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A autocomposição como instrumento de efetivação do direito à razoável duração do processo

O processo judicial resolve conflitos por meio da prestação jurisdicional. O direito processual facilita o acesso à justiça, garantindo celeridade e respeito aos princípios constitucionais. A autocomposição, possibilitando acordos entre partes, acelera o acesso ao direito material desejado.

9/2/2024

1 – Introdução

O processo judicial é um instrumento de tutela que visa, por meio da prestação jurisdicional, a resolução de conflitos. Dessa maneira, o direito processual é o instrumento pelo qual o jurisdicionado pode pleitear um direito material, além de ser um importante instrumento de pacificação social e promoção da justiça.

Tendo-se em vista a importância do processo como instrumento de acesso à justiça, é importante que a prestação jurisdicional se dê de maneira condizente com os princípios constitucionais, garantindo que o indivíduo tenha acesso ao direito material que pleiteia de maneira célere, conforme estabelecido pela Constituição Federal. 

No que tange aos direitos disponíveis – aqueles que podem ser objeto de transação – será possível que as partes entrem em acordo e façam concessões recíprocas a fim de alcançar um denominador comum e pôr fim à controvérsia. Assim, a autocomposição é uma ferramenta pela qual dois ou mais indivíduos com pretensões contrárias podem entrar em acordo com vistas a colocar fim ou evitar o surgimento de um processo judicial, acelerando o acesso ao direito material pretendido1.  

Desse modo, o presente artigo tem como objetivo explorar a autocomposição como um instrumento de efetivação do direito fundamental à razoável duração do processo, princípio esse consubstanciado no artigo 5º, LXXVII, da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional 45, de 08 de dezembro de 2004.

2 – Direito fundamental à duração razoável do processo

A celeridade processual é um mandamento constitucional, previsto no artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” Esse princípio estabelece como direito fundamental que todo indivíduo que necessitar da prestação jurisdicional deverá obtê-la em um tempo razoável. Desse modo, caberá ao Estado garantir que a parte tenha acesso ao direito pelo qual pleiteia no processo, seja administrativo ou judicial, em tempo razoável.

Imperioso destacar que o princípio da razoável duração do processo não visa assegurar necessariamente e unicamente que o processo seja célere, mas que este se de em um lapso de tempo compatível com sua complexidade. Desse modo, esse princípio estabelece que deve haver uma razão de proporção entre a complexidade e a duração do processo, devendo o julgador prezar pela tempestividade da tutela jurisdicional2.  

Além do julgador, as partes do processo também possuem dever de colaborar para a rápida resolução da lide, auxiliando na minimização de atos protelatórios que impossibilitem a resolução do conflito de maneira menos morosa. Assim, surge entre as partes o princípio da cooperação, que tem como um dos principais alicerces a boa-fé processual das partes e aparece de maneira expressa no artigo 6º do CPC: “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.”

Desse modo, os princípios constitucionais e processuais consubstanciam que as partes do processo não apenas devem agir de acordo com a boa-fé processual em todos os atos praticados, mas também devem cooperar entre si para que a resolução do conflito se dê de maneira transparente e célere, em um lapso de tempo coerente com a complexidade do processo. Além disso, é possível apreender de tais princípios que a cooperação deve se dar de tal maneira a possibilitar que sempre que seja possível e o processo verse sobre direitos disponíveis, as partes optem por promover a autocomposição, instrumento que possibilitará um deslinde mais célere para o processo judicial.

3 – A autocomposição no processo

Conforme estabelecido pelo mandamento constitucional do artigo 5º, LXXVII, da Constituição Federal, são garantidos meios que garantam a celeridade processual. Nesse contexto, o CPC/15 reformulou a audiência de conciliação, que passou a ocorrer de maneira preliminar, antes mesmo da apresentação da peça de defesa do réu e tem como objetivo justamente promover o diálogo entre as partes com vistas a garantir a celeridade processual e evitar uma demora desnecessária de processos judiciais.

O Novo CPC privilegia, desse modo, a resolução de conflitos de maneira consensual, estabelecendo que a autocomposição deverá ser incentivada em todas as fases do processo, por todos aqueles que nele estiverem envolvidos:

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.

§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial3

Levando-se em consideração a prevalência da “Cultura de paz4 que o CPC/15 implementou no âmbito do processo judicial, é possível inferir que a cooperação entre as partes é um dever e pode ser expressa pela boa-fé processual, com a mobilização dos fatos necessários para o rápido deslinde do processo judicial. Entretanto, para além da cooperação e da boa-fé processual, a autocomposição pode ser utilizada para findar de pronto uma lide, antes mesmo da apresentação da peça de defesa. 

Importa destacar que o oferecimento de proposta de acordo pelo réu não poderá, de maneira alguma, importar em confissão ou prova da probabilidade de direito do autor, demonstrando apenas a boa-fé ao cooperar com a resolução consensual do conflito sobre o qual o processo versa. Esse fato é evidenciado pela vedação da participação, presença ou conhecimento do juiz em relação ao que acontece na audiência de conciliação. Ou seja, há o dever de confidencialidade de tudo aquilo que for dito ou apresentado na audiência de conciliação, que será realizada por um mediador ou conciliador. 

Apesar de ser vedada a participação do juiz na audiência de conciliação, este poderá a qualquer tempo incentivar a autocomposição entre as partes, remetendo os autos para o centro judiciário de mediação e conciliação do tribunal em que tramita a ação judicial5

Sendo assim, o CPC não só incentiva a resolução consensual de conflitos, como incorporou uma série de mecanismos que oportunizam às partes realizarem a autocomposição em momento preliminar do processo judicial, o que consequentemente coloca fim ao processo de uma maneira mais célere. Essa cultura da paz, além de oportunizar às partes que transacionem de maneira consensual acerca do objeto do processo judicial, ainda garante que o réu não será prejudicado ao demonstrar boa-fé processual, bem como estabeleceu que a solução consensual dos conflitos será incentivada por todo e qualquer agente do processo em qualquer etapa em que o processo se encontre.  

4 – Conclusão

Ante o exposto, o processo judicial como instrumento de acesso à justiça, pacificação e justiça social deve estar concatenado com os princípios constitucionais, que estabelecem as balizas a serem observadas no processo judicial, garantindo a todos aqueles que provocarem a jurisdição, a fruição de direitos de maneira plena. Nesse cenário, o Estado, que possui o monopólio jurisdicional, deve garantir que o processo se dê de maneira a observar o direito fundamental à duração razoável do processo. 

Conforme explanado, o CPC/15 integrou uma série de ferramentas que possibilitam a resolução de conflitos de maneira consensual, com o intuito de possibilitar a resolução da lide e, para além disso, conferir celeridade processual, haja vista que a audiência de conciliação ocorrerá sempre que possível e oportuno, dando oportunidade às partes de entrarem em consenso acerca do objeto de direito a ser discutido no processo judicial em fase inicial, ou seja de maneira prévia à análise de mérito pelo julgador. Caso não seja possível a autocomposição em momento preliminar do processo, essa ainda poderá ocorrer em qualquer momento do processo, seja por vontade das partes ou por incentivo do Juiz. 

Desse modo, a autocomposição, como ferramenta de resolução consensual de conflitos pode ser responsável por colocar fim à uma disputa judicial, não estando restringida apenas à fase inicial do processo, mas podendo ser proposta inclusive após a sentença e interposição de recurso. Por óbvio, a autocomposição é uma ferramenta importante pela qual o jurisdicionado pode optar para ter a prestação jurisdicional e alcançar a fruição do direito material que pleiteia de maneira mais célere, se utilizando da boa-fé processual e da cooperação entre as partes para possibilitar a concretização do direito fundamental à duração razoável do processo.

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1 RODRIGUES, Horácio W.; LAMY, Eduardo de A. Teoria Geral do Processo. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2023, p. 20-21.

2 SARLET, Ingo W.; MARINONI, Luiz G.; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2022, p. 406

3 BRASIL. Lei nº 13.105/2015 (Código de Processo Civil). Brasília/DF, 2015.

4 O Novo Código de Processo Civil instituiu a “Cultura da Paz”, previamente apresentada pela Resolução 125 do Conselho Federal de Justiça, no ano de 2010 (revogada). Essa portaria reconhece que o acesso à justiça é direito fundamental, cabendo ao judiciário estabelecer políticas públicas de tratamento adequado dos problemas jurídicos e conflitos de interesses, não se restringindo a dar soluções judiciais, mas possibilitando também que a resolução desses conflitos se dê de maneiras alternativas, como por exemplo por meio de conciliação. Desse modo, definiu que os tribunais deveriam criar Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, responsáveis pela realização e gestão das sessões de audiência de conciliação e mediação, a fim de reduzir a excessiva judicialização dos conflitos e a quantidade de recursos e execução de sentença.

5 FREIRE, Alexandre; STRECK, Lenio L.; NUNES, Dierle; et al. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2017, p. 501.

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BONÍCIO, Marcelo José M. Princípios do processo no novo Código de Processo Civil. São Paulo Editora Saraiva, 2016. E-book. ISBN 9788502636064. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788502636064/. Acesso em: 01 fev. 2024.

BRASIL. Constituição da República Federativo do Brasil de 1988. Brasília/DF, 1988.

BRASIL. Lei nº 13.105/2015 (Código de Processo Civil). Brasília/DF, 2015.

DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil – Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 15ª Ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2013.

FREIRE, Alexandre; STRECK, Lenio L.; NUNES, Dierle; et al. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2017. E-book. ISBN 9788547220471. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788547220471/. Acesso em: 01 fev. 2024.

RODRIGUES, Horácio W.; LAMY, Eduardo de A. Teoria Geral do Processo. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2023. E-book. ISBN 9786559774555. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559774555/. Acesso em: 01 fev. 2024.

SARLET, Ingo W.; MARINONI, Luiz G.; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786553620490. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553620490/. Acesso em: 30 jan. 2024.

VERZEMIASSI, Samirys. Entenda a audiência de conciliação no Novo CPC. 2023. Disponível em: https://www.aurum.com.br/blog/audiencia-de-conciliacao/. Acesso em: 01 fev. 2024.

Isabella Gomes Fonseca
Auxiliar jurídico. Graduanda em Direito pela Universidade de Brasília.

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