Desde 2018 legalizadas, as apostas de quota fixa aguardam regulamentação, institucionalizando um mercado que vem se consolidando desde a lei 13.756. Essa etapa está prestes a ser vencida, com a aprovação iminente do PL 3.626 e a subsequente regulamentação pelo Ministério da Fazenda.
Em cinco anos, as apostas de quota fixa viveram momentos mais e menos alvissareiros – desde ataques assertivos até a certeza de que, bem regulamentadas, trazem benefícios, especialmente pela perspectiva arrecadatória do governo e pelo controle do jogo ilegal.
Atualmente, após aprovação pela Câmara dos Deputados, o PL 3.626/23 é discutido no Senado Federal com mais de 70 emendas. A tramitação do PL – e, de modo geral, a discussão sobre as apostas – é cercada, de um lado, por componentes alheios à discussão jurídica-institucional, com matizes de ordem ideológica, e, pelo outro, pelo intenso apetite por mais receitas aos cofres públicos. Nos dois casos, afasta-se o debate daquilo que é relevante e, pior, compromete-se o benefício que a regulamentação do setor traria ao país.
É óbvio que o jogo precisa ser regulamentado, com medidas de proteção ao apostador e de prevenção à ludopatia, mas as apostas, não apenas de quota fixa, já são uma realidade no Brasil. Imaginar que a regulamentação da lei 13.756/18 seria uma afronta à economia popular, portanto, é um exagero, justificável apenas em demagogia ou em preceitos alheios à ordem jurídica.
Da mesma forma, não é equivocado pensar em formas de aumentar as receitas públicas, mas a linha que separa essa boa intenção de um confisco é muito tênue. E, no afã de colher mais recursos, pode-se mesmo desestimular a sua prestação e, por conseguinte, a arrecadação esperada. Algumas proposições legislativas parecem ignorar a avaliação dos fatos e são, em muitos aspectos, puramente ideológicas.
Algo que precisa ficar claro é que as empresas de apostas esportivas não são um “negócio da china”, como parece sustentar a ideologia reinante. Apesar de receita relevante, os prêmios pagos também o são, e essas empresas ainda arcam com altos investimentos em tecnologia – justamente, para diminuir o potencial risco de manipulação e para a proteção do ambiente de apostas e dos seus usuários. O balanço de operadoras que são companhias abertas demonstra que muitas delas possuem um EBITDA bem inferior a outros mercados – algumas, inclusive, apresentam resultados negativos.
Defender que o desconto do Gross Gaming Revenue - (GGR – o resultado “receita menos prêmios”) seja o maior possível ignora que uma “taxação” maior tende a afastar as empresas mais comprometidas. Essas são, justamente, as que investem mais em segurança e em medidas de proteção aos apostadores e, portanto, trabalham com margens menores do que as que não precisam arcar com esses custos e realizar esses investimentos. Portanto, a despeito de pretender ganho financeiro, o aumento excessivo do desconto sobre o GGR compromete o resultado, ao estimular um mercado menor e, tanto pior, com empresas menos afeitas à higidez da prestação.
Diga-se que, no cômputo total, o desconto do GGR vem acompanhado do valor de “outorga” – R$ 30 milhões por cada site ou app – e pela taxa de fiscalização. A soma desses valores aumenta sensivelmente a arrecadação para a União, independentemente do quanto se aproprie do GGR.
Atualmente, estima-se um total de 250 empresas de apostas esportivas operando no Brasil. Com a regulamentação, esse número deve aumentar. Tome-se, então, uma estimativa conservadora de 300 empresas. Apenas com a outorga estabelecida, a arrecadação do governo alcançará R$ 9 bilhões.
Esse valor pode ser empregado pelo Ministério da Fazenda na implementação da estrutura de regulação e gestão das apostas – que já contará com a taxa de fiscalização. Além disso, o Ministério poderá, inclusive, fazer convênios com o Ministério da Saúde, responsável pelas ações de saúde mental e que poderia realizar ações e programas específicos de prevenção e combate à ludopatia. O orçamento integral da Rede de Atenção Psicossocial - RAP para 2023 é de apenas R$ 414 milhões, ou seja, menos de 5% da estimativa de arrecadação da outorga.
Enfim, é preciso relembrar que as apostas de quota-fixa são consideradas como serviço público e se submetem ao regime que disciplina a sua prestação, inclusive quanto à necessária segurança jurídica e à modicidade tarifária. Da mesma forma que não se cogita de valores desproporcionais de outorga em uma concessão de aeroportos, as outorgas para a prestação da quota fixa precisam observar a razoabilidade.
E não nos parece razoável a cobrança de outorgas individuais – por cada site ou app autorizado – com prazo de apenas três anos. O prazo é muito exíguo, especialmente para os investimentos que as empresas precisarão fazer em tecnologia e na implementação das estruturas de compliance e de atendimento ao usuário, tal qual predicado pelo PL.
Portanto, muito mais do que arriscar a regulamentação em prognósticos equivocados, melhor se ater aos fatos e aos objetivos que efetivamente tornarão as apostas de quota-fixa um mercado relevante ao desenvolvimento econômico e social para o país.