Migalhas de Peso

A violência de gênero no âmbito dos crimes virtuais

O rápido desenvolvimento das novas tecnologias facilita a disseminação veloz de informações, transformando a interação global. A internet impulsiona empresas virtuais, negócios online e trabalho remoto, transcendo fronteiras e impactando vários aspectos sociais.

31/1/2024

Ao analisar a rapidez com que as novas tecnologias se desenvolvem, nota-se uma disseminação veloz de informações, alcançando extensas parcelas da população e possibilitando a transmissão de dados dessas pessoas em larga escala, frequentemente de forma imperceptível no momento da obtenção.

Com a chegada da internet, a interação entre sociedades de distintas localidades tornou-se consideravelmente mais acessível. Atualmente, testemunhamos o surgimento de empresas virtuais, negócios online, oportunidades de trabalho remoto e até mesmo mundos virtuais. Essas características singulares do mundo globalizado refletem não apenas na troca de informações e comunicação entre redes, mas transcendem essas fronteiras, impactando diversos aspectos da sociedade.

Este é um avanço tecnológico que, além de trazer benefícios, também é explorado para a prática de delitos. Observa-se que a tecnologia está acessível a todos e pode ser empregada conforme as intenções individuais. É crucial recordar que, assim como a sociedade, o ambiente virtual é moldado por uma estrutura patriarcal, na qual se enraíza um contexto de violência contra as mulheres desde a sua formação.

A violação dos direitos e da dignidade das mulheres é um fenômeno social que perdura desde os primórdios da humanidade e só começou a ser questionado ao longo do tempo, à medida que impactava a sociedade em geral e as mulheres, exaustas de suportar abusos constantes. Mesmo assim, trata-se de uma questão intrincada que exige a participação ativa da sociedade em diversos setores, a fim de discutir e combater as agressões enfrentadas por mulheres em todo o mundo.

Em conformidade com o machismo estrutural, o ambiente virtual proporciona um cenário propício para a perpetração de uma forma distinta de violência contra o gênero feminino, marcada pela presença de misoginia e vulnerabilidade. Nesse contexto, com um alcance praticamente ilimitado para a sociedade em geral, as relações online assumiram proporções consideráveis, gerando interferências significativas na realidade pessoal dos usuários. Isso estreita a interação entre a vida pública e privada, tornando cada vez mais desafiador estabelecer alguma forma de diferenciação clara entre ambas.

A violência virtual encontra suporte principalmente na capacidade de criar perfis falsos – os conhecidos fakes-, que proporcionam uma ilusão de anonimato, tornando desafiadora a identificação do agressor e a origem da ofensa. Isso cria o cenário propício para a prática de diversos delitos cibernéticos. O espaço virtual, conforme discutido, é um ambiente propício para a disseminação de comportamentos que impactam negativamente os direitos e as liberdades individuais dos usuários, frequentemente com intenções depreciativas. Isso resulta em consequências significativamente sérias para a vida privada das vítimas. O mundo virtual e o offline, juntamente com as violências que permeiam ambos, formam uma realidade contínua que não se separa facilmente.

Um exemplo contemporâneo da violência perpetrada na internet, para além da pornografia explícita, é a pornografia de vingança, que deu origem a uma nova designação e a uma forma distinta de conduta delituosa conhecida como "Estupro Virtual". Nesse fenômeno, as redes sociais são utilizadas para divulgar fotos, vídeos ou áudios íntimos sem o devido consentimento da vítima. Esse tipo emergente de agressão, exemplificado pelo estupro virtual, desafia o Judiciário a aplicar corretamente sentenças condenatórias e a estabelecer um tipo legal apropriado para o ato cometido.

Tais crimes são chamados de crimes virtuais, digitais, informáticos, telemáticos, de alta tecnologia, crimes por computador, fraude informática, delitos cibernéticos, crimes transnacionais, dentre outras nomenclaturas. Para definir o que seja o crime virtual, traz a luz Augusto Rossini:

[...] o conceito de “delito informático” poderia ser talhado como aquela conduta típica e ilícita, constitutiva de crime ou contravenção, dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva, praticada por pessoa física ou jurídica, com o uso da informática, em ambiente de rede ou fora dele, e que ofenda, direta ou indiretamente, a segurança informática, que tem por elementos a integridade, a disponibilidade a confidencialidade. (2015, p.73)

A expressão "delitos informáticos", conforme apontado por Rossini, abrange tanto crimes quanto contravenções penais, não se limitando apenas às condutas realizadas no ambiente da Internet. Ela engloba qualquer comportamento relacionado a sistemas informáticos, seja como meio ou como fim. Essa terminologia incluiria, inclusive, delitos nos quais o computador serve apenas como uma ferramenta, sem a necessária "conexão" à internet.

Com isso, é evidente que, a evolução tecnológica é extremamente rápida, e com ela, veio junto a ausência de segurança e proteção legal, abrem-se a cada dia brechas para o crescimento de crimes virtuais. À vista disso, abordaremos nos próximos tópicos crimes que, embora alguns busquem vantagens financeiras, os maiores danos provocados é o moral, psicológico, emocional, quais sejam: Revenge Porn; Sexting; Sextortion e Estupro Virtual.

1. Revenge Porn

A chamada Revenge Porn, também conhecida como "pornografia da vingança", "pornografia de revanche", "vingança pornô" ou "pornografia não consensual", é um termo originado nos EUA. Refere-se à prática de divulgar na internet imagens ou vídeos de nudez ou atividades sexuais com o único propósito de prejudicar a pessoa retratada. Esses conteúdos podem ser obtidos sem o conhecimento da vítima, mas também há casos em que ela está ciente. Em muitas situações, a produção desse material ocorre de maneira consensual, durante as relações íntimas da vítima com o agressor.

Em 2010, a prática do delito conhecido atualmente como Revenge Porn tornou-se conhecida oficialmente, nos EUA, por meio do site IsAnyOneUp.com, que publicava este tipo de material sexual, sem autorização e protegido pelo anonimato, promovendo então uma investigação do FBI sobre o caso, que acreditava que as imagens publicadas eram obtidas por Hackers. Hunter Moore, fundador do site, permaneceu ileso das ações judiciais promovidas pelas vítimas, consequência da falta de leis específicas que tratassem do assunto, entretanto, a sociedade americana manifestou-se contra tal prática e conseguiu encerrar as atividades da página, após dois anos. Moore também foi preso por outros crimes, e ficou conhecido como “o homem mais odiado da internet”.

Acerca desse tema, uma pesquisa realizada pelo site End Revenge Porn, levanta os dados que provam em que cerca de 90% das vítimas do crime de Revenge Porn eram pertencentes ao sexo feminino. Entre tais vítimas, 5,7% relataram que a conduta ofensiva fora praticada por ex-namorado.

Além dos aspectos sociais desta prática, que por si só já demonstram seu contexto sexista, ainda é possível especificar-se algumas das consequências emocionais e psicológicas, tais como depressão, suicídio e isolamento da mulher, além da desestabilização em suas vidas sociais, afetivas e profissionais. Neste sentido, o mesmo estudo aponta que mais de 90% das vítimas sofreram de estresse emocional após o ocorrido; 82% foram prejudicadas de forma relevante em sua vida social ou ocupacional; 49% foram posteriormente assediadas ou perseguidas na internet; 57% temem que a violência sofrida afete sua esfera profissional e, ainda, 54% têm dificuldades em se focar no trabalho ou estudo após o ocorrido e 51% passaram a ter pensamentos suicidas.

Dessa forma, é adequado observar a prática do revenge porn sob a ótica da violência de gênero, e constatar que a prática da vingança pornô representa um desdobramento da violência contra a mulher no mundo moderno. A sociedade, ainda seguindo os costumes patriarcais, espera de homens e mulheres comportamentos distintos, especialmente no cunho sexual. É possível definir a violência contra a mulher através de fatores como a hierarquia de gênero, a relação de conjugalidade ou afetividade entre os envolvidos e a habitualidade da violência, todos esses requisitos presentes no pornô de vingança.

Essa é uma realidade que aflige mulheres das mais diversas raças, classes sociais e padrões financeiros. No exterior, celebridades conhecidas mundialmente já foram vítimas da nova categoria de violência simbólica, são exemplos: Scarlett Johansson, Jessica Alba, Rihanna e Paris Hilton. No Brasil, essa conduta ganhou significativa notoriedade quando expôs a atriz Carolina Dieckmann. A repercussão do caso fez surgir a lei 12.737/12, que leva seu nome, por apelido. É preciso destacar, contudo, que o fato de existir a menciona lei, não é suficiente para a punição daquele que comete a “Pornografia de Vingança”, primeiro por não ser esta uma conduta tipificada como crime, bem como por não tratar o diploma legal da conduta específica, mas sim daqueles que invadem dispositivos informáticos, interrompem serviços telegráficos e falsificam cartões. Estas situações, dificilmente, serão compatíveis com a conduta característica da “Vingança Pornô”.

2. Sexting

A expressão sexting, originada nos Estados Unidos da América, refere-se ao envio de mensagens com teor sexual. Essa prática envolve o uso das diversas tecnologias digitais presentes em nossa sociedade para expressar a sexualidade. O termo, derivado do inglês, resulta da combinação das palavras texting (enviar mensagem) com sex (sexo, ou, neste contexto, pornografia).

Com a facilidade que se tem hoje em dia de tirar uma foto e enviar para outra pessoa através do mundo, este é um hábito que se tornou simples e comum, e, sendo assim, o sexting emerge a partir do século XXI, e pode ser entendido como uma prática sociocultural, que consiste em enviar para alguém fotos, vídeos e mensagens, de conotação sexual, através das diversas tecnologias digitais. Nesse sentido, essa prática tem como objetivo a exibição da sexualidade. Esse envio pode ser feito através das mensagens de celular (SMS), aplicativos de mensagens ou redes sociais. Vale lembrar, que não apenas as fotos (nudes) se enquadram nessa tipificação, mas, também, os textos eróticos, vídeos e áudios.

Quando o termo sexting foi criado, ele era caracterizado apenas pelo envio de mensagens sexuais através do celular, no entanto, entendemos que outras tecnologias estão sendo utilizadas para essa prática. Hoje, porém, os praticantes utilizam-se das diversas tecnologias presentes em nossa sociedade para exporem sua sexualidade. Celulares, smartphones, computadores, câmeras fotográficas, filmadoras, webcams, sites de redes sociais etc. São utilizados por diversos sujeitos (adolescentes e adultos) para a produção de vídeo e fotos eróticas, sensuais e que mostram sexo explícito. Nesse sentido, as tecnologias são utilizadas para a exposição da sexualidade, que, na contemporaneidade, torna-se algo a ser escancarado para todos.

Nesta toada, é de relevante importância destacar que, o problema principal não é a prática em si, mas as consequências que advêm dessa prática, assim como as consequências que acarretam na vida de crianças e adolescentes. Conforme mencionado, a maioria das vítimas e perpetradores envolvidos em divulgações são ainda menores de idade, destacando a necessidade premente de abordar abertamente o tema. Nessa faixa etária, ocorre o desenvolvimento da personalidade, o que resulta em uma consciência limitada sobre as possíveis consequências do sexting. Diante disso, é possível inferir que o sexting representa uma conduta de risco para a personalidade, a intimidade, o direito à honra e a boa reputação, suscetível de acarretar consequências contínuas e incontroláveis à imagem, por um período indeterminado.

Portanto, analisando a conduta descrita, resta claro que, aquele que coloca imagens e vídeos de nudez da vítima pode responder juridicamente por isso, como também o provedor em que o conteúdo está localizado. Pois, isso viola direitos presentes na Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso X, como, por exemplo, o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem. Ainda, a divulgação de foto ou vídeo de uma cena de sexo, nudez ou pornografia sem o consentimento da vítima passou a ser crime com alteração no Código Penal pela lei nº 13.718, de 2018, assim tipificado no artigo 218-C:

Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: Pena - reclusão, de 1 a 5 anos, se o fato não constitui crime mais grave.

Nesse sentido, as ramificações para os jovens envolvidos em situações de superexposição pelo sexting são extremamente complexas, destacando a importância de promover discussões sobre esse tema e problematizar os efeitos que isso pode acarretar no contexto infantojuvenil.

3. Sextortion

Já abordamos o fato de o sexting poder ser definido pela junção da palavra sex + texting e ter origem da língua inglesa. O termo sextortion segue a mesma linha de raciocínio, propondo assim um neologismo com a junção entre as palavras sex e extortion, e indica uma relação de poder para obter vantagem sexual.

Pode-se afirmar, portanto, que o delito se configura pela utilização de conteúdo das mensagens privadas com o propósito de extorquir a vítima, mediante ameaças de divulgação, caso ela não concorde em se envolver sexualmente com o chantagista ou proporcionar alguma outra forma de vantagem (favores pessoais, financeiros, entre outros). Dessa maneira, ocorre a exploração sexual da vítima como meio de assegurar a preservação de imagens íntimas, de nudez ou de relações sexuais, seja com o autor do crime ou com terceiros.

Analisando a descrita conduta, resta claro que não se trata de nova conduta delituosa propriamente dita, mas sim um novo modus operandi para condutas anteriormente já tipificadas pelo nosso ordenamento jurídico, uma vez que, assim como algumas condutas já abordadas, o delinquente vê uma maneira facilitada de obter vantagem através da internet.

Reiterando, lidar com esse constrangimento quando a sexualidade é efetivamente exposta publicamente, ou quando se vive sob ameaças constantes, resulta na perturbação do equilíbrio emocional e fisiológico das vítimas, muitas das quais enfrentam ideações suicidas. Essa fragilidade na saúde feminina, tanto física quanto psicológica, agravada pelas ameaças de divulgação do conteúdo nas mãos do agressor, decorre da prática de violência psicológica, moral, sexual e patrimonial, condutas expressamente tipificadas na Lei Maria da Penha.

4. Estupro virtual

Conforme discutido em várias ocasiões, é inegável que a violência contra a mulher, nos dias atuais, é instrumentalizada por meio da internet, com o agressor utilizando o ambiente virtual para cometer delitos na esperança de escapar impune. Devido ao vasto território online, os alcances e efeitos percebidos dessas agressões são ainda mais sérios e frequentemente desafiadores de reverter.

Apesar de o estupro virtual ser uma novidade em nosso ordenamento jurídico brasileiro, conforme está tipificado atualmente, nos Estados Unidos o crime já desperta atenção há um período mais prolongado e é denominado como sextortion ou sextorsão, como mencionado anteriormente.

Para iniciarmos essa análise, é salutar destacar que a evolução da sociedade passou a exigir, conforme os ditames da Constituição Federal de 1988, a formulação de uma nova concepção do objeto jurídico do crime de estupro. É sabido que, na redação original fixada pelo Código Penal, estabelecida pelo decreto-lei 2.848/40, havia dois tipos de crimes sexuais cometidos com emprego de violência ou grave ameaça, sendo então definidos entre os “crimes contra os costumes”, quais sejam: estupro e atentado violento ao pudor.

Em ambos, o núcleo do conceito delituoso relacionava-se com o ato de “constranger”, mediante emprego de violência ou grave ameaça. No estupro, no entanto, o objetivo era a conjunção carnal, ao passo que no atentado violento ao pudor o objetivo desejado pelo agente era qualquer outro ato libidinoso. Assim, com a nova redação do art. 213, houve a unificação do crime de estupro com o crime de atentado violento ao pudor. Atentem-se que, apesar da revogação formal do art. 214 que tipificava como conduta delituosa o crime conhecido como atentado ao pudor, não há que se falar sobre descontinuidade normativo-típica, ou seja, não ocorreu abolitio criminis, de modo que a conduta descrita como proibida no revogado art. 214 permanece presente no ordenamento jurídico, mas agora no art. 213, com nova denominação.

Dessa forma, vejamos, o art. 213 do Código Penal, desde sua modificação trazida pela lei 12.015/09, traz consigo a definição de que o estupro se caracteriza como o ato de “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Nesta linha de raciocínio, faz-se necessário destacar, ainda, que antes da alteração dada pela lei 12.015/09, somente a mulher poderia figurar como vítima da conjunção carnal, sendo certo que o sujeito ativo deveria ser um homem. Com a nova redação, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum).

Dessa forma, interpretando-se o fixado pelo artigo e adequando a realidade dessa discussão, é notório que se afasta qualquer necessidade de existir contato físico entre o agente e a vítima, o qual é realmente inexistente no caso do delito virtual. Em 2016, o STJ, no julgamento do Recurso em Habeas Corpus – RHC 70976/MS posicionou-se afirmando que “(...) a dignidade sexual não se ofende somente com lesões de natureza física” e que “a maior ou menor gravidade do ato libidinoso praticado (…) constitui matéria afeta à dosimetria da pena” em caso concreto onde a alegação da defesa foi a ausência de contato físico entre o autor e a vítima, em discussão acerca da incidência no crime de estupro de vulnerável.

Diante do exposto, é evidentemente claro que o estupro virtual não difere em nada do estupro perpetrado fora do ambiente virtual. Isso se deve ao fato de a vítima não ter controle sobre suas escolhas e vontades diante desses atos, além do uso de violência ou ameaça para satisfazer aos desejos sexuais e à subordinação buscada pelo autor do crime.

O advento e popularização da internet trouxe inúmeros benefícios, como a facilidade de acesso à informação, a comunicação instantânea e sem limites geográficos, a interação social entre os mais diversos grupos pessoais, entre outros. Embora tenha trago uma globalização de forma mais ampla, os benefícios acima elencados, a facilidade e a disseminação imediata de qualquer informação publicada via internet, bem como a ausência de controle prévio sobre tais publicações gera também inúmeros problemas, tais como violação a direitos autorais, propagação de notícias e informações falsas e, em especial, práticas como a pornografia de vingança, sextortion, sexting e afins.

Considerando tudo o que foi apresentado, pode-se concluir que a incidência de crimes contra as mulheres no ambiente virtual cresce de maneira significativa e contínua. Isso ocorre, uma vez que esses crimes não dependem da presença física do agente e tendem a criar uma falsa sensação de impunidade, seja devido ao possível anonimato, seja porque o agente se sente protegido ao operar por trás da tela.

O Direito Penal, como instrumento de controle da sociedade, não pode ficar alheio a essa percepção. Assim, é sabido que a legislação brasileira apresenta resposta jurídica possível a alguns destes crimes, porém, mesmo nesses casos, é necessário reconhecer que referida resposta se revela insuficiente diante da gravidade e da extensão das consequências às vítimas. Como claro exemplo disso, cita-se o crime de pornografia de vingança e de compartilhamento de fotos íntimas, os quais são enquadrados, regra geral, na categoria dos crimes contra a honra, crimes esses que possuem penas reduzidas, de competências do Juizado Especial Criminal e com ações de natureza privada.

Além disso, é claro que a legislação penal brasileira demanda um aprimoramento no que concerne à punição dos crimes cometidos no meio virtual, especialmente aqueles dirigidos contra as mulheres. Essa necessidade surge da inadequação dos tipos penais já existentes, da velocidade com que a tecnologia evolui, da falta de conhecimento técnico por parte dos legisladores e da ilimitada e astuta criatividade delituosa dos criminosos.

Assim, conclui-se que para uma reparação efetiva à vítima, é essencial que a decisão judicial leve em conta as particularidades do caso concreto, realizando uma análise abrangente da situação. Particularmente nos casos dos crimes mencionados, o julgador deve considerar a confiança da vítima, intencionalmente violada pelo desejo vingativo do agente, e as ramificações dessa violação, avaliando a extensão dos danos. Isso se deve ao fato de que as publicações na internet, como mencionado anteriormente, se propagam rapidamente e não têm limites geográficos, expondo a vítima a uma audiência incontável.

---------------------------

ASSIS, José Francisco de. Direito à privacidade no uso da internet: omissão da legislação vigente e violação ao princípio fundamental da privacidade. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 109, fev 2013. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-109/direito-a-privacidade-no-uso-da-internet-omissao-da-legislacao-vigente-e-violacao-ao-principio-fundamental-da-privacidade/

AZEVEDO, Ana. Marco civil da internet no Brasil, Rio de Janeiro, RJ: Alta Books, 2014.

BASTOS, Freitas. Dos crimes sexuais. 5.ed. Rio de Janeiro, 1981.

BARROS, Suzana da Conceição de. RIBEIRO, Paula Regina Costa. Sexting, Sexcasting, revenge porn e nudes. Como a escola pode atuar nas discussões dessas práticas? Debates contemporâneos sobre educação para sexualidade. Organizadoras: Paula Regina Costa Ribeiro e Joanalira Corpes Magalhães. Rio Grande: Ed. da FURG, 2017.

BRASIL. LEI Nº 12.737, DE 30 DE NOVEMBRO DE 2012. Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12737.htm. Acesso em: 24 de Janeiro de 2024.

BRASIL. LEI Nº 13.642, DE 3 DE ABRIL DE 2018. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13642.htm. Acesso em 24 de Janeiro de 2024.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. ACÓRDÃO Nº 1124079 . Apelante: M.P.D.D.F.E.T. Apelado: ALEX DELMILIO PEREIRA. Relator: Desembargador WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, 18 de setembro de 2018

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. ACÓRDÃO Nº 1169755 . Apelante: M.P.D.D.F.E.T. Apelado: M.V.M.C.D.S. Relator: Desembargador CRUZ MACEDO, 15 de maio de 2019

Dayanne Avelar
Advogada na Barreto Dolabella. Graduada em Direito pelo Instituto de Ensino Superior de Brasília (IESB) e possui experiência em assessoria jurídica e consultoria no contencioso cível.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

ITBI na integralização de bens imóveis e sua importância para o planejamento patrimonial

19/11/2024

Cláusulas restritivas nas doações de imóveis

19/11/2024

Quais cuidados devo observar ao comprar um negócio?

19/11/2024

Estabilidade dos servidores públicos: O que é e vai ou não acabar?

19/11/2024

A relativização do princípio da legalidade tributária na temática da sub-rogação no Funrural – ADIn 4395

19/11/2024