Em acréscimo ao leque de opções para a formalização do exercício da atividade empreendedora, a Empresa Simples de Inovação foi instituída pela lei Complementar 167/19, que introduziu modificações na lei Complementar 123/06, disciplinadora do Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.
No plano infralegal, a matéria é regulamentada pela Resolução 55/201 do Comitê para Gestão da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios – CGSIM –, uma instância do DREI. O CGSIM ainda expediu o Ofício Circular SEI 4767/22/ME2, de 30.11.22, destinado a prestar orientações e divulgar entendimentos aplicados às Empresas Simples de Inovação.
Segundo dados do Mapa de Empresas, ferramenta disponibilizada pelo DREI3, existem 2.473 Empresas Simples de Inovação4 inscritas no Inova Simples5. O Inova Simples é um regime especial simplificado para inscrição de iniciativas empresariais que se autodeclaram como empresas de inovação. O procedimento de formalização é bastante singelo e se perfaz de forma online e gratuita, com a obtenção de CNPJ imediatamente após a inscrição. Neste ponto, assemelha-se ao rito de legalização do MEI.
Falando em MEI, a Empresa Simples de Inovação também possui o mesmo limite de receita bruta anual, que atualmente é de R$ 81.000,006. Ao nome empresarial, que também poderá ser formado pelo número de inscrição no CNPJ7, é obrigatório acrescentar ao final a expressão “Inova Simples (I.S.)”8. O local da sede poderá ser comercial, residencial ou de uso misto, inclusive onde funcionarem parques tecnológicos, instituições de ensino, empresas juniores, incubadoras, aceleradoras e espaços compartilhados de trabalho na forma de coworking9.
Feito esse breve relatório, parece-nos que o DREI, ora pela Resolução, ora pelo Ofício, encaminhou posições questionáveis e, por vezes, incompatíveis com a própria reforma legislativa criadora das Empresas Simples de Inovação.
Primeiramente, sobre sua natureza jurídica, o art. 4º da Resolução estabelece que a Empresa Simples de Inovação será inscrita na natureza jurídica “Empresa Simples de Inovação (Inova Simples)”. Dado que a natureza de uma coisa não pode ser a própria coisa, algo de errado não está certo. Tautologia à parte, qual é, então, a essência da Empresa Simples de Inovação? É uma nova espécie de sociedade não personificada, apartada da sociedade em comum – e não parte desta, como afirma o item “6” do Ofício. As normas das sociedades em comum são, por design, pensadas para situações de transitoriedade. Diz o 986/CC: “Enquanto não inscritos os atos constitutivos...”, daí para frente, seguido de sanções probatórias e de responsabilidade para os sócios que não diligenciaram a constituição da sociedade, seja qual for o motivo. E a Empresa Simples de Inovação? Ora, ela não se submete a nenhum registro público e sequer precisa de ato constitutivo. O que os sócios fazem é, puramente, um “cadastro básico”, exata expressão do art. 65-A, §4º, da lei 123/06.
Os sócios, grifamos propositalmente. Em exorbitância ao poder regulamentar, o DREI criou, via Resolução10, a primeira sociedade unipessoal sem personalidade jurídica do mundo – permitam-nos essa força de expressão. Nem tudo cabe no papel: o art. 65-A, § 4º, da própria LC 123/06, afirma que o cadastro de submissão ao Inova Simples será preenchido pelos “titulares de empresa”.
Uma possível objeção a esse raciocínio seria a de que a Empresa Simples de Inovação poderia ser unipessoal quando cadastrada por uma pessoa jurídica. Essa realidade – afinal, é permitida pela Resolução11 e, naturalmente, pelo Portal da REDESIM – é mais uma criação contra legem, a teor do que preconiza o art. 65-A, § 4º, I, da lei 123/06, que só se refere a titulares com CPF – pessoas naturais, portanto.
Existem mais problemas, pois a única sociedade do Código Civil unipessoal, a sociedade limitada, demanda capital social e sua divisão em cotas (art. 1.055), enquanto a Empresa Simples de Inovação pode ser formalizada sem indicação de capital social12. Como assim?
Tanto o Empresário Individual13 quanto as sociedades14 necessitam designar o capital, para que este desempenhe, no mínimo, a função de produtividade na determinação dos resultados econômicos apropriáveis pelos respectivos titulares. Relembre-se que lucro é o valor que, dentro do patrimônio líquido, excede o capital. Não há como determinar o lucro sem partir da base do capital investido. Sem capital não se afere o resultado econômico, fim visado por toda atividade empresarial.
- Ora, mas se atividade começar simplesmente com uma ideia, vindo a se capitalizar depois?
Mesmo se a integralização for futura, o capital necessário para a operacionalização lucrativa da atividade precisaria ser declarado, por força do regramento-geral do direito societário ao qual a Empresa Simples de Inovação se remeteria – o regime jurídico das sociedades simples puras15.
A eventual não declaração do capital traz outro inconveniente: o Portal da REDESIM passa a indisponibilizar o campo de declaração das participações de cada sócio. Ausente um ato constitutivo ou um acordo parassocial, isso simplificaria algumas discussões futuras sobre exercício de direitos políticos e patrimoniais decorrentes da atividade da Empresa Simples de Inovação. Ao que tudo indica, o DREI confunde a necessidade de declaração de um capital
social – ainda que futuramente integralizado – com a desnecessidade de um capital inicial disponível no ato de cadastro. Não por acaso, a essa não declaração é feita no Portal da REDESIM pela marcação da seguinte opção: “Minha empresa ainda não possui Capital Social inicial”.
À luz das questões suscitadas, parece-nos que a regulamentação da importante Empresa Simples de Inovação carece de reformas aptas a lhe dar conformação legal frente à sua norma instituidora.
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1 Doravante, simplesmente, Resolução.
2 Doravante, simplesmente, Ofício.
3 https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/mapa-de-empresas
4 Até novembro de 2023.
5 https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/inova-simples
6 Art. 65-A, § 10, da LC nº 123/06.
7 Art. 3º, § 3º, inc. I, da Res. CGSIM nº 55/2020.
8 Art. 65-A, § 4º, inc. II, da LC nº 123/06.
9 Art. 65-A, § 4º, inc. IV, da LC nº 123/06.
10 Art. 3º, I.
11 Art. 3º, § 1º.
12 Item 20 das “perguntas frequentes” disponíveis no endereço oficial https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/inova-simples/preciso-de-informacoes/perguntas-frequentes combinado com o item 12 do Ofício Circular SEI nº 4767/2022/ME, do CGSIM.
13 Art. 968, inc. III, do Código Civil.
14 Art. 1.052; 1.054; 997, inc. III, do Código Civil.
15 Considerada uma sociedade não-personificada, poderíamos usar, por analogia, a remissão feita pelo art. 986/CC – sociedades em comum – ao regime geral das sociedades simples puras. Por razão diferente, assim também entendeu o próprio DREI – item 8 do Ofício Circular SEI nº 4767/2022/ME, do CGSIM.