No mundo contemporâneo, assistimos a uma fascinante metamorfose financeira: a criação de riqueza além do patrimônio líquido tangível. Hoje, este fenômeno se manifesta de forma mais notória no setor de criptomoedas e no valor de mercado das empresas. Curiosamente, estima-se que exista pelo menos 700% mais dinheiro no mundo do que bens físicos disponíveis para compra. Tal disparidade sugere uma reflexão profunda sobre o que realmente constitui valor na economia moderna.
Enquanto o mercado vibra com essa dinâmica intangível, o mundo jurídico oferece uma possibilidade estável e tangível. Precatórios, por exemplo, têm atrelados índices de correção baseados em critérios objetivos e previsíveis. Não é exagero dizer que esses ativos, decorrentes de condenação judicial transitada em julgado contra o Estado, cumprem os requisitos do chamado "padrão ouro", em que o valor intrínseco e tangível é primordial. Em que pese conviverem com o risco de "canetadas legislativas", não estão sujeitos à mesma volatilidade das percepções de mercado, permanecendo ancorados em realidades jurídico-financeiras concretas.
Curiosamente, o precatório está longe de gozar do mesmo "prestígio" que, por exemplo, as criptomoedas. Não sem alguma razão, que fique claro. A conhecida demora no pagamento pelo Estado é principal razão para justificar a antipatia que se tem em relação a esses títulos — principalmente por parte dos credores. Mas quando se fala de oportunidade de negócios, ideias pré-concebidas não são boas conselheiras.
Coloquemos a bola no chão. O precatório existe no mundo, impresso em papel timbrado e registrado em cartório. O Estado demora a pagar, mas paga. O credor interessado em vender pode fazê-lo com todo amparo legal. Quem deseja adquiri-lo, idem. O deságio é o preço a ser pago por quem busca liquidez na venda e por quem assume o risco de esperar o pagamento na compra. De forma mais prática, a legislação ainda oferece a possibilidade de empresas usarem estes precatórios adquiridos de terceiros para quitar impostos.
Nenhuma empresa deixa de fazer um bom investimento, seja na construção de uma nova fábrica ou na ampliação do quadro de funcionários, se houver certeza sobre a possibilidade de retorno — mesmo que demore alguns anos. E no caso de precatórios, todos os riscos são calculados (e precificados) em bases tangíveis, o que garante uma análise segura e consciente.
Agora voltemos às criptomoedas. Estas moedas digitais, desprovidas de forma física ou lastro convencional, exemplificam como a confiança e o sentimento podem gerar riqueza a partir do "nada". Elas flutuam em valor baseadas não apenas em sua utilidade prática, mas também em percepções coletivas e especulações de mercado. Paralelamente, o valor de mercado das empresas frequentemente ultrapassa seu patrimônio líquido contábil. Tal fenômeno reflete expectativas futuras (que podem não se confirmar), a percepção de marca, e a confiança do investidor, em vez de apenas ativos físicos e financeiros.
Claro que todas as oportunidades de negócio aqui são legítimas e devem ser estimuladas: sejam os precatórios, ou as criptomoedas, ou as ações. Mas cabe a reflexão sobre como esta dicotomia entre os valores tangíveis e intangíveis reflete uma mudança fundamental na economia global. O que antes era estritamente definido pela posse física e pela riqueza material, cada vez mais abrange conceitos de valor mais abstratos e subjetivos. Este fenômeno não apenas desafia nossa compreensão tradicional de economia e finanças, mas também abre caminho para inovações e oportunidades para todos os mercados.
Criação de riqueza entre o tangível e o intangível
O cenário financeiro contemporâneo evidencia a criação de riqueza além do patrimônio tangível, visível nas criptomoedas e no valor de mercado das empresas, levantando questionamentos sobre o verdadeiro valor na economia. Enquanto isso, ativos estáveis como os precatórios, baseados em critérios objetivos, representam uma forma tangível de valor no mundo jurídico.
22/12/2023