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Empresa simples de inovação: é tão simples assim?

A Empresa Simples de Inovação, criada pela lei Complementar 167/19, oferece uma nova via para formalizar empreendimentos. Sua regulamentação, tanto legal quanto infralegal, detalha diretrizes e orientações, como visto no Ofício Circular SEI 4767/22/ME2.

3/1/2024

Em acréscimo ao leque de opções para a formalização do exercício da atividade empreendedora, a Empresa Simples de Inovação foi instituída pela lei Complementar 167/19, que introduziu modificações na lei Complementar 123/06, disciplinadora do Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.

No plano infralegal, a matéria é regulamentada pela Resolução 55/201 do Comitê para Gestão da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios – CGSIM –, uma instância do DREI. O CGSIM ainda expediu o Ofício Circular SEI 4767/22/ME2, de 30.11.22, destinado a prestar orientações e divulgar entendimentos aplicados às Empresas Simples de Inovação.

Segundo dados do Mapa de Empresas, ferramenta disponibilizada pelo DREI3, existem 2.473 Empresas Simples de Inovação4 inscritas no Inova Simples5. O Inova Simples é um regime especial simplificado para inscrição de iniciativas empresariais que se autodeclaram como empresas de inovação. O procedimento de formalização é bastante singelo e se perfaz de forma online e gratuita, com a obtenção de CNPJ imediatamente após a inscrição. Neste ponto, assemelha-se ao rito de legalização do MEI.

Falando em MEI, a Empresa Simples de Inovação também possui o mesmo limite de receita bruta anual, que atualmente é de R$ 81.000,006. Ao nome empresarial, que também poderá ser formado pelo número de inscrição no CNPJ7, é obrigatório acrescentar ao final a expressão “Inova Simples (I.S.)8. O local da sede poderá ser comercial, residencial ou de uso misto, inclusive onde funcionarem parques tecnológicos, instituições de ensino, empresas juniores, incubadoras, aceleradoras e espaços compartilhados de trabalho na forma de coworking9.

Feito esse breve relatório, parece-nos que o DREI, ora pela Resolução, ora pelo Ofício, encaminhou posições questionáveis e, por vezes, incompatíveis com a própria reforma legislativa criadora das Empresas Simples de Inovação.

Primeiramente, sobre sua natureza jurídica, o art. 4º da Resolução estabelece que a Empresa Simples de Inovação será inscrita na natureza jurídica “Empresa Simples de Inovação (Inova Simples)”. Dado que a natureza de uma coisa não pode ser a própria coisa, algo de errado não está certo. Tautologia à parte, qual é, então, a essência da Empresa Simples de Inovação? É uma nova espécie de sociedade não personificada, apartada da sociedade em comum – e não parte desta, como afirma o item “6” do Ofício. As normas das sociedades em comum são, por design, pensadas para situações de transitoriedade. Diz o 986/CC: “Enquanto não inscritos os atos constitutivos...”, daí para frente, seguido de sanções probatórias e de responsabilidade para os sócios que não diligenciaram a constituição da sociedade, seja qual for o motivo. E a Empresa Simples de Inovação? Ora, ela não se submete a nenhum registro público e sequer precisa de ato constitutivo. O que os sócios fazem é, puramente, um “cadastro básico”, exata expressão do art. 65-A, §4º, da lei 123/06.

Os sócios, grifamos propositalmente. Em exorbitância ao poder regulamentar, o DREI criou, via Resolução10, a primeira sociedade unipessoal sem personalidade jurídica do mundo – permitam-nos essa força de expressão. Nem tudo cabe no papel: o art. 65-A, § 4º, da própria LC 123/06, afirma que o cadastro de submissão ao Inova Simples será preenchido pelos “titulares de empresa”.

Uma possível objeção a esse raciocínio seria a de que a Empresa Simples de Inovação poderia ser unipessoal quando cadastrada por uma pessoa jurídica. Essa realidade – afinal, é permitida pela Resolução11 e, naturalmente, pelo Portal da REDESIM – é mais uma criação contra legem, a teor do que preconiza o art. 65-A, § 4º, I, da lei 123/06, que só se refere a titulares com CPF – pessoas naturais, portanto.

Existem mais problemas, pois a única sociedade do Código Civil unipessoal, a sociedade limitada, demanda capital social e sua divisão em cotas (art. 1.055), enquanto a Empresa Simples de Inovação pode ser formalizada sem indicação de capital social12. Como assim?

Tanto o Empresário Individual13 quanto as sociedades14 necessitam designar o capital, para que este desempenhe, no mínimo, a função de produtividade na determinação dos resultados econômicos apropriáveis pelos respectivos titulares. Relembre-se que lucro é o valor que, dentro do patrimônio líquido, excede o capital. Não há como determinar o lucro sem partir da base do capital investido. Sem capital não se afere o resultado econômico, fim visado por toda atividade empresarial.

- Ora, mas se atividade começar simplesmente com uma ideia, vindo a se capitalizar depois?

Mesmo se a integralização for futura, o capital necessário para a operacionalização lucrativa da atividade precisaria ser declarado, por força do regramento-geral do direito societário ao qual a Empresa Simples de Inovação se remeteria – o regime jurídico das sociedades simples puras15.

A eventual não declaração do capital traz outro inconveniente: o Portal da REDESIM passa a indisponibilizar o campo de declaração das participações de cada sócio. Ausente um ato constitutivo ou um acordo parassocial, isso simplificaria algumas discussões futuras sobre exercício de direitos políticos e patrimoniais decorrentes da atividade da Empresa Simples de Inovação. Ao que tudo indica, o DREI confunde a necessidade de declaração de um capital

social – ainda que futuramente integralizado – com a desnecessidade de um capital inicial disponível no ato de cadastro. Não por acaso, a essa não declaração é feita no Portal da REDESIM pela marcação da seguinte opção: “Minha empresa ainda não possui Capital Social inicial”.

À luz das questões suscitadas, parece-nos que a regulamentação da importante Empresa Simples de Inovação carece de reformas aptas a lhe dar conformação legal frente à sua norma instituidora.

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1 Doravante, simplesmente, Resolução.

2 Doravante, simplesmente, Ofício.

3 https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/mapa-de-empresas

4 Até novembro de 2023.

5 https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/inova-simples

6 Art. 65-A, § 10, da LC nº 123/06.

7 Art. 3º, § 3º, inc. I, da Res. CGSIM nº 55/2020.

8 Art. 65-A, § 4º, inc. II, da LC nº 123/06.

9 Art. 65-A, § 4º, inc. IV, da LC nº 123/06.

10 Art. 3º, I.

11 Art. 3º, § 1º.

12 Item 20 das “perguntas frequentes” disponíveis no endereço oficial https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/inova-simples/preciso-de-informacoes/perguntas-frequentes combinado com o item 12 do Ofício Circular SEI nº 4767/2022/ME, do CGSIM.

13 Art. 968, inc. III, do Código Civil.

14 Art. 1.052; 1.054; 997, inc. III, do Código Civil.

15 Considerada uma sociedade não-personificada, poderíamos usar, por analogia, a remissão feita pelo art. 986/CC – sociedades em comum – ao regime geral das sociedades simples puras. Por razão diferente, assim também entendeu o próprio DREI – item 8 do Ofício Circular SEI nº 4767/2022/ME, do CGSIM.

Marcelo Lauar Leite
Advogado. Professor Adjunto da Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA, Brasil). Doutor em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC, Portugal).

Ronald Sharp Jr.
Auditor Fiscal do Trabalho do Ministério da Economia e Professor e Mestre em Direito Comercial/Empresarial pela UERJ. Ex-advogado do BNDES

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