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A responsabilização cível do corretor de imóveis

No Brasil há 600 mil corretores de imóveis, contudo, apenas 40% das transações imobiliárias são observadas e acompanhadas por estes profissionais. Destas transações, podem ocorrer danos que desencadearão o dever de reparação pelo corretor e a perda de sua credibilidade.

9/1/2024

No Brasil há cerca de 600 mil corretores de imóveis, de acordo com o Creci-RJ. Todavia, de acordo com o jornal Estadão, apenas 40% das transações imobiliárias no país possuem a observância de um corretor de imóveis.

Neste cenário brasileiro, a blindagem jurídica para corretores se faz necessário, posto que, a responsabilização cível deste profissional é realidade junto aos tribunais do País.

A responsabilidade civil, preconizada no ordenamento civilista nacional, é o ato de ressarcimento promovido por aquele que comete o dano a outrem (TARTUCE, 2017, p. 499).

Neste sentido, a responsabilidade civil contratual (desencadeado através do inadimplemento, ou seja, não cumprimento de um contrato firmado entre as partes) está presente nos artigos 389, 390 e 391 e, a responsabilidade civil extracontratual (desencadeado por ato ilícito ou abuso de direito) encontra-se nos artigos 186 e 187 todos do Código Civil brasileiro.

Portanto, qualquer ato da vida humana pode desencadear a obrigação de reparação através da responsabilidade civil. No que tange os corretores de imóveis, há alguns pontos que merecem ser elucidados neste breve artigo:

De acordo com o artigo 722 do Código Civil, a base remuneratória do corretor de imóveis é o comissionamento atrelado a conclusão do negócio jurídico. Do dispositivo legal indicado advém o primeiro motivo de possível responsabilização cível: a cobrança de comissão de corretagem antes do prazo apresentado no Código Civil e jurisprudência pátria.

Vejamos este decisão sobre a comissão de corretagem proferida pelo Tribunal do Estado do Rio de Janeiro no ano de 2023:

Ação de conhecimento. Cobrança de comissão de corretagem. (...) Entendimento no Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que não é necessário que o corretor atue em todas as etapas da venda para fazer jus à comissão, sendo necessária apenas a comprovação de aproximação das partes e da conclusão do negócio. Provas que comprovam a intermediação da compra e venda do imóvel a que se refere e evidenciam o direito alegado pelos autores. Aplicação dos artigos 725 e 728, ambos do Código Civil. Sentença reformada para condenar os réus a pagarem aos autores a quantia correspondente à comissão de corretagem sobre a venda do imóvel descrito na petição inicial, (...) (TJ/RJ - 0092557-37.2019.8.19.0001 – APELAÇÃO - Des(a). JOSÉ CARLOS PAES - Julgamento: 7/12/23 - DECIMA SEGUNDA CAMARA DE DIREITO PRIVADO)

De acordo com o trecho da decisão em relevo, se verifica entendimento consolidado do STJ que entende ser devida a comissão de corretagem mesmo se o corretor não atuou em todas as etapas do negócio, devendo este profissional comprovar que ao menos aproximou as partes, vendedor e comprador, e houve a conclusão da venda.

Ainda vale destacar o entendimento proferido pela Ministra do STJ Nancy Andrighi em REsp 2.000.978:

“Segundo a relatora, para se compreender o fato gerador do direito do corretor à comissão, o principal é definir o que se considera resultado útil de sua atividade. Nesse sentido, ela lembrou ser pacífico no STJ o entendimento de que "é devida a comissão de corretagem por intermediação imobiliária se os trabalhos de aproximação realizados pelo corretor resultarem, efetivamente, no consenso das partes quanto aos elementos essenciais do negócio. Mesmo em um típico e usual contrato de corretagem, não é qualquer ato do examinar, primeiro, o negócio que o corretor se obrigou a obter e os deveres contratuais por ele assumidos, para concluir, à luz das provas e das peculiaridades de cada hipótese, se o resultado útil foi alcançado, ainda que o resultado final previsto no contrato não ocorra por posterior arrependimento das partes" (...)

Ou seja, deve haver a conclusão do negócio para que o corretor de imóveis faça jus a sua comissão, conforme artigo 725 do Código Civil. Neste sentido, o arrependimento das partes não retira do corretor o seu direito a receber sua comissão, desde que este arrependimento seja posterior a conclusão do negócio imobiliário.

Outro ponto que pode gerar obrigação de ressarcimento é o desrespeito ao artigo 723 do Código Civil, ou seja, a obrigatoriedade deste profissional de apresentar todas as informações pertinentes ao negócio a fim de evitar a celebração de contratos nulos ou anuláveis.

Vale destacar que a informação é um dos pontos mais importantes para a atuação do corretor de imóveis, tanto que, o inciso II do artigo 4º do Código de Ética da categoria (RESOLUÇÃO COFECI Nº 326/92) expõe: “II – apresentar, ao oferecer um negócio, dados rigorosamente certos, nunca omitindo detalhes que o depreciem, informando o cliente dos riscos e demais circunstâncias que possam comprometer o negócio;”.

Neste diapasão, o parágrafo único do Art. 723 do Código Civil expõe a responsabilização do corretor em perdas e danos diante do descumprimento do caput do dispositivo legal, ou seja, diante da ausência de informações claras sobre o negócio jurídico imobiliário.  

Esta responsabilização poderá ser aplicada na forma dos artigos 402 á 405 do Código Civil.

Contudo, além da responsabilização civilista, o corretor de imóveis pode sofrer com a necessidade de ressarcir o dano diante do CDC.

Diante do artigo 14 do diploma de defesa do consumo, o corretor de imóveis responderia de forma objetiva, ou seja, independente da existência de culpa. Todavia, há uma ressalva: caso o corretor de imóveis seja um profissional liberal, o parágrafo 4º do artigo 14 do CDC indica que deverá ser apurada a existência de culpa, descartando a responsabilidade objetiva e trocando pela subjetiva.

Sendo assim, no caso de dano causado pelo corretor de imóveis autônomo, este responderia pelo parágrafo 4º do artigo 14 do CDC e não pelo seu caput, além dos dispositivos civilistas indicados anteriormente.

Portanto, verifica-se que a função do corretor de imóveis possui riscos de responsabilização cível e consumerista. Para tal, é de suma importância possuir apoio jurídico, mesmo atuando como autônomo, para reforçar sua blindagem profissional e evitar prejuízos financeiros e perda de credibilidade.

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BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990. Brasília, Distrito Federal, 1990.

BRASIL. Novo Código Civil. Lei nº 10.403 de 10 de janeiro de 2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 7 ed. Ver, atual e ampl – Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2017.

STJ. Contrato de corretagem pode condicionar pagamento da comissão a evento futuro e incerto. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/07082023-Contrato-de-corretagem-pode-condicionar-pagamento-da-comissao-a-evento-futuro-e-incerto.aspx. Acesso em 06 jan. 2023

Wallace Bonfim Santa Cecilia
Advogado atuante na área imobiliária, cível, consumerista e sucessões.

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