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O princípio da insignificância no Direito Penal e sua relevância para o ordenamento jurídico

O Direito Penal regula a vida em sociedade, punindo ações contrárias aos valores essenciais. Sua intervenção deve ser mínima, respeitando limites para evitar abusos estatais, centrando-se na proteção de valores fundamentais à convivência social.

26/1/2024

O Direito tem por objetivo regular a vida em sociedade, cabendo ao Direito Penal regular as ações humanas contrárias aos valores indispensáveis à organização social, disciplinando com uma sanção penal. Neste sentido, é necessário trazer à luz que o Direito Penal constitui-se por um conjunto de normas jurídicas, conhecimentos e princípios que têm por objetivo dar efetiva resposta aos atos praticados contra bens jurídicos de profunda relevância social e que outras esferas do Direito não sejam capazes de coibir.

Desta maneira, tem-se que a intervenção penal deve ser sempre mínima, por se constituir na forma mais gravosa de interferência do Estado na vida do indivíduo e da própria sociedade, ao que se diz ser o Direito Penal a ultima ratio. Portanto, é uma intervenção que tem limites, limites estes que se verificam nos princípios fundamentais da ciência criminal, os quais impedem o abuso estatal. Sendo assim, o primeiro destes é o limite material do conteúdo da norma incriminadora, que deve visar à proteção de valores fundamentais à convivência social.

Posto isso, faz-se necessário a conceituação de crime. Sob o aspecto jurídico, trata-se de toda conduta típica, antijurídica e culpável, praticada por um ser humano, assim fixada e perpetrada pela Teoria Tripartida – ou Tripartite.

Nessa sequência, posiciona-se Capez:

A Teoria Naturalista ou Causal, mais conhecida como Teoria Clássica, concebida por Franz von Liszt, a qual teve em Ernest von Beling um de seus maiores defensores, dominou todo o século XIX, fortemente influenciada pelo positivismo jurídico. Para ela, o fato típico resultava de mera comparação entre a conduta objetivamente realizada e a descrição legal do crime, sem analisar qualquer aspecto de ordem interna, subjetiva. Sustentava que o dolo e a culpa sediavam-se na culpabilidade e não pertenciam ao tipo. Para os seus defensores, crime só pode ser fato típico, ilícito (antijurídico) e culpável, uma vez que, sendo o dolo e a culpa imprescindíveis para a sua existência e estando ambos na culpabilidade, por óbvio esta última se tornava necessária para integrar o conceito de infração penal. Todo penalista clássico, portanto, forçosamente precisa adotar a concepção tripartida, pois do contrário teria de admitir que o dolo e a culpa não pertenciam ao crime, o que seria juridicamente impossível de sustentar. (2010 p.59)

No sentido material, trata-se de uma ação ou omissão que se proíbe, e seu descumprimento é passível de sanção penal por parte do Estado, tendo em vista se tratar de ofensa ou dano a um bem jurídico tutelado, seja individual ou coletivo. Já em um sentido popular, diz respeito a um ato que viola uma norma moral.

Nesse sentido, faz-se necessário dizer que o Princípio da Insignificância, popularmente chamado de bagatela, não é uma norma explicitamente estabelecida, mas sim uma construção doutrinária incorporada ao sistema jurídico pela jurisprudência brasileira. Seu objetivo é excluir a tipicidade da conduta perpetrada pelo agente, fundamentando-se na mínima ofensividade e lesividade ao bem jurídico protegido.

Para que o referido princípio seja aplicável, é imprescindível realizar uma avaliação da infração perpetrada pelo agente, abrangendo critérios tanto objetivos, estabelecidos pela jurisprudência, quanto subjetivos, que envolvem aspectos relacionados ao agente, além da apreciação da opinião do magistrado responsável pelo caso. De acordo com essa perspectiva, destaca-se a necessidade de restringir ao máximo a abrangência do Direito Penal, buscando uma intervenção mínima ou como comumente dita no âmbito jurídico, a "extrema ratio da ultima ratio". Nesse contexto, o Estado de Direito busca conciliar-se com a proteção dos bens jurídicos por meio de outras esferas e ramos do direito, recorrendo à legislação penal apenas como último recurso.

Com isso, é certo dizer que as infrações que se amoldam ao princípio da insignificância são amparadas pela exclusão de tipicidade – e, portanto, deixam de ser consideradas crime propriamente dito - e foram incorporadas ao nosso sistema jurídico por meio da jurisprudência brasileira. Além disso, a insignificância representa uma elaboração doutrinária que busca preencher a lacuna normativa relacionada a esse tema.

A fim de elucidar melhor a aplicação prática do princípio em análise, é preciso esclarecer que, no que diz respeito à caracterização do fato típico na análise do direito penal, torna-se indispensável considerar a conduta do agente, a produção de um resultado, o nexo causal e a submissão do acontecimento à norma estabelecida em lei. Para tanto, a tipicidade desdobra-se em dois aspectos: o formal, no qual a conduta do agente se adequa ao modelo abstrato estabelecido pelo legislador, e o material, que resulta em uma lesão significativa ao bem jurídico protegido.

Assim, quando se verifica tanto a tipicidade formal quanto a material, efetiva-se a tipicidade penal, abrindo caminho para a análise da ilicitude. Entretanto, em situações em que a lesividade ao bem jurídico tutelado é considerada insignificante, o requisito relacionado à tipicidade material não está satisfeito, permitindo a possível aplicação do princípio da insignificância ao caso.

É essencial ponderarmos que o atual sistema penitenciário adota uma abordagem ressocializadora, afastando-se, portanto, da ideia de infligir sofrimento e castigo. Essa nova perspectiva busca a recuperação do infrator, reconhecendo que o aprisionamento não resulta em efeitos duradouros. Isso se evidencia, em grande parte, no fato de que muitas pessoas que cometem delitos, especialmente contra a propriedade, o fazem devido a crises econômicas, desemprego e influências da violência veiculada pela mídia.

Ou seja, o princípio da insignificância de amolda perfeitamente com o atual sistema penitenciário que é adotado no ordenamento jurídico brasileiro, pois, quando a lesão ao bem jurídico é mínima, o elemento injusto é tão reduzido que não justifica a imposição de pena com base em considerações éticas. É crucial que o ocorrido tenha provocado uma ofensa de magnitude significativa ao bem jurídico protegido para que se possa estabelecer um juízo positivo de tipicidade.

Com o propósito de garantir tal premissa, o STJ consolidou a seguinte interpretação:

A admissão da ocorrência de um crime de bagatela reflete o entendimento de que o Direito Penal deve intervir somente nos casos em que a conduta ocasione lesão jurídica de certa gravidade, devendo ser reconhecida a atipicidade material de perturbações jurídicas mínimas ou leves, estas consideradas não só no seu sentido econômico, mas também em função do grau de afetação da ordem social que ocasionem. (STJ, 5ª Turma,  AgRg  no  HC  480.413/SC,  Rel.  Min.  Reynaldo  Soares  da  Fonseca, julgado em 21/2/19).

Ainda, corroborando com o posicionamento do STJ, o STF estabeleceu a posição de que a aplicação do princípio da insignificância demanda a observância dos seguintes critérios: (a) mínima ofensividade da conduta do agente; (b) ausência de periculosidade social da ação; (c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.

No que diz respeito à avaliação da reincidência e à verificação dos critérios subjetivos do acusado, a maioria dos estudiosos do direito sustenta que a análise específica dos antecedentes do réu não é essencial para a aplicação da atual excludente. Isso se deve ao entendimento de que o juízo de valoração deve incidir exclusivamente sobre os critérios objetivos do delito, como a conduta e o resultado. Isso ocorre porque a insignificância configura uma excludente de tipicidade, e avaliar as condições subjetivas implicaria na execução do Direito Penal centrado no autor, em vez do foco no fato. Em outras palavras, significaria punir o agente pelo que ele é, e não pela conduta efetivamente praticada, ampliando, assim, a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância em infrações consideradas bagatelares.

Debater sobre essa temática e sobre a aplicação do princípio da insignificância é de grande importância, uma vez que, ao examinar cada circunstância, o desfecho pode revelar-se desproporcional em relação ao agente. Por outro lado, negligenciar a abordagem de determinado delito pode confrontar princípios éticos e morais da sociedade, além de abalar a estrutura psicológica e física da vítima.

De fato, a norma estabelecida no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal, que afirma que "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal", atribuiu de maneira exclusiva ao legislador a responsabilidade de escolher, entre todas as condutas humanas, aquelas que possam representar uma ameaça para a tranquilidade social e a ordem pública. Nessa perspectiva, de acordo com o Princípio da Insignificância, a legislação não deve ocupar-se com transgressões de pequena relevância, incapazes de ocasionar o mínimo prejuízo à coletividade.

É de extrema importância destacar que a insignificância difere da adequação social, uma vez que, enquanto esta última implica a aprovação completa da sociedade em relação à conduta, o princípio da insignificância apenas tolera a prática dessa conduta devido à sua baixa lesividade, mantendo, no entanto, a consideração de sua inadequação social. Ainda, cumpre esclarecer que, caso a infração apresente um reduzido potencial ofensivo, mas não se amolde aos demais critérios para a incidência do princípio da insignificância, a lei 9.099/95, que trata dos Juizados Especiais Criminais e seus dispositivos despenalizadores, deve ser aplicada, não havendo justificativa para que o juiz deixe de empregar a legislação.

Por todo o exposto, resta claro afirmar que a principal finalidade do Direito Penal contemporâneo, sem dúvida, consiste na salvaguarda de bens jurídicos considerados essenciais não apenas para o indivíduo, mas também para a coletividade. Assim sendo, os princípios do Direito Penal podem ser percebidos como elementos que suavizam a rigidez, tornando a interpretação e aplicação sistemática do ordenamento jurídico menos engessada. Esses princípios, ao agirem assim, reduzem a probabilidade de danos sociais resultantes da atuação do Estado, que atua como guardião da normalidade comunitária.

Dessa forma, considerando que a norma é um instrumento voltado para a integração social, é correto afirmar que a intervenção penal deve ser guiada por esse propósito. Nesse contexto, a exclusão da intervenção penal devido à insignificância da lesão deve ser confrontada com os valores sociais contemporâneos associados à ação.

Portanto, pode-se inferir que a adoção do princípio da insignificância em relação a um evento específico dependerá primordialmente das circunstâncias em que ocorreu e da habilidade do intérprete do direito em realizar uma avaliação criteriosa. Isso se deve ao fato de que não apenas o desvalor do resultado, mas também o desvalor da conduta devem ser considerados, tudo em consonância com os objetivos de proteção incorporados na norma penal.

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BITTENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, volume 1, parte geral. São Paulo; Saraiva, 2010 p.59

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 8. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011.

JESUS, Damasio de. Direito Penal: Parte Geral. 36. ed. São Paulo: Saraiva, 2015

SEIBEL, Suzana Behenck. Princípio da insignificância penal: Uma análise do uso de valores subjetivos em sua aplicação prática. Disponível em:http://ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14642.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Súmulas do STJ. Disponível em:http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/enunciados.jsp?&b=SUMU&p=true&l=10 &i=31.

Dayanne Avelar
Advogada na Barreto Dolabella. Graduada em Direito pelo Instituto de Ensino Superior de Brasília (IESB) e possui experiência em assessoria jurídica e consultoria no contencioso cível.

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