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Uso de depósito judicial para pagar precatório federal é solução pendente de lei

A decisão do STF sobre depósitos judiciais para pagar precatórios gerou debates sobre a possibilidade da União fazer o mesmo, envolvendo aspectos constitucionais e técnicos complexos, já que não há autorização expressa para isso na legislação atual, exigindo uma possível mudança legislativa estruturada para respeitar os limites constitucionais.

5/12/2023

A recente decisão do STF, que autorizou o uso de depósitos judiciais por estados, municípios e o Distrito Federal para pagar precatórios, reacendeu a discussão sobre a possibilidade da União fazer uso do mesmo expediente. A questão, porém, envolve diversos aspectos técnicos e constitucionais. Inicialmente, é fundamental compreender a natureza dos depósitos judiciais: são valores depositados em juízo, relativos a litígios em andamento, e representam uma garantia para o cumprimento de futuras decisões judiciais. A utilização desses recursos pelo Poder Público, portanto, implica considerações sobre direitos de propriedade e segurança jurídica.

Do ponto de vista legal, a União não possui autorização expressa, similar à concedida aos estados e municípios pela lei Complementar 151/15, para usar depósitos judiciais no pagamento de precatórios. A extensão dessa permissão à União exigiria uma mudança legislativa, com a aprovação de uma nova lei complementar pelo Congresso Nacional. Tal mudança deveria ser cuidadosamente estruturada para respeitar os limites impostos pela Constituição, especialmente no que diz respeito aos direitos dos depositantes e às regras de execução fiscal.

Do ponto de vista constitucional, a utilização de depósitos judiciais pela União para pagamento de precatórios enfrentaria desafios significativos. A Constituição Federal estabelece regras claras sobre a execução de dívidas pela Fazenda Pública, incluindo o regime de precatórios. Qualquer tentativa de alterar esse regime para incluir a utilização de depósitos judiciais teria que passar pelo crivo de constitucionalidade do STF, que já se posicionou sobre a matéria em contextos semelhantes. Na ADIn 1.933, por exemplo, a Corte validou a lei 9.703/98, que autoriza a União a usar os depósitos judiciais e extrajudiciais relativos a tributos e contribuições federais, até que venha decisão desfavorável ao erário — mas nada foi dito sobre precatórios.

Adicionalmente, a viabilidade prática de tal medida também precisa ser considerada. Os depósitos judiciais não são um recurso ilimitado e estão vinculados a processos específicos. Utilizá-los para o pagamento de precatórios federais poderia gerar um déficit nesses recursos, afetando a capacidade do Judiciário de garantir o cumprimento de suas decisões. Além disso, a medida poderia ter impactos significativos sobre a percepção de risco no sistema jurídico brasileiro, afetando a confiança dos investidores e a estabilidade financeira.

É importante considerar ainda as implicações fiscais e econômicas de uma política que permita à União acessar depósitos judiciais para o pagamento de precatórios. O equilíbrio orçamentário da União é um aspecto crucial para a estabilidade econômica do país, e qualquer medida que possa afetar esse equilíbrio deve ser avaliada com cautela. A transparência e a responsabilidade fiscal seriam fundamentais nesse processo, garantindo que os direitos dos cidadãos e a saúde financeira do país sejam preservados.

Essa é uma questão válida para ser debatida pelo Congresso Nacional. Mais do que auxiliar a União a pagar suas dívidas, uma política bem organizada do uso dos depósitos judiciais, poderia garantir a milhares de pessoas, finalmente, o direito a indenizações e ressarcimentos, obtidos depois de décadas de longos processos judiciais. Afinal, o pagamento de dívidas é uma questão de Justiça, refletindo a integridade e a confiabilidade do Estado perante seus cidadãos e credores.

Pedro Paulo Corino da Fonseca
Mestre em Direito pela PUC-SP, professor, palestrante e sócio do Corino Advogados.

Mairrana Maia
Especialista em Direito Administrativo com atuação em tribunais superiores e sócia da Maia Advocacia.

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