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Silêncio sobre corrupção não significa que o problema acabou

Corrupção no Brasil é endêmica e sistêmica, prejudicando política, economia e imagem internacional. Leniência interna diferencia, refletida em queda de 25 posições no Índice de Percepção de Corrupção em 10 anos.

31/1/2024

A corrupção no Brasil é endêmica e sistêmica, com efeitos deletérios na política, na economia, no cotidiano nacional e na forma como o país é visto aos olhos do mundo.

É uma desgraça comportamental. Não se trata de uma exclusividade brasileira, é verdade, porém o que nos diferencia dos outros países é a leniência com a qual o problema é encarado internamente.

Nessa questão, o Brasil caminha rapidamente na direção errada. Nos últimos 10 anos, entre 2012 e 2022, o Brasil caiu nada menos que 25 posições no Índice de Percepção de Corrupção, publicado anualmente desde 1995 pela Transparência Internacional. Nesse índice são avaliados 180 países e territórios, aos quais são atribuídas notas em uma escala entre 0 e 100. Quanto maior a nota, maior é a percepção de integridade do país.

Estamos muito mal nesse ranking. Em 2012, o Brasil ocupava a 69ª posição. O que já era ruim piorou muito, porque em 2022 caímos para a 94ª posição. Ou seja, existem 93 países mais honestos que o Brasil. Somamos apenas 36 pontos nesse indicador mais recente. Ficamos bem abaixo da média global de 43 pontos e muito longe da média dos 38 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE, de 66 pontos. Ainda ficamos atrás da média de 39 pontos dos países dos BRICS – Rússia, Índia, China e África do Sul.

Para efeito de comparação, esse ranking é liderado por Dinamarca (90 pontos), seguido de Finlândia e Nova Zelândia (ambos com 87 pontos). Dentre as principais economias do mundo, a Alemanha ficou na 9ª posição, o Japão na 18ª, a França, na 22ª, e os Estados Unidos, em 24º lugar.  Na América do Sul, o Uruguai ficou em 14º lugar e o Chile, em 27º.  Ambos muito à frente do Brasil (94º), que amarga vergonhosa situação dentro de seu próprio continente.

Em recente artigo intitulado “Corrupção: endemia ou pandemia?”, o procurador de Justiça e membro da Academia Brasileira de Direito Criminal Walter Paulo Sabella trouxe um levantamento curioso e um comentário muito apropriado a respeito da questão. Ele fez uma busca no Google e constatou que o vocábulo “corrupção” apresentou em idioma português nada menos do que 25,9 milhões de registros. E dentre mais de três dezenas de antônimos, o de maior destaque foi “honestidade”, com expressividade muito menor: 5,82 milhões de registros. O autor argumenta, com razão, que “de algum modo, esses números despem facetas da crua realidade cotidiana”. Ele alerta: “Esse achado numérico extrapola os muros da significação estatística para apontar pântanos sociológicos, antropológicos, consuetudinários e éticos”.

São simplesmente deprimentes nosso histórico de corrupção e nossa performance de combate a esse mal já arraigado na sociedade brasileira. Também recentemente, a revista eletrônica Jusbrasil, especializada em Direito, publicou levantamento feito por Luan Messan Grazmann Mendes dos Santos, mostrando que R$ 110 bilhões (valores não corrigidos) foram desviados em 10 escândalos de corrupção registrados no Brasil desde a década de 1980 – Anões do Orçamento, Operação Navalha na Carne, Juiz Lalau/TRT-SP, Jorgina de Freitas/INSS, Fundos de Pensão, Banco Marka, Vampiros da Saúde, Operação Zelotes, Banestado e Lava Jato.

Há décadas as denúncias de corrupção se sucedem, mas o Estado brasileiro está longe de garantir punições à altura do mal que essa prática representa para o país. Há menos de três anos, o STF decidiu por maioria declarar a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba e anulou as ações penais contra o então ex-presidente da República no contexto da Operação Lava Jato, deflagrada em 2014 e que investigou corrupção em contratos firmados entre empreiteiras e empresas estatais.  Na Lava Jato, cerca de 200 pessoas foram presas e condenadas por corrupção ativa ou passiva - incluindo figuras dos altos escalões da República – e dezenas de empresas confessaram práticas ilegais e assinaram acordos de leniência relativos aos crimes de corrupção, organização criminosa e lavagem de dinheiro, concordando em devolver aos cofres públicos mais de R$ 28 bilhões, valor que, corrigido, hoje supera R$ 31 bilhões.

O resultado da maior operação contra a corrupção da história do Brasil foi aniquilado porque o STF julgou ter havido falhas processuais. A anulação das sentenças – muitas apesar de anteriormente confirmadas pelo próprio STF – não deu a nenhum dos beneficiários atestado de honestidade porque em momento algum foi mencionado nas decisões que os atos de corrupção não existiram. Os processos voltaram às fases iniciais e futuras condenações ainda são possíveis, embora não mais prováveis.

Antes da Lava Jato, no período entre 1995 e 2002, outros grandes esquemas de corrupção abalaram o país. O mais relevante foi o do Banestado, cujos réus voltaram a ser pegos em delitos pela Lava Jato, o que mostra que esse é um mal recorrente no Brasil.

O que mais surpreende é como a classe política reage ao combate à corrupção. Agora mesmo tramita no STF ação proposta por partidos da situação – como PSOL, PCdoB e Solidariedade – buscando a suspensão das multas a serem pagas pelas empresas condenadas na Lava Jato, embora tais punições tenham se dado com provas e graças à cooperação técnica do Ministério Público Federal, Controladoria Geral da União, Ministério da Justiça e TCU. Trata-se de iniciativa legal, mas é lamentável que partidos políticos – cuja sobrevivência financeira é constituída por fontes de recursos dos tributos federais (fundos partidário e eleitoral) – dediquem-se a defender interesses sabidamente não republicanos de empreiteiros. Uma mancha a mais no Legislativo Federal, já corretamente criticado, por exemplo, pela prática do Orçamento Secreto, que consumiu R$ 19,4 bilhões em 2023.

Lamentavelmente, o Brasil tem um histórico assustador de corrupção. Em 2005, o portal do TCU estimava que a corrupção no país alcançava de 3% a 5% do PIB, hoje algo em torno de R$ 330 bilhões a R$ 550 bilhões/ano. Naquele mesmo ano, segundo o Fórum Paraibano de Combate à Corrupção, o Brasil ocupava a 62ª posição – entre 146 países – no nível de honestidade. Registrava índice de 3,7 na escala de 0 a 10, na qual 10 é a nota do país mais honesto.

Outros estudos confirmam a posição vexatória brasileira. Trabalho publicado pela respeitada Federação das Indústrias do Estado de São Paulo - FIESP em dezembro de 2017 estimou a corrupção brasileira naquele ano em pelo menos 2% do PIB, algo como R$ 220 bilhões/ano.

É inequívoco que o país seria diferente se a prática da corrupção não fosse tolerada e recebesse punição exemplar. Estudo de pesquisadores do Fundo Monetário Internacional - FMI, publicado pela jornalista Natália Portinari em outubro de 2017, concluiu que o Brasil seria até 30% mais rico se as suas instituições fossem menos corruptas. O estudo, elaborado por um grupo de economistas liderados por Carlos Eduardo Gonçalves, afirma que o PIB per capita do país cresceria US$ 3 mil (cerca de R$ 15.000,00), passando de US$ 10 mil para US$ 13 mil, uma diferença enorme no bolso do cidadão brasileiro.

O problema persiste e é ainda maior do que aparenta porque há mais de 12 meses o assunto corrupção desapareceu do noticiário e do debate nacional. Isso sem que tenha havido atos governamentais mais rigorosos no combate aos malfeitos com dinheiro público, e sem novas leis sancionadoras aprovadas pelo Congresso Nacional e sancionadas pelo presidente da República.

Não se tem notícias de investigações, inquéritos, prisões e condenações por atos de corrupção em 2023, como se esse mal tivesse sido subitamente extirpado do mapa nacional. Vivemos um faz-de-conta que nos faz lembrar da antiga propaganda de um remédio popular – “Tomou Doril, a dor sumiu” -, como se o Índice de Percepção da Corrupção mostrando o Brasil estagnado na 94ª posição fosse uma obra de ficção.

Mais triste ainda é constatar que a legislação anticorrupção, em vez de se tornar mais rígida, foi abrandada, dificultando as punições por atos de improbidade praticados por agentes públicos, os mesmos que deveriam zelar pelo dinheiro arrecadado dos contribuintes. Se o combate a essa mazela fosse efetivo, o Brasil poderia estar arrecadando de R$ 250 bilhões a R$ 400 bilhões a mais por ano, mas o governo prefere reforçar os cofres em R$ 53 bilhões/ano instituindo novos impostos ou aumentando as alíquotas, sacrificando a população, especialmente a mais pobre.

O que falta para o país atingir um novo estágio nessa questão? Sem dúvida, seriedade. É urgente melhorar em muito os níveis de participação popular e aumentar sobremaneira a transparência.

É imprescindível uma mudança legislativa para tornar imprescritíveis os crimes praticados contra a administração pública, além de transformar o TCU dando ao órgão maior participação e transparência para que a sociedade seja mais bem informada dos resultados de seu trabalho. É primordial combater efetivamente a impunidade que há tempos dissemina no brasileiro a falsa sensação de que o crime compensa, influenciando negativamente os jovens.

Para isso, os órgãos de controle (TCU, tribunais de contas dos estados e dos municípios, que custam R$ 10,8 bilhões/ano, e a Controladoria-Geral da União) precisam agir com mais eficácia, além de dar publicidade aos seus atos e punições, uma vez que o interesse público se sobrepõe a qualquer outro.

Segundo publicou a mídia recentemente, uma auditoria feita pelo TCU revelou que o Ministério da Cultura não tem controle sobre 8.000 projetos culturais financiados pela Lei Rouanet e para os quais foram destinados R$ 3,8 bilhões. São apenas 24 funcionários da pasta trabalhando no controle desses incentivos culturais, o que demonstra ser impossível o acompanhamento técnico e eficaz dos projetos.

E este é apenas um exemplo - pequeno - de como o país trata o dinheiro público e porque a corrupção encontra terreno fértil para continuar prosperando em todos os níveis, sem resistência e sob silêncio estarrecedor. Somos todos culpados!

Samuel Hanan
Engenheiro, com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002).

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