Tal cenário ressalta a importância de um debate mais aprofundado sobre o impacto real deste projeto de lei no dia a dia dos corretores de imóveis.

Conclusão

Diante do exposto, é evidente que o PL 1.809/11, apesar de sua intenção de valorizar a profissão do corretor de imóveis, encerra uma série de implicações potencialmente prejudiciais para esses profissionais. 

A inclusão obrigatória do nome e registro do corretor na escritura pública pode transformá-lo em um potencial cúmplice de fraudes tributárias, especialmente em casos em que há subdeclaração do valor do imóvel para fins de redução do ITBI.

Essa exposição a riscos legais não apenas coloca em xeque a segurança jurídica do corretor, mas também contraria o princípio de proteção da categoria, que é o espírito norteador da regulamentação da profissão. Ao invés de atribuir mais segurança e valorização à atividade, o PL pode resultar em uma responsabilidade desproporcional e potencialmente injusta para os corretores de imóveis.

Amadeu Mendonça
Advogado de negócios imobiliários, com ênfase em estruturação de empreendimentos imobiliários e blindagem patrimonial. Sócio fundador do Tizei Mendonça Advogados. Pós-graduado em Direito pela UFPE.

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