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Sanções não pecuniárias no antitruste: caminhos para efetividade

Último artigo da série analisa as sanções não pecuniárias da LDC, explorando como podem impulsionar o enforcement antitruste no Brasil. Aborda o futuro e conecta com pesquisa de Giovana Vieira Porto.

1/2/2024

Este é o último artigo da série que buscou analisar as sanções não pecuniárias previstas na Lei de Defesa da Concorrência – LDC (lei 12.529/11) e aplicáveis pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE contra representados. A análise das sanções foi feita com base nos resultados identificados na obra coletiva “Sanções não pecuniárias no antitruste”, organizada pela Professora Amanda Athayde e publicada pela Editora Singular1; e tratou de cada uma das sanções previstas nos incisos do artigo 38 da LDC,2 sob a perspectiva de como poderiam garantir que o enforcerment antitruste avance no Brasil. Este artigo final avança para trazer a lente para o futuro, bem como apresentar outra pesquisa recente sobre o tema, de autoria de Giovana Vieira Porto, que dialoga com o nosso livro anteriormente publicado.

Giovana Vieira Porto estudou, em sua dissertação de mestrado em Direito na Universidade de Brasília sob orientação do Professor Paulo Burnier da Silveira, sanções não pecuniárias aplicadas pelo Tribunal do CADE especificamente em condenações de cartel, desde a primeira condenação de cartel pelo CADE identificada, em 1999, até dezembro de 20223. O estudo empírico não foi baseado nos dados levantados no livro “Sanções não pecuniárias no antitruste”,4 mas em levantamento independente das decisões, a partir das condenações de cartel identificadas por Paulo Burnier da Silveira em seu livro “Direito da Concorrência5 e na análise adicional de todas as atas das sessões de julgamento disponíveis no site do CADE para identificação dos processos administrativos.

A análise empírica da referida dissertação de mestrado, além de ter tido enfoque em prática de cartel, também buscou identificar a incidência das sanções não pecuniárias, a forma como foram aplicadas (por exemplo, duração e termos específicos da condenação) e os tipos de representados que foram sujeitos a tais sanções: empresas, pessoas físicas e associações.

Foi identificado que, no cenário brasileiro, dentre os 120 cartéis condenados pelo CADE entre 1999 e 2022, cerca de 51% dos casos (61) tratavam da aplicação de algum tipo de sanção não pecuniária. No geral, as sanções não pecuniárias mais aplicadas, em ordem decrescente, foram: publicação da decisão do CADE (66%); proibição de participação em licitações ou celebração de contrato com instituições financeiras oficiais (33%); “outras” sanções (30%); sanção de inscrição no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor (25%); desqualificação de diretor (aproximadamente, 5% dos casos) e desinvestimento de empresa, sanção aplicada em apenas um processo administrativo (2%).

Em relação a aplicação das sanções no tempo, foi identificado que o CADE aplica sanções não pecuniárias desde a primeira condenação de cartel pelo CADE, em 1999, mas que mais processos administrativos tiveram sanções não pecuniárias aplicadas após a publicação da LDC.

Em relação aos tipos de representados dos processos administrativos no CADE (empresas, indivíduos ou associações), foi identificado que mais de 80% dos processos administrativos envolviam sanções não pecuniárias aplicadas a empresas; sendo que a sanção de publicação da decisão do CADE é a mais utilizada em face de empresas e associações, sendo que, para indivíduos, a mais utilizada é a proibição de participar em licitações ou de contratar com instituições financeiras oficiais. A tabela abaixo apresenta a listagem em ordem decrescente de utilização:

Tabela 1 – Resumo das sanções não pecuniárias aplicadas pelo CADE em condenações de cartel, por grupo de representado, em ordem decrescente

Para todos os fins, é possível notar que a análise de sanções não pecuniárias por meio de estudos empíricos possibilitou identificar suas aplicações pelo CADE, desafios relacionados e possíveis caminhos para maior efetividade, com base na doutrina e jurisprudência nacionais, mas também internacionais. A leitura mais detalhada de tais textos permitirá a identificação de recomendações específicas para cada tipo de sanção não pecuniária analisada, sempre com enfoque na busca por previsibilidade e segurança jurídica aos administrados. Trabalhos que associem a aplicação das sanções pelo CADE vis-à-vis eventual revisão de tais sanções pelo Poder Judiciário poderiam contribuir bastante para discussões futuras.

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1 ATHAYDE, Amanda (Org.) Sanções não pecuniárias no antitruste. 1. ed. São Paulo: Editora Singular, 2022.

2 As sanções não pecuniárias analisadas na série foram as previstas no artigo 38 da LDC, notadamente: (i) publicação, em meia página e a expensas do infrator, em jornal indicado na decisão de extrato da decisão condenatória, por dois dias seguidos, de uma a três semanas consecutivas (“publicação da decisão do CADE”); (ii) proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e participar de licitação tendo por objeto aquisições, alienações, realização de obras e serviços, concessão de serviços públicos, na administração pública federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, bem como em entidades da administração indireta, por prazo não inferior a cinco anos (“proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e participar de licitação”); (iii) inscrição no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor; (iv) recomendações a órgãos públicos envolvendo licença compulsória e não concessão ou cancelamento de parcelamento de tributos federais, incentivos fiscais ou subsídios públicos (“sanções de recomendação”); (v) cisão de sociedade, transferência de controle societário, venda de ativos ou cessação parcial de atividade (“desinvestimento de empresas”); (vi) proibição de exercer o comércio em nome próprio ou como representante de pessoa jurídica por até cinco anos (“desqualificação de diretor”); ou (vii) qualquer outro ato ou providência necessários para eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica (“outras sanções”).

3 PORTO, Giovana Vieira. Non-pecuniary sanctions in cartel cases: an empirical study based on Brazilian case law. LAP Lambert Academic Publishing. 2023.

4 Os resultados explorados no livro foram identificados por análise empírica de decisões que foram coletadas a partir de pedido ao Serviço de Informação ao Cidadão do CADE (“SIC/CADE”), questionando sobre processos administrativos em que os incisos do artigo 38 da LDC foram aplicados no período de março de 2012 a dezembro de 2020. Foi possível notar, a partir da análise dos das referidas decisões, que há espaço para reflexão sobre o conteúdo das próprias sanções e de suas aplicações, para que garantam segurança jurídica aos administrados.

5 SILVEIRA, Paulo Burnier da. Direito da Concorrência. Rio de Janeiro: Forense, 2021.

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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

© 2024. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS.

Amanda Athayde
Professora doutora adjunta na UnB de Direito Empresarial, Concorrência, Comércio Internacional e Compliance, consultora no Pinheiro Neto. Doutora em Direito Comercial pela USP, bacharel em Direito pela UFMG e em administração de empresas com habilitação em comércio exterior pela UNA, ex-aluna da Université Paris I - Panthéon Sorbonne, autora de livros, organizadora de livros, autora de diversos artigos acadêmicos e de capítulos de livros na área de Direito Empresarial, Direito da Concorrência, comércio internacional, compliance, acordos de leniência, anticorrupção, defesa comercial e interesse público.

Giovana Vieira Porto
Advogada em Pinheiro Neto Advogados, nas áreas concorrencial e de compliance. Giovana é bacharel e mestre em Direito pela Universidade de Brasília ("UnB"), com enfoque na área de Direito Concorrencial. Este artigo expressa única e exclusivamente as opiniões pessoais da autora e não possui ligação com as instituições a que está vinculada profissionalmente.

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