Recentemente, foi publicado importante acórdão sobre o julgamento da 1ª Turma do STJ sobre a inclusão do ICMS-ST na apuração dos créditos de PIS/COFINS, independente da exclusão do ICMS-ST na tributação da etapa anterior (AgInt no REsp 2.089.686/RS1).
A relevância deste julgamento está principalmente nas premissas da fundamentação dos Ministros, no contexto de recentes e importantes precedentes judiciais favoráveis aos contribuintes, quais sejam: (i) o julgamento da “tese do século” (Tema 69/STF), quando se definiu a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS2; e a (ii) consequente aplicação deste julgamento do STF ao ICMS-ST, julgado em repetitivo pelo STF (Tema 1.125), também excluído da incidência das contribuições sociais3.
A posição que prevaleceu no julgamento foi a da Ministra Relatora, Regina Helena Costa, cujo voto apresentou argumentos irretocáveis acerca do regime não-cumulativo de apuração de PIS/COFINS e do consequente sistema de creditamento, bem como da natureza do ICMS-ST na cadeia produtiva e seu papel como custo de aquisição na operação posterior.
A discussão em si envolvia validar a inclusão do ICMS-ST recolhido pelo substituto tributário na apuração de créditos de PIS e COFINS pelo substituído na etapa posterior, ou seja, quando o ônus econômico do recolhimento recai sobre pessoa jurídica distinta daquela que irá tomar créditos do imposto pago.
Pois bem. Para a 1ª Turma do STJ, portanto, o direito ao crédito não está atrelado à incidência do PIS/COFINS sobre o ICMS-ST da operação anterior, mas, sim, à “repercussão econômica do ônus gerado pelo recolhimento antecipado do imposto estadual atribuído ao substituto”.
Do mesmo modo, afirmaram os Ministros que é “da própria natureza do regime de não cumulatividade, seja qual for a sua configuração, a possibilidade de recuperação das despesas com tributos nas operações ou etapas anteriores. Se isso não for possível, ausente o atendimento à não cumulatividade”.
Nesse sentido, ao aplicar o entendimento exarado pelo STF no julgamento do Tema 69, o STJ reconheceu que, apesar do ICMS estar excluído da incidência do PIS e da COFINS, isso em nada afeta reconhecer que os créditos das contribuições sociais devem ser apurados considerando o ICMS-ST das operações anteriores, por este, invariavelmente, representar parte do custo de aquisição da mercadoria. A esse respeito, vejamos um didático trecho do voto condutor:
“A empresa impetrante é revendedora (varejista), assumindo, portanto, a posição de substituída. Ao adquirir bens do substituto, ela qualifica a operação como custo de aquisição e, por isso, entende devido o desconto de créditos das contribuições incidentes sobre o montante relativo ao ICMS-ST, recolhido pelo fornecedor na etapa anterior sobre determinados produtos, uma vez que tal valor seria irrecuperável.
É preciso ter presente que o direito ao creditamento independe da ocorrência de tributação na etapa anterior, vale dizer, não está vinculado à eventual incidência da Contribuição ao PIS e da Cofins sobre a parcela correspondente ao ICMS-ST na operação de venda do substituto ao substituído.
(...)
Dessarte, a repercussão econômica onerosa do recolhimento antecipado do ICMS-ST, pelo substituto, é assimilada pelo substituído imediato na cadeia quando da aquisição do bem, a quem, todavia, não será facultado gerar crédito na saída da mercadoria (venda), devendo emitir a nota fiscal sem destaque do imposto estadual, tornando o tributo, nesse contexto, irrecuperável na escrita fiscal, critério definidor adotado pela legislação, conforme apontado.”
Nestes termos, a posição exarada pelo STJ neste caso apontou vários fundamentos importantes para a correta interpretação da legislação atinente à não cumulatividade das contribuições sociais ao PIS e COFINS e da repercussão econômica do ICMS-ST na cadeia produtiva, dos quais destacamos os seguintes:
- A não cumulatividade dos tributos pressupõe evitar que a incidência tributária sucessiva em várias etapas da cadeia onere o consumidor final, gerando o direito de crédito a fim de compensar o impacto do tributo incidente nas operações anteriores no custo de aquisição da mercadoria em etapa subsequente;
- Mesmo que o ICMS, seja ele submetido ao regime comum ou de substituição tributária, não integre a base de cálculo de PIS e COFINS, por não configurar receita tributável das empresas, isso não exclui o direito ao crédito sobre o ICMS recolhido pelo contribuinte ou substituto como custo de aquisição do substituído;
- O STJ, o CARF e até mesmo atos normativos da Receita Federal corroboram o mesmo entendimento, no sentido que o ICMS-ST é custo de aquisição para o substituído por não ser recuperável no restante da cadeia, razão pela qual é legítimo o crédito sobre esse valor.
A partir destas conclusões, é inevitável atestar como a posição do STJ confronta diretamente as alterações legislativas promovidas pela lei 14.592/23, em seus artigos 6º e 7º, que vedou a inclusão do ICMS na apuração dos créditos de PIS e COFINS.
Destaca-se, desde logo, que não há que se falar que o julgamento tratado neste artigo tratou do ICMS-ST e que a legislação aborde o regime do ICMS dito “próprio”, pois o regime de substituição tributária não afasta o mesmo tratamento jurídico e a natureza do tributo em si.
E essa racionalidade está presente, inclusive, na jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores. Por exemplo: depois de julgar o Tema 69, em relação ao ICMS, o STF foi provocado a se manifestar sobre o ICMS-ST, e, de maneira muito clara, por se tratar do mesmo tributo, afirmou que a discussão seria infraconstitucional, cabendo ao STJ a conformação do precedente anterior a esta hipótese, o que se concretizou no julgamento do Tema 1.125.
Vale ressaltar que já havíamos destacado anteriormente a incompatibilidade dos arts. 6º e 7º da lei 14.592/23 com o regime constitucional e legal da não cumulatividade (primeiro este texto, e algum tempo depois, este).
Resta evidente, por consequência, que a recente alteração legislativa vem, desde maio de 2023, restringindo o direito de crédito das empresas, a partir de uma norma que confronta a interpretação do ordenamento jurídico dada pelos Tribunais Superiores. Ainda que a referida lei esteja vigente, sua validade certamente será contestada e examinada pelo Poder Judiciário, invariavelmente.
Até o momento, existem poucas e esparsas decisões em medidas judiciais que contestam a lei 14.592/23. Todavia, a certeza é a de que esta discussão ainda ganhará contornos mais expressivos e maior destaque na pauta tributária brasileira.
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1 PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. CONTRIBUIÇÃO AO PIS E COFINS. REGIME NÃO CUMULATIVO. APROVEITAMENTO DE CRÉDITOS DE ICMS-ST. CABIMENTO. CREDITAMENTO QUE INDEPENDE DA TRIBUTAÇÃO NA ETAPA ANTERIOR. CUSTO DE AQUISIÇÃO CONFIGURADO. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.
I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte, na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Aplica-se, in casu, o Código de Processo Civil de 2015.
II - Sendo o fato gerador da substituição tributária prévio e definitivo, o direito ao crédito do substituído decorre, a rigor, da repercussão econômica do ônus gerado pelo recolhimento antecipado do ICMS-ST atribuído ao substituto, compondo, desse modo, o custo de aquisição da mercadoria adquirida pelo revendedor.
III - A repercussão econômica onerosa do recolhimento antecipado do ICMS-ST, pelo substituto, é assimilada pelo substituído imediato na cadeia quando da aquisição do bem, a quem, todavia, não será facultado gerar crédito na saída da mercadoria (venda), devendo emitir a nota fiscal sem destaque do imposto estadual, tornando o tributo, nesse contexto, irrecuperável na escrita fiscal, critério definidor adotado pela legislação de regência.
IV - O ICMS-ST constitui parte integrante do custo de aquisição da mercadoria e, por conseguinte, deve ser admitido na composição do montante de créditos a ser deduzido para apuração da Contribuição ao PIS e da Cofins, no regime não cumulativo.
V - À luz dos arts. 3º, I, das Leis ns. 10.637/2002 e 10.833/2003, independentemente da incidência das apontadas contribuições sobre o tributo estadual recolhido pelo substituto na etapa anterior, é cabível o aproveitamento de crédito. Precedentes da 1ª Turma.
VI - Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero desprovimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso.
VII - Agravo interno improvido. (AgInt no REsp n. 2.089.686/RS, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 24/10/2023, DJe de 9/11/2023.)
2 Tese firmada em julgamento de 15/03/2017.
3 Tese firmada em julgamento de 13/12/2023.