“Tudo vale a pena se a alma não é pequena” …
(Fernando Pessoa, em Mar Português)
O Superior Tribunal Militar - STM, publicou no Diário da Justiça eletrônico - DJe de 28.08.2022, a sua Súmula 18, cujo teor é o seguinte:
“O art. 28-A do Código de Processo Penal comum, que dispõe sobre o Acordo de Não Persecução Penal, não se aplica à Justiça Militar da União”
Em face do advento da súmula, a Corregedoria da Justiça Militar1 produziu em 22/11/22 uma cartilha2, intitulada INAPLICABILIDADE DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL NA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO3, Informação Técnico-Jurídica destinada a apresentar o posicionamento considerado pacífico da Jurisprudência do Superior Tribunal Militar sobre o assunto, reconhecendo, entretanto, os esforços empreendidos pelos demais atores que operam na Justiça Castrense, em especial o Ministério Público Militar e a Defensoria Pública da União, no sentido de implementar medidas com a finalidade de realizar uma prestação jurisdicional cada vez mais célere e eficaz.
Ao tempo em que recordou que o STM é o Tribunal Superior mais antigo do país, instituído em 1808, e encontra-se em pleno funcionamento decorridos 200 anos de existência, mostrando que não está alheia aos avanços e mudanças fruto da natureza dinâmica das relações econômicas, sociais e culturais no Brasil, que, por consequência, acarretam grandes modificações no ordenamento jurídico, a referida cartilha concluiu, por fim, não carecer de admitir inovações que sejam incompatíveis com a própria natureza desta Justiça Castrense, com a criação de verdadeira lex tertia resultante de um hibridismo normativo que é manifestamente vedado pelo ordenamento pátrio, em face do princípio da especialidade.
O objetivo deste ensaio é analisar os principais pontos da Súmula 18 do STM e da Cartilha sobre a ANPP elaborada pela Corregedoria da Justiça Militar, mas convém destacar desde logo, o reconhecimento pelo órgão correicional dos esforços empreendidos pelos demais atores que operam nesta Justiça Castrense, em especial o Ministério Público Militar e a Defensoria Pública da União, no sentido de implementar medidas com a finalidade de realizar uma prestação jurisdicional cada vez mais célere e eficaz. Da mesma forma, há que se colocar dúvida [dúvida que sugere um debate mais aprofundado sobre o tema com os atores que transitam na justiça especializada] na conclusão de ser o ANPP uma das inovações incompatíveis com a própria natureza da Justiça Castrense. Este debate aprofundado, inclusive, deve abarcar quais são os efetivos limites do princípio da especialidade – e com ele, da chamada índole do processo penal militar.
De plano insta lembrar que os atos emanados da Corregedoria têm, de modo geral, um direcionamento que impacta de certa forma aos magistrados da Justiça Militar, já que representam o pensamento do órgão e, de consequência do tribunal. A sugerir uma espécie de cautela reverencial na aplicação do instituto, digamos assim, que não deveria, mas pode acontecer, em que pese estarem os magistrados, subordinados apenas à Lei e à sua consciência, estão cercados das garantias do art. 95 da Constituição Federal, e, ao decidir, devem observar o art. 927 e seus parágrafos, do Código de Processo Civil.
A cartilha sobre a inaplicabilidade do APP está rotulada como Informação Técnico-Jurídica. No dispositivo relacionado à competência do Corregedor da Justiça Militar (art. 14, da Lei 8457/1992), não existe previsão para a expedição de Informação Técnica- Jurídica, nem se diga que essa atividade estaria albergada pelo inciso IV do referido artigo, pois os provimentos ali previstos serão aqueles necessários ao bom funcionamento dos serviços que lhe incumbe fiscalizar, ou seja, os do inciso I: proceder às correições. Guardadas as devidas proporções, em nível de Ministério Público Militar, existe um órgão com tal competência, a Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Militar, que pode encaminhar informações técnico-jurídicas aos órgãos institucionais do Ministério Público Militar (LC 75/1993, art. 136, III), claro, visando promover a integração e a coordenação dos órgãos institucionais do Ministério Público Militar, mas sempre observado o princípio da independência funcional (LC 75/1993, art. 136, I), que é um princípio institucional do Ministério Público brasileiro (CF, art. 127, § 1º).
Passemos então, à análise dos pontos elencados pela referida Informação Técnico-Jurídica para defender a inaplicabilidade do ANPP na Justiça Militar:
- Confira aqui a íntegra do artigo.
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1 Lei 8457/1992, art. 12. A Corregedoria da Justiça Militar, com jurisdição em todo o território nacional, é exercida pelo Ministro Vice-Presidente do Superior Tribunal Militar.
2 No dito popular, rezar ou ler pela cartilha (de alguém ou de algum órgão), significa ter as mesmas convicções; seguir as ideias, as teorias, os métodos que ela encerra.
3 Disponível em STM - Corregedoria da Justiça Militar da União publica Informativo sobre Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), acesso em 13.05.2023.