O princípio da dignidade da pessoa humana é defendido pela Constituição Federal, em seu artigo 1°, inciso III.
Através deste, o Estado garante a todas as pessoas o que também é previsto na Constituição Federal, em seu artigo 5°, que diz:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”
De forma resumida, o Estado garante a inviolabilidade do direito à vida, ou seja, com isso não é permitido que a vida do ser humano seja decidida por qualquer outra, devendo esta ser protegida e respeitada, para tanto, é dever do Estado promover o direito à segurança dos cidadãos e o direito de liberdade que apenas é retirado daquele que comete ato ilícito, indo contra o previsto na Constituição.
No momento em que um ser humano comete ato doloso contra a vida de outro ser humano, o Estado entra em ação através do que chamamos de um inquérito para investigar o ocorrido, concedendo o direito de igualdade, em que o acusado poderá se defender, no entanto, ao final do processo criminal, sendo o acusado condenado, este perderá o direito à liberdade, pois violou o direito à vida, tendo o Estado atuado como protetor desse princípio, fazendo com que aquele que causou o dano pague pelo crime cometido.
Mas até que ponto pode o Estado se intrometer na vida de uma pessoa?
De forma resumida e clara, até que ponto a inviolabilidade do direito à vida, anda junto com o princípio da dignidade da pessoa humana e até onde o Estado pode ir sem interferir nesse princípio?
Antes de adentrarmos nesse mérito, é preciso primeiro entender o que é a eutanásia.
Segundo o dicionário, para a medicina a eutanásia é o ato de proporcionar morte sem sofrimento a um doente atingido por afecção incurável que produz dores intoleráveis e para a esfera jurídica a eutanásia é o direito de causar a morte em alguém ou de morrer por esse propósito.
Em outras palavras a eutanásia é uma morte assistida provocada pelo consentimento da própria pessoa dada as circunstancias em que essa se encontra ou pelo consentimento de seus parentes, pelo mesmo motivo.
No Brasil a eutanásia é considerada crime de homicídio, visto que vai contra a nossa Carta Magna, no entanto, em alguns países como Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Suíça e Canadá, a prática é permitida por lei. Recentemente também passou a ser permitido na Colômbia e Espanha por entendimento da Suprema Corte.
Você deve estar se perguntando, ora, mas se a eutanásia é considerada crime no Brasil, porque o suicídio também não seria?
A resposta é bem simples, porque não há como imputar crime nos casos de suicídio, pois como iria punir alguém que provavelmente está morto por ter cometido o suicídio e se este sobreviveu cabe encaminhar para que possa receber ajuda psiquiátrica.
Afinal, somos livres para ir e vir e isso inclui sermos livres para tomarmos decisões. No entanto, quando falamos de eutanásia, estamos falando de uma morte indolor, assim diz a medicina, portanto, é impossível praticá-la sem o auxílio médico.
Desse modo, diferentemente do suicídio que não há como imputar a responsabilidade a outra pessoa, desde que não tenha sido influenciada por outro a tomar essa decisão, mas sim, partindo da tese em que o suicida foi o único responsável pelo seu ato, a eutanásia não.
Em todos os países em que é permitido a eutanásia não basta apenas a vontade da pessoa que se submeterá ao procedimento ou a vontade de seus familiares.
Para que seja autorizado a eutanásia, primeiramente é feito o pedido pelo paciente ou seus familiares (estes que apenas entram quando parte da chamada eutanásia involuntária que é quando o paciente está incapacitado de opinar, como por exemplo estando em coma). O pedido deve ser feito de forma escrita e reafirmado após quinze dias, pelo qual será avaliado pelo corpo médico e submetido a uma comissão para avaliação e assim, deferir ou indeferir o pedido.
Vale ressaltar que a forma em que deve ser feito o pedido varia para cada país, no entanto, todos são claros em relação ao motivo de conceder a eutanásia, sendo certo que para a sua concessão o indivíduo deve ser portador de doença grave e incurável ou crônica e incapacitante, evitando assim, sofrimentos intoleráveis para si e seus familiares.
O cinema, inclusive aborda o tema da eutanásia de uma forma muito emocionante, a exemplo trago dois casos:
O filme “Mar adentro”, que conta a história real do Espanhol Ramon Sampedro, que com apenas vinte e cinco anos de idade, sofreu um acidente ao fazer um mergulho e bater de cabeça em uma pedra, ficando tetraplégico pelo resto de sua vida. Foi o primeiro cidadão de seu país a brigar na justiça pelo direito a eutanásia.
Um outro filme que relata bem o tema é um mundialmente conhecido por ser inclusive um best-seller, se chama “Como eu era antes de você”, esse trata-se de uma ficção, no entanto, é clara a briga para conseguir a morte assistida pela eutanásia, que nesse caso, diferente do primeiro, não existe uma oposição jurídica para que a mesma ocorresse, mas sim uma oposição familiar e religiosa, onde o indivíduo se vê encurralado psicologicamente sobre algo que ele já decidiu, no entanto, outras pessoas, ainda que seus familiares, parentes de primeiro grau como sua mãe e pai se opõem por medo, por saudade e até mesmo um pouco de egoísmo em não deixar partir aquele que não quer mais ficar ali, pois ele não mais se via como uma pessoa viva, como o próprio personagem explica no filme, ele morreu no dia em que ficou tetraplégico, estando ali apenas o seu corpo contra a sua vontade.
Aqui no Brasil, na verdade, não há o que se falar em eutanásia em casos que ocorram a “morte supervisionada” ainda que seja a pedido do próprio paciente
e este esteja acometido por doença grave e incurável ou crônica e incapacitante. Quem mata um doente por compaixão, ainda que seja com o intuito de acabar com o sofrimento dele e a pedido dele, comete crime de homicídio privilegiado, e não eutanásia.
Por outro lado, vale ressaltar que é permitido no nosso País o que chamamos de ortotanásia, que nada mais é do que deixar a morte seguir seu próprio curso ao invés de prolongar a vida do paciente que já se encontra em estado terminal com medicamentos e tratamentos que este não deseja.
A ortotanásia é regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina brasileiro, por meio da Resolução 1.805/06 e validada pela Justiça Brasileira.
Tudo isso, deixa a conclusão de que não é bem que o Estado atual queira intervir no princípio da dignidade humana com a negativa da eutanásia no Brasil, mas sim que ele não pode ir contra a lei maior que é a Constituição Federal, pois adotar a eutanásia seria ir contra o artigo 1°, inciso III e artigo 5° da lei, o que não é permitido, ou seja, para que um dia a eutanásia venha a ser liberada no Brasil, primeiro precisa haver uma reforma da Constituição Federal, que tendo em vista todas as mudanças culturais que tivemos desde 1988, não é algo impossível de vir a acontecer, assim como ocorreu com o CPC que teve duas alterações ao longo do tempo, tendo sido o primeiro código escrito em 1939, outro em 1973 e, por fim, o mais recente em 2015.