O artigo 27 do Código de Processo Penal dispõe que qualquer pessoa poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.
Esse instrumento processual é tecnicamente conhecido como notícia crime. Trata-se de documento que poderá ser formalizado pela própria vítima, ou por intermédio do seu advogado. Admite-se o anonimato, desde que o interessado apresente indícios mínimos da prática delitiva, de modo a viabilizar as diligências investigativas iniciais.
Em muitos casos, a despeito da boa-fé do autor da notícia crime, a investigação é arquivada em razão da inexistência de elementos probatórios mínimos que viabilizem o início de uma persecução criminal consistente. Isto é, quando o Ministério Público entende que a prova inquisitorial é inconsistente para dar início a uma persecução criminal, promove a remessa necessária da investigação ao seu órgão de supervisão, que poderá confirmar (ou não) a pretensão de arquivamento inicial:
Art. 28. Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação, na forma da lei. (Redação dada pela lei 13.964/19) (Vigência) (Vide ADI 6.298) (Vide ADI 6.300) (Vide ADI 6.305)
Portanto, se a instância revisora do Ministério Público concordar com as razões invocadas na decisão de arquivamento da investigação, o caso é definitivamente arquivado. De forma contrária, se discordar da fundamentação de arquivamento, determinará que o caso seja reaberto, e designará outro membro do Ministério Público para dar prosseguimento à investigação.
A reabertura do caso não significa que o órgão Ministerial estará obrigado a oferecer uma ação penal, uma vez que o oferecimento de denúncia deve respeitar a regra contida no artigo 41 do CPP:
Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.
Aliás, de acordo com o artigo 30, da lei 13.689, de 5 de setembro de 2019, se a denúncia for oferecida sem a existência de indícios mínimos de infração penal, o membro do Ministério Público que propôs a ação penal apócrifa poderá ser responsabilizado pelo crime de abuso de autoridade:
Art. 30. Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente: (Promulgação partes vetadas)
Pena - detenção, de 1 a 4 anos, e multa.
É importante destacar que se a notícia crime for utilizada como método de represália a desafeto, o autor desse requerimento doloso poderá ser enquadrado no delito de denunciação caluniosa previsto no artigo 339 do Código Penal. Aliás, se o autor da notícia crime ideologicamente falsa se utilizou do anonimato ou de nomes fictícios para esse fim, poderá ter a reprimenda agravada, conforme o §1º do artigo 339 do Código Penal:
Art. 339. Dar causa a` instauração de inquérito policial, de procedimento investigatório criminal, de processo judicial, de processo administrativo disciplinar, de inquérito civil ou de ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime, infração ético-disciplinar ou ato ímprobo de que o sabe inocente: (Redação dada pela lei 14.110/20)
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.
§ 1º - A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto.
O artigo 129 da Constituição Federal dispõe que o Ministério Público promoverá, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei. Isso quer dizer que, em regra, a ação penal pública só poderá ser processada caso seja apresentada pelo órgão Ministerial. Caberá, portanto, ao Ministério Público fazer juízo prévio de admissibilidade acusatória, de modo a evitar a instauração desnecessária de ação penal.
O artigo 45 da lei Complementar 75, de 20 de março de 1993 estabelece que o Procurador-Geral da República é o Chefe do Ministério Público Federal. Portanto, é dele a palavra final sobre a viabilidade acusatória de qualquer infração penal cuja competência apuratória é atribuída aos processos que tramitarão perante as instâncias superiores –STF, STJ e TSE.
Logo, como o Procurador-Geral da República e os Subprocuradores-Gerais da República, que atuam por delegação do PGR, são, em tese, a última instância do Ministério Público Federal e, portanto, possuem a última palavra sobre a viabilidade acusatória, quando esses membros do MPF entendem que não há motivos para promover uma acusação criminal contra pessoas que, em regra, possuem foro perante os Tribunais Superiores, é obrigação de o órgão judicante atender a esse pedido, para determinar o arquivamento do apuratório.
Confira os seguintes trechos extraídos de julgados ocorridos no STJ:
O pedido de arquivamento feito pela Subprocuradoria-Geral da República - por não ter sido identificado nenhum elemento de informação, mínimo que seja, a justificar a instauração de procedimento investigatório criminal - deve ser prontamente deferido, sendo descabida a aplicação do art. 28 do Código de Processo Penal. Precedentes. (AgRg na Sd n. 811/MG, relatora Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 6/10/21, DJe de 18/10/21.)
Se o Senhor Vice Procurador-Geral da República oficia no presente feito por delegação do douto Procurador-Geral da República e entende não existir elementos que justifiquem o oferecimento da denúncia, não cabe ao colendo Superior Tribunal de Justiça objetar ao pretendido arquivamento. (NC n. 269/DF, relator Ministro Franciulli Netto, Corte Especial, julgado em 5/3/03, DJ de 23/6/03, p. 231.)
Tratando-se de suposta infração apurada mediante ação penal pública, o pedido de arquivamento das peças de informação formulado pelo Sub-procurador Geral da República, nos feitos de natureza criminal de competência originária do STJ, há de ser acatado, sendo de acolhimento obrigatório, não se aplicando o art. 28 do Código de Processo Penal. (AgRg na Sd n. 32/PB, relator Ministro Cesar Asfor Rocha, Corte Especial, julgado em 29/6/05, DJ de 5/9/05, p. 194.)
Portanto, se o objetivo da fase da investigação é colher provas relacionadas a crimes de ação penal pública incondicionada contra pessoas que possuem foro por prerrogativa de função, e se a última palavra sobre a viabilidade acusatória é prerrogativa do Procurador-Geral da república e dos Subprocuradores-Gerais da República que atuam por delegação do PGR, o arquivamento determinado por esses membros do Ministério Público Federal deve ser prontamente atendido pelo órgão judicante com atuação nos Tribunais Superiores.
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Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Lei Complementar nº. 75, de 20 de maio de 1993.
Lei nº. 13.689, de 5 de setembro de 2019.
Decreto Lei nº. 3.689, 3 de outubro de 1941.
Decreto Lei nº. 2.848, de 7 dezembro de 1940.
http://hdl.handle.net/11549/25085
AgRg na Sd n. 811/MG, relatora Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 6/10/21, DJe de 18/10/21.
NC n. 269/DF, relator Ministro Franciulli Netto, Corte Especial, julgado em 5/3/03, DJ de 23/6/03, p. 231.
AgRg na Sd n. 32/PB, relator Ministro Cesar Asfor Rocha, Corte Especial, julgado em 29/6/05, DJ de 5/9/05, p. 194.
Sd n. 632/DF, relator Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 29/11/17, DJe de 12/12/17.
Inq n. 967/DF, relator Ministro Humberto Martins, Corte Especial, julgado em 18/3/15, DJe de 30/3/15.
Sd n. 775/DF, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, julgado em 19/8/20, DJe de 26/8/20.
Sd n. 699/DF, relator Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 4/12/19, DJe de 9/12/19.
Sd n. 708/DF, relator Ministro Francisco Falcão, Corte Especial, julgado em 5/12/18, DJe de 12/12/18.
Sd n. 676/DF, relator Ministro Raul Araújo, Corte Especial, julgado em 5/9/18, DJe de 19/9/18.