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Como lidamos com a desobediência civil?

A AELB realizou uma 'Tertúlia Literária' sobre a resposta ao secularismo e questionamento de normas, políticas e decisões judiciais conservadoras. Abordou-se a perspectiva histórica e atual diante de confrontos éticos, justiça e moralidade, com foco em conflitos religiosos e liberdade constitucional.

6/2/2024

Neste tempo que normas legais, políticas públicas e decisões judiciais, tem, por parcela expressiva da sociedade brasileira denominada ideologicamente de ‘conservadora’, (à luz da defesa de princípios, tradições e valores fundamentos no legado cultural judaico-cristão), sido questionadas por cidadãos indignados, a Academia Evangélica de Letras do Nrasil – AELB, promoveu mais uma ‘tertúlia literária’, ‘a AELB e sua resposta ao secularismo: como lidamos com a desobediência civil’, onde se discutiu a perspectiva histórica e hodierna desta atuação social diante de manifestações dos poderes da república que confrontam com conceitos de ética, justiça e moralidade, com ênfase em conflitos religiosos com políticas públicas, à luz da liberdade constitucional para o exercício da fé no país; à qual foi abordada pelo orador deste encontro cultural, o acadêmico Dr. Gilberto Garcia, que é o 2º ocupante da cadeira 27, (titulada desde a fundação da AELB pelo patrono, saudoso Pr. Dr. Ebenezer Soares Ferreira), utilizando-se como marco teórico os estudos de David Thoreu; Hannah Arendt; Norberto Bobbio; John Rawls; Ronald Dworkin; e, Maria Garcia, entre outros.

Tendo o palestrante, em função da natureza da AELB, efetivado sua exposição direcionada para as questões religiosas que envolvem o exercício da fé no país, inclusive à luz da orientação do apóstolo Paulo, alusiva ao respeito e legitimidade divina das ‘autoridades constituídas’ sobre o povo, ‘romanos 13:3’, e do alerta espiritual de são pedro, em ‘atos dos apóstolos 5:29’. O objetivo desta manifestação política é assegurar observância da moralidade diante de leis injustas impostas pelo poder opressor, à luz do dever ético do cidadão, do qual teóricos, como escritor David Thoreu, com seu famoso ensaio: ‘desobediência civil’, publicado em 1849, (segundo pesquisadores), como resposta a sua resistência individual ao pagamento de impostos, em protesto contra a guerra no México e contra a escravidão, e, ainda, da profa. Dra. Maria Garcia, (professora catedrática da USP), autora do texto: ‘a desobediência civil como defesa da constituição’, e, ainda, o filósofo Ronald Dworkin, autor, entre outras obras, do livro ‘‘levando os direitos a sério’, que afirmou ser ‘(…) injusto punir homens por desobedecerem uma lei duvidosa (…)’, ou, como dizem os estudiosos caracteriza-se o ‘abuso de poder’, positivado no sistema jurídico nacional, o ‘abuso de poder de autoridade’ (lei 13.869/19), em face do cidadão, razão de ser da estrutura do estado, em todos os seus níveis e esferas, para manutenção da ordem social, indispensável porque estabelece, por lei, o dever da convivência pacifica dos cidadãos.

Definição teórica para ‘desobediência civil’, como ato político, público e pacífico

Além destes enumerados autores, o compartilhamento teve como uma das fontes consultadas o texto publicado na revista ‘Direito & Paz’, (SP, 1º sem/17), sob o título: ‘o direito social à desobediência civil: uma análise à partir da teoria de Ronald Dworkin’, embasados nos conceitos expostos, com ênfase do orador convidado em conflitos religiosos com leis, políticas públicas e decisões judiciais, à luz da liberdade constitucional para o exercício da fé pelo cidadão brasileiro, quando se discutiu a perspectiva histórica e hodierna desta atuação social diante de manifestações do poder público que confrontam com conceitos de ética, justiça e moralidade, embasados no legado cultural judaico-cristão, às quais, através do ‘decálogo mosaico’ (dez mandamentos), é fonte legislativa do mundo ocidental, inclusive inspiração de inúmeras leis e normas do ordenamento jurídico nacional.

Foi enfatizando seu histórico, com fulcro em civilizações antigas, tais como, a dos hebreus e a grega, especificando-se a definição teórica para ‘desobediência civil’, como ato político, público e pacifico, no enfrentamento de leis ou políticas públicas: injustas ou incertas, objetivando que sejam readequadas no ordenamento jurídico aos valores defendidos pela maioria da população, (preservados os posicionamento das minorias), sobretudo entendendo-se que a sociedade organiza-se à luz da vertente jurídica ‘positivista’: ‘direito escrito’, mas, também, tem sido atualmente, observado como fonte do direito, o denominado ‘neopositivismo’: ‘direito principiológico’, que, cada vez mais, vem tendo destaque no Brasil, sobretudo, nas decisões judiciais dos tribunais superiores, inclusive no STF, que firmam ‘precedentes’, em que pese nosso sistema legal estar alicerçado no modelo romano-germano (‘civil low’ de Roma, Espanha, Portugal etc), e, não no modelo anglo-saxão (‘common low’, da Bretanha, Inglaterra, eua etc).

Leis injustas, imorais ou inconstitucionais

Existe uma notória ausência no consenso social sobre o ‘injusto ou imoral’, (sobretudo no século xxi chamado de era da ‘modernidade liquida’ pelo filósofo Zygmunt Bauman), fundamento sociológico utilizado por aqueles que se autodenominam ideologicamente de ‘progressistas’), apesar dos exemplos de resistência de cidadãos indignados com o ‘status quo’, ‘parteiras hebreias no egito’: mulheres que descumpriram a ordem de faraó poupando a vida dos recém-nascidos hebreus, como narrado em êxodo 1:15-22; ‘marcha do sal’: resistência coletiva liderada por mahatma gandhi na índia contra a legislação do império inglês; ‘combate a leis segregacionistas’: movimento que teve à frente Martin Luther King Jr, ocorrido nos EUA; ‘lista de Schindler’: simbolizando a atuação de cidadãos alemães contrários a política oficial do extermínio de judeus; ‘questionamento da legalidade do comércio de seres humanos como escravos’: movimento de protestantes ingleses, efetivando ações que levaram ao fim da escravidão no mundo; ‘recusa de alistamento de jovens norte-americanos para a guerra do Vietnã’; ações de cidadãos inconformados com a normalidade de injustiças estatais, (hoje aplaudidas), mas que à época, eram tidas como ilegais e punidas pelos governos..

Alguns autores defendem que a desobediência civil é uma função essencial para o aperfeiçoamento do direito, sendo, consequentemente, também, exercício de cidadania ou contraposição do povo obrigado a cumprir leis injustas, imorais ou inconstitucionais, que ferem valores, princípios, e, a moralidade pública, sendo relevante anotar que a desobediência civil em princípio é ato ilícito, (artigo 186, Código Civil), sendo um crime quando for um ato tipificado como infração penal (Lei de introdução ao Código Penal – decreto-lei 2.848/40), mas também pode ser entendida como ilegalidade legitimada por justificativas plausíveis, baseada na moral social no âmbito do direito, diferenciando-se ‘direito’ como ‘estrutura normativa’: regras, do ‘direito’: ‘princípio, moral, e ética’, que fundamenta-se em direito e deveres, sob a ótica do ‘cidadão mediano’, que são valores morais, individuais e sociais, que envolvem a aferição de leis injustas, o conflito entre ‘Direito & Justiça’.

Desobediência civil, escusa de consciência religiosa

Ronald Dworkin propõe que existem ‘três modalidades operacionais’ de ‘desobediência civil’, que são: ‘integridade’: valores pessoais; ‘justiça’: leis injustas, e, ‘política’: governo imoral; conceitos nos quais, também pode-se incluir as ‘decisões judiciais’: casuísticas ou teratológicas, sendo no aspecto espiritual embasada no artigo 5º, inciso: viii, da Constituição Federal, a denominada doutrinariamente ‘escusa de consciência religiosa’, à luz do fundamento bíblico: ‘(…) importa obedecer a deus do que aos homens (…)’, atos dos apóstolos 5:29b, como sustentado pelos ‘adventistas do 7º dia’, com sua recusa espiritual de trabalho aos sábados, no entendimento de fé que o sábado é um ‘dia sagrado’, bem como, as ‘testemunhas de Jeová’, em sua negativa baseada na crença quanto a transfusão de sangue; ambos os grupos carecendo de suporte legal operacional para o exercício do direito fundamental a fé, enquanto ‘cidadão brasileiro religioso’, que necessita ter a devida proteção constitucional na prática da devoção de seu ‘sagrado’.

Enfatize-se que são variadas as atuações individuais e movimentos populares ao longo da história da humanidade, entre as quais, cita-se: o ‘movimento dos barões ingleses’ (1215); a ‘reforma protestante’ (1517); a ’independência das Treze Colônias-EUA’, (1776); ‘Revolução na França’ (1789); a Independência do Brasil (1822), a ‘libertação dos escravos’ (1888), a ‘proclamação da República no Brasil’ (1891); a ‘revolução socialista na Rússia’ (1917); a ‘revolução dos cravos em Portugal’ (1974) etc; e ainda, protestos civis, tais como: a ‘passeata dos 100 mil’ (1968); os ‘comícios das Diretas Já’ (1983); as ‘manifestações contra o aumento no preço das passagens’ (2013) etc, sendo que alguns destes eventos enumerados não podem ser classificados como ‘desobediência civil’, pois não preenchem todos os pré-requisitos da definição conceitual, sustentada pelo doutrinadores, de que esta manifestação social deve ser um ato político, público e pacífico.

Ações de ‘desobediência civil’, estão revestidas de fundamento constitucional

As ações de ‘desobediência civil’ são (segundo os autores renomados) um dos últimos recursos pacíficos dos cidadãos de uma nação diante de uma situação de leis, políticas ou decisões judiciais, entendidas por estes como injustas, imorais ou inconstitucionais, após inclusive a utilização de estratégicas jurídicas junto aos Tribunais de Justiça, e, acrescenta-se, às cortes internacionais, eis que, estão revestidas de fundamento constitucional, à luz do ‘caput’ do artigo 3º da Carta Magna Nacional: “(…) constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil “i – construir uma sociedade livre, justa e solidária (…)”, e, ainda, no artigo 5º, parágrafo 2º, e, ainda, o parágrafo 2º do artigo 5º, “os direitos e garantias expressos nesta constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, da Constituição do Brasil.

Enumeram-se situações limites, ‘mutatis mutandis’, onde a ‘desobediência civil’ foi utilizada como estratégia de ativismo social ao confrontar normas legais, que foram pelo poder judiciário acolhidas, ou, analisadas com condescendência em virtude da situação conflituosa envolvida, como no ‘direito religioso’ ao ‘abate sacrificial de animais nos cultos afro-brasileiros’, neste caso reconhecido pelo STF, e, ainda, no ‘direito habitacional’ como defendido pelo MST, que utiliza o procedimento de invasão de propriedades privadas, (que segundo eles não cumprem o preceito constitucional da ‘finalidade social da propriedade’), sob a alegação de impulsionar políticas públicas para a implementação da ‘Reforma Agrária’, contando com o abono jurídico do STJ, que entendeu (em alguns casos), que as ‘invasões’ são consideradas ‘ocupações’, necessitando ser compreendidas como reivindicação de pessoas do campo desprovidas de terra.

Manifestações progressistas do atual Governo Federal

Percebe-se que tais atuações do poder público, tem apoio do ‘establishment’ dominante, especialmente de significativa parcela da sociedade civil que se denomina de ‘progressista’, por isso, hodiernamente inseridos em leis federais e políticas públicas, por estas não serem isonômicas, eis que, exclusivamente direcionadas para grupos específicos, e não para todas os cidadãos brasileiros; tais como: lei 14.532/23, que tem sido por movimentos progressistas interpretada como a Instituição Jurídica dos crimes de ‘íntolerância religiosa’ e ‘racismo religioso’, sem que haja a indispensável explicitação na norma federal; o decreto 11.336/23, que instituiu um grupo ministerial para tratar de um programa para enfrentamento da violência do racismo religioso exclusivamente para religiões afro-brasileiras (…)”; bem como, a “Resolução 715, de 20 de julho de 2023, do ‘Conselho Nacional de Saúde - CNS’, “anexo ii – orientações para o plano plurianual 2024-2027 e para o plano nacional de saúde 2024-2027 a partir das diretrizes aprovadas na 17ª Conferência Nacional de Saúde de 02 a 05 de julho de 2023:“46.(re)conhecer as manifestações da cultura popular dos povos tradicionais de matriz africana e as unidades territoriais tradicionais de matriz africana (terreiros, terreiras, barracões, casas de religião, etc.) Como equipamentos promotores de saúde e cura complementares do SUS, no processo de promoção da saúde e 1ª porta de entrada para os que mais precisavam e de espaço de cura para o desequilíbrio mental, psíquico, social, alimentar e com isso respeitar as complexidades inerentes às culturas e povos tradicionais de matriz africana, na busca da preservação, instrumentos esses previstos na política de saúde pública, combate ao racismo, à violação de direitos, à discriminação religiosa, dentre outras.”.

E, ainda, Resolução 2, de 19 de setembro de 2023, do ‘Conselho Nacional dos Direitos das pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, trans., queers, intersexos’: ‘(…) art. 5º deve ser garantido o uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero, quando houver, de acordo com a identidade e/ou expressão de gênero de cada estudante. Art. 6º devem, ainda, ser implementadas as seguintes ações no sentido de minimizar os riscos de violências e/ou discriminações: i – sempre que possível, instalação de banheiros de uso individual, independente de gênero, para além dos já existentes masculinos e femininos nos espaços públicos; (…)”; além da implementação, por parte do governo federal, da ‘carteira de identidade do cidadão brasileiro sem sua identificação do sexo biológico’; (Resolução 11, de 06 de abril de 2023, da Câmara Executiva Federal de Identificação do Cidadão), e, destacadamente, atuações de algumas autoridades públicas ao objetivar a criminalização do direito a ‘ampla liberdade de expressão religiosa’, adotando interpretações equivocadas, (sendo divulgadas como embasadas em posicionamentos externados pelo STF), mas que no entanto, ‘SMJ', afrontam a Constituição da República Federativa do Brasil, no mote defendido por filósofos como o americano John Rawls, na proposição da proibição da utilização de razões de fé no debate público, olvidando correntes contrárias tal qual a enunciada por filósofos como o alemão Jürgen Habermas, que sustenta a propriedade da utilização de razões dogmáticas em espaços públicos e espaços privados.

Religiosos tem enfrentado no Poder Judiciário nacional por posicionamentos ‘conservadoras’

Adicione-se, também, o ‘debate’ e ‘decisões’ sobre temas com alta sensibilidade para os religiosos, que tem sido protagonizadas pelo juízes e tribunais, provocado por grupos de ideologia progressista, os quais tem extrema dificuldade de tramitar e aprovar determinadas matérias de seu interesse no Congresso Nacional, em função do parlamento espelhar a votação da maioria do povo, nas eleições de seus representantes com mandato popular para produzir leis no Brasil; por isso, tem adotado a ‘estratégia política’ de atuar no aparelho judicial, (provocado por ativistas sociais e, autoridades públicas, identificados com os pleitos de vanguarda), para junto ao Poder Judiciário Nacional reivindicar causas ‘ideologicamente progressistas’ e ‘pautas identitárias’, direcionadas para determinados grupos sociais, (às quais são reivindicadas, dentro do exercício de cidadania, à luz do estado democrático de direito vigente no Brasil), não encontram eco e nem amparo no Poder Legislativo, tais como: a ‘equiparação da união homoafetiva a união estável’, ‘a obrigação dos cartórios reconhecerem o casamento homoafetivo por determinação do CNJ’, ‘a equiparação de homofobia a crime, enquanto o Congresso Nacional não aprova legislação especifica’. Por outro lado, é relevante ressaltar, que também ocorrem situações de ‘posicionamentos judiciais conservadores’, cite-se, por exemplo, a proibição pelo STJ de que cartórios promovam o registro civil de casamentos poliafetivos (entre mais de duas pessoas); e, neste mesmo diapasão jurídico, a manifestação de não reconhecimento da poligamia conjugal pelo STF, ratificando o ‘modelo legal monogâmico’, num voto do ministro alexandre de moraes, adotado pela maioria do povo brasileiro, como explicitado no Código Civil vigente.

E, num outro, viés jurídico, ’a proibição da abertura dos ‘templos de qualquer culto’ para celebrações coletivas por ocasião da epidemia da covid-19’, (decretados por prefeituras municipais e governos estaduais), mesmo com adoção de restrições ao exercício da fé, (previstas em normas nacionais e internacionais), tais como: redução da frequência da quantidade de fiéis, o controle de fiéis para participação nos cultos, suporte espiritual & social remoto aos fiéis, transmissão online de estudos bíblicos, diminuição dos horários dos serviços religiosos, utilização de equipamentos de proteção como máscaras faciais, disponibilização de álcool gel para as mãos, tapetes higienizantes, assentos separados com pelo menos 2 metros de distância, verificação de temperatura corporal para ingressos em reuniões espirituais, orientação expressa a idosos, portadores de doenças crônicas e grupos expostos a doenças a participarem dos cultos virtualmente, promoção de sepultamentos e conforto às famílias enlutadas, cumprindo os protocolos sanitários de prevenção ao coronavírus; bem como, o ‘debate’, sobre ‘a descriminalização (determinada quantidade) do porte da maconha; e, a ‘a descriminalização do aborto, praticado por mulheres até a 12ª semana de gravidez’, os quais tem sido debatidos por magistrados desconsiderando-se a perspectiva moral, ética e tradicional do povo, que é de ‘ideologia conservadora’, no que concerne a princípios, valores e tradições; instituindo o STF interpretações constitucionais (SMJ) ‘criativas’; contudo, permanecendo o Poder Legislativo com a exclusiva atribuição institucional de produzir leis federais ou emendas constitucionais, que representem o consenso da maioria da sociedade, especialmente em temas que não sejam contrários as ‘cláusulas pétreas constitucionais’, (denominados artigos irreformáveis), estabelecidas no artigo 60, §4º, da Constituição Brasil, especialmente os 78 incisos inseridos no artigo 5º, “direitos e garantias individuais’.

Como também, outras situações que tem sido enfrentadas especificamente por cidadãos religiosos evangélicos expostas mídia nacional: “Governo da Bahia diz que a frase “você precisa encontrar jesus” configura crime”1, sendo, neste último caso da bahia, equivoca referida interpretação, pois não existe lei no país tipificando, no sentido jurídico, intolerância como crime; portanto, se não há lei específica, (como não existe no Sistema Jurídico Nacional), estas atitudes podem ser entendidas como antiéticas, anticristãs, arrogantes, reprováveis socialmente etc, entretanto, as mesmas não são crimes, à luz do assegurado na Constituição da República Federativa do Brasil, (‘Jubileu de Coral em 2023’), ou seja, 35 anos de vigência institucional, a mais longeva carta política do período republicano brasileiro), (artigo 5º, inciso: xxxix: ‘não há crime sem lei anterior que o defina’); estes acontecimentos tem provocado indignação, (em face de interpretações equivocadas), por esta expressiva parcela de cidadãos ‘conservadores’, que são a maioria na sociedade brasileira.

É dever constitucional do Poder Público a Proteção Institucional do fenômeno da fé do cidadão religioso

O ativismo judicial tem provocado uma intolerável judicialização, sem lastro de legalidade, por diversos atores midiáticos, agentes públicos, movimentos sociais etc, de relevantes aspectos da fé do cidadão religioso, embasadas no legado cultural judaico-cristão, consequente considerados ideologicamente ‘conservadores’, em razão da ‘livre expressão dos cidadãos de fé’, (assegurada constitucionalmente, artigo 5º, parágrafo iv), incomodar determinados grupos sociais, considerados ideologicamente ‘progressistas’, isto numa nação que possui mais de 90% da população declarando-se religiosa, dos quais, mais de 80% declaram-se cristãos, sendo que mais de 30% destes denominam-se evangélicos (‘data folha/2021), onde prevalece o respeito a cidadãos ateus, agnósticos, sem religião, humanistas etc, como princípio de pacifica convivência entre os diferentes, inclusive nos normais embates de aspectos teológicos dos credos das pessoas, no mote de que o ’estado é laico’, mais o ‘povo é religioso’; assim é dever constitucional do Poder Público a proteção institucional do fenômeno da fé do cidadão religioso, independente de sua denominação espiritual; pois o embate com o secularismo hodierno implementado pelo poder público, numa perspectiva de higienizar os espaços públicos da religião do povo, tem causado indignação com relação a leis, decretos, políticas públicas e decisões judiciais, compreendidas como injustas, imorais ou inconstitucionais, como anunciado ao povo de Israel pelo profeta Isaías 59:14, ‘a justiça é posta de lado, e o direito é afastado. A verdade anda tropeçando no Tribunal. (…)’.

É a Carta Magna do país que estabelece a ‘inviolabilidade de crença’ (artigo 5º, inciso vi), por isso, esse ‘estado é laico’, (sem religião oficial, não laicista, nem antirreligioso, e sim neutro religiosamente), à luz da ‘separação igreja-Estado’ (artigo 19, inciso i), o qual proíbe o Estado brasileiro, (representado pelo Poderes da República, em todas as esferas: Executivo, Legislativo e Judiciário, em todos os níveis: Federal, Estadual ou Municipal), de se imiscuir em questões transcendentais etc, que norteiam e fundamentam a crença de grupos religiosos, atuando axiológicamente, numa insólita pretensão de criterizar, utilizando-se de bases: antropológicas, culturais, históricas, sociológicas, jurídicas etc, para inacreditavelmente tentar valorar, (à luz de princípios seculares), o ‘sagrado’ do povo de fé, embasado em seus ‘oráculos’, os quais espiritualmente, definem, sobrenaturalmente: ‘sacros’ x ‘profanos’, ‘santos’ x ‘pecadores”, ‘anjos’ x ‘capetas, ou seja, não é a ‘torá judaica’, ‘bíblia sagrada’, o ’livro dos espíritos’, o ‘sagrado alcorão’, o ‘livro dos mórmons’, os ‘escritos dos vedas’, as ‘tradições ancestrais’ de religiões afro-brasileiras etc, e, sim, o estatuto da nação, que assegura o direito ao cidadão religioso de designar, (à seu exclusivo critério), que determinadas entidades tidas como ‘divindades’ por um ‘grupo de crença’, podem ser compreendidas dogmaticamente por outros ‘grupos de crença’ como ‘demônios’, o que caracteriza um ‘embate teológico’, próprio do ambiente espiritual; por isso, não sujeito ao crivo dos poderes do estado, sendo incabível a autoridades públicas posicionar-se contra ou favor a determinadas posturas que expressam visões cosmológicas fundamentadas em preceitos de fé das pessoas.

Ato criminoso: Vereador invade missa igreja católica em Curitiba/PR

Diferente dos crimes de preconceito religioso, discriminação religiosa, vilipêndio a objeto religioso, charlatanismo, e, ainda, impedimento ou perturbação de cerimônia religiosa, estes sim tipificados no Código Penal, (artigo 208-a e b, artigo 283), lei 9.459/97, e, lei 14.532/23; como a conduta criminosa praticada por um Vereador do PT, em Curitiba/PR, ao perturbar o ato espiritual, invadindo uma missa numa igreja católica, sob o pretexto de manifestação política, e  que, apesar de ter sido pelo Poder Legislativo municipal cassado, tendo sua punição política referendada pelo Poder Judiciário, em  1ª e 2ª instâncias no paraná; pode ‘inexplicavelmente’, ser absolvido de um delito penal expressamente previsto no ordenamento jurídico nacional, pelo Ministro Luís Roberto Barroso, atual Presidente do STF, sem grande alarde na mídia brasileira; e em que pese o crime cometido, ter suas condenações, (política e judicial), anuladas pelo STF, e atualmente exercer o cargo de Deputado Estadual no Paraná; o que reforça ainda mais a necessidade do intenso combate social, político e institucional, que deve ser encampado por todos os grupos religiosos, especialmente, através da implementação do diálogo inter-religioso entre líderes de todas as confissões de fé, unindo-se na busca por ‘um mundo melhor’.

Até porque a carta magna nacional dispensa, não necessitando de ‘interpretações criativas’, ‘exegeses extensivas’, ‘hermenêuticas alternativas‘, ‘premonições jurídicas’, ‘condenações casuísticas’, ‘decisões adivinhatórias’, ‘futurologia judicial’, ‘proposições teratológicas’ etc, que fragilizam a ‘segurança jurídica’, indispensável nas ‘manifestações dos magistrados’, eis que, o ordenamento legal pátrio é originado no sistema do ‘civil-law’ e não da ‘common-law’, no ‘romano-germânico’ e não no ‘anglo-saxão’, pois direcionado pela norma positivada, na famosa máxima nacional do 'vale o que está escrito’, sendo missão do aplicador da lei adequá-la ao caso concreto, e não inovar juridicamente posicionamentos que o legislador não disciplinou, independente das opções políticas do poder legislativo, eis que, este é o fundamento norteador do estado democrático de direito vigente no Brasil, que é a estabilidade jurídica e não decisões lastradas na conveniência institucional, política ou pessoal de agentes do poder judiciário, sem qualquer embasamento no texto legal, ou seja, fora das leis emanadas do Poder Legislativo,  sobretudo, nas aplicações de punições: administrativas, civis ou penais, caracterizando assim, segundo a tradicional doutrina uma usurpação de atribuição constitucional exclusiva do Parlamento.

‘O supremo só se legitima na medida em que age dentro dos limites do texto da Constituição’

Enfatize-se que estas proposições, num víeis jurídico conservador, da perspectiva histórica do filósofo francês Montesquieu, na construção da divisão tripartite dos Poderes do Estado, o Poder Executivo (administra presente), o Poder Legislativo (faz leis para o futuro), e, o Poder Judiciário (julga o passado), atribuições que se concentravam no soberano de forma absolutista, (entendidas socialmente como sendo divinas, e, consequentemente incontestáveis), são reafirmadas pelo conceituado advogado Dr. Gustavo Binenbojm, (professor titular de direito constitucional da UERJ), referindo-se a posicionamentos de juízes e tribunais brasileiros, (‘O Globo’, 17.5.23): ‘(…) o Supremo só se legitima na medida em que age dentro dos limites do texto da constituição. Quando o judiciário vira as costas para o direito, normalmente a realidade vira as costas para o poder judiciário. (…)’, grifo nosso.

Assim, é objetivamente definido pelo ordenamento jurídico constitucional a incompetência dos poderes da república em criar políticas, legislar ou julgar questões que se relacionem com o exercício da fé, direito fundamental, base intrínseca do ‘direito natural’, que alicerça a ‘dignidade da pessoa humana’, no exercício do seu sagrado, protegido também por documentos internacionais dos quais o Brasil é signatário, tais como a ‘declaração universal dos direitos humanos’, o ‘pacto de São José da Costa Rica’, entre outros; que a Suprema Corte Chilena, (diferente do STF do Brasil, que durante a ‘pandemia da covid-19’ proibiu as igrejas do país de promoverem cultos coletivos em seus espaços religiosos, decisão judicial que até agora permanece sem o pronunciamento da ‘corte interamericana de direito humanos’), determinou o respeito do governo do chile ao funcionamento dos ‘templos de qualquer culto’, (observadas as restrições com relação a quantidade de fiéis presentes, a redução no tempo dos atos da crença etc), denominando de ‘direito absoluto’, a liberdade dos fiéis prestarem culto coletivamente no Chile, como também fizeram, entre outros, países civilizados, como a frança e os estados unidos, entendendo que igrejas não podem ser fechadas nem durante as guerras, pois funcionam como ‘hospitais espirituais’, um verdadeiro ‘farol de esperança’ para o povo. ‘Bem aventurados os que observam o direito, que praticam a justiça em todos os tempos’, bíblia sagrada, salmo 106:3.

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1 Disponível em: https://folhagospel.com/governo-da-bahia-diz-que-a-frase-voce-precisa-encontrar-jesus-configura-crime/

Gilberto Garcia
Mestre em Direito. Professor universitário. Autor de obras jurídico-eclesiásticas. Presidente da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa do IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros.

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