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Benefício de prestação continuada da lei orgânica da assistência social: ilegalidades da portaria INSS 1.635/23

A Portaria INSS 1465/2023 traz várias ilegalidades em face do art. 20, § 14, da Lei Orgânica de Assistência Social.

20/12/2023

Em 14.12.23 foi publicada a Portaria INSS 1.635, que altera a Portaria INSS 1.380/21, a qual possui como escopo a regulamentação de alguns aspectos da gestão do Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social - BPC/LOAS.

O texto da Portaria é bem breve, e será transcrito adiante, para melhor compreensão do tema:

Art. 1º A Portaria PRES/INSS 1.380, de 16 de novembro de 2021, publicada no Diário Oficial da União 216, de 18 de novembro de 2021, Seção 1, pág. 186, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 3º-A. Em caso de acumulação de benefícios por um mesmo titular, para fins de aplicação do disposto no § 14 do art. 20 da lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993, deverá ser desconsiderado no cálculo da renda familiar mensal per capita a renda proveniente de um único benefício de prestação continuada de natureza assistencial ou previdenciária, cujo valor não ultrapasse o salário mínimo.

§ 1º A previsão do caput aplica-se aos casos de concessão de benefício de prestação continuada de natureza assistencial à outra pessoa idosa ou com deficiência do mesmo grupo familiar.

§ 2º As disposições contidas no caput e no § 1º são aplicáveis aos novos requerimentos e àqueles pendentes de análise na data da publicação desta Portaria, inclusive aos casos de revisão e recurso.”

O art. 3º-A, trazido pela Portaria INSS 1.465/23 com o intuito de regulamentar o art. 20, § 14, da lei 8.742/93, acaba por restringir indevidamente seu alcance. Para que esse raciocínio fique evidenciado, cumpre transcrever o dispositivo legal mencionado:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. 

§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo.

A redação desse dispositivo legal é muito clara no sentido de que BPC concedido no âmbito do mesmo núcleo familiar, para a pessoa idosa ou pessoa com deficiência, não será computado para o cálculo da renda mensal familiar (deixando de impactar no percentual de ¼ de salário mínimo). Ademais, verifica-se que o art. 20, § 14, não estabelece qualquer tipo de limitação numérica quanto aos BPC que sejam deduzidos do cálculo da renda mensal familiar.

Ocorre que é justamente esse o condão da inovação trazida pela Portaria 1.465/23, que passa a permitir a dedução de um único BPC concedido no mesmo núcleo familiar em relação ao cômputo da renda familiar mensal. Reproduzamos novamente o indigitado dispositivo regulamentar:

Art. 3º-A. Em caso de acumulação de benefícios por um mesmo titular, para fins de aplicação do disposto no § 14 do art. 20 da lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993, deverá ser desconsiderado no cálculo da renda familiar mensal per capita a renda proveniente de um único benefício de prestação continuada de natureza assistencial ou previdenciária, cujo valor não ultrapasse o salário mínimo.

A determinação para dedução de um único BPC parece contrariar o art. 20, § 14, da lei 8.742/93, que autoriza a referida dedução e não aponta um limite numérico para que seja efetuada.

Possivelmente se pensou, na formulação dessa norma administrativa, na hipótese frequente de um casal de pessoas idosas de baixa renda, situação em que o BPC percebido por um cônjuge não deverá interferir na obtenção do BPC de outro. E, nesse caso, a norma trazida pela Portaria 1465/23 em nada interfere no permissivo legal.

Porém, quando se pensar na situação de uma família que possua dois ou mais filhos que sejam pessoa com deficiência, ou um núcleo familiar composto por uma pessoa idosa e uma pessoa com deficiência, todos recebendo o BPC, será nítida a limitação ilegal perpetrada pela Portaria 1465/23, que permite a dedução de um único benefício do cálculo da renda familiar e, assim, certamente irá obstar a concessão de um outro BPC para este mesmo núcleo familiar.

Ao ensejo, a Portaria 1465/23 extrapola o disposto no art. 84, inciso IV, da Constituição Federal, que estabelece o alcance do poder regulamentar.

Outro ponto que demanda atenção reside no § 2º do art. 3º-A, desta nova Portaria:

§ 2º As disposições contidas no caput e no § 1º são aplicáveis aos novos requerimentos e àqueles pendentes de análise na data da publicação desta Portaria, inclusive aos casos de revisão e recurso.

Em relação a este dispositivo, deve-se apontar que vêm travestido da ideia de que seria simplesmente um “novo procedimento” a ser adotado pelos servidores do INSS no curso da análise dos requerimentos administrativos de BPC/LOAS.

Todavia, a mera leitura do art. 3ª-A revela se tratar de nova interpretação dos requisitos para obtenção do BPC/LOAS, mais restritiva do que havia antes e, ademais, mais restritiva do que a própria Lei 8.742/1993, consoante demonstrado acima.

Assim, não pode valer para os processos administrativos pendentes de análise e que tenham sido iniciados anteriormente à publicação da Portaria 1.465/23, tampouco para aqueles que estejam na fase administrativa de revisão ou recurso. Isto porque a lei 9.784/99, que rege o Processo Administrativo Federal, impede a retroação de nova interpretação administrativa, sobretudo aquela mais gravosa ao administrado:

Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.

Essas ilegalidades flagrantes devem acarretar, muito provavelmente, a judicialização desta questão em torno do BPC, seja através de ações de rito comum, seja a partir da impetração de mandado de segurança.

Marco Aurélio Serau Junior
Diretor Científico do IEPREV - Instituto de Estudos Previdenciários.

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