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Condenação de jornalista no caso Mariana Ferrer desafia liberdade de expressão

Criminalizar uma jornalista por difamação em um contexto em que sua intenção é informar e não difamar pessoalmente é um passo perigoso que pode minar a integridade do jornalismo investigativo

22/11/2023

Na última sexta-feira, a 5ª vara Criminal de Florianópolis/SC proferiu uma sentença que reverbera não apenas nos corredores judiciais, mas também nas redações do país. A jornalista Schirlei Alves, responsável por reportagens veiculadas no site Intercept Brasil sobre o caso Mariana Ferrer, foi condenada a seis meses de detenção em regime aberto pela juíza Andrea Cristina Rodrigues Studer. A magistrada impôs, ainda, uma multa e reparação financeira totalizando um montante de R$ 400 mil ao juiz e promotor do caso. A justificativa da condenação foi a acusação de difamação, prevista no Código Penal, contra funcionário público, em razão de suas funções.

A liberdade de expressão, sendo um alicerce fundamental em uma democracia, desempenha um papel crucial na garantia da transparência, no escrutínio público e na preservação de uma sociedade informada. Contudo, é inegável que, assim como outros direitos constitucionais, a liberdade de expressão possui limites. No entanto, a delimitação desses limites deve ser feita com extrema cautela, especialmente quando se trata de criminalizar jornalistas que desempenham o importante papel de informar a sociedade.

É necessário reconhecer que a imprensa desempenha um papel vital como um dos pilares do sistema democrático, atuando como um contrapeso ao poder, fiscalizando as ações dos governantes e expondo irregularidades. Ao criminalizar jornalistas, corre-se o risco de criar um ambiente onde o medo de represálias judiciais pode levar à autocensura, comprometendo a capacidade da imprensa de cumprir sua função primordial de servir como um guarda-chuva da sociedade.

Os limites da liberdade de expressão são frequentemente pautados pela necessidade de evitar danos, como calúnias, difamações, e incitação à violência. No entanto, é crucial distinguir entre a responsabilidade de garantir a veracidade das informações e o papel legítimo dos jornalistas em expor fatos de interesse público. Criminalizar uma jornalista por difamação em um contexto em que sua intenção é informar e não difamar pessoalmente é um passo perigoso que pode minar a integridade do jornalismo investigativo.

Além disso, o episódio em questão levanta a questão sobre o poder e a independência do Judiciário. A imposição de penalidades severas contra jornalistas que investigam e questionam as instituições públicas pode criar um ambiente de intimidação, limitando a capacidade da imprensa de atuar como um contrapeso crítico ao poder judicial.

A juíza argumentou que a jornalista atribuiu ao juiz a utilização da tese inédita de “estupro culposo”, configurando, assim, o crime de difamação. A magistrada ressaltou as “consequências nefastas” da reportagem, afirmando que alcançaram “principalmente o público de todo o Brasil”. Convém recordar que o juiz do caso Mariana Ferrer foi advertido pela sua conduta inapropriada pelo CNJ. A reportagem em questão usou a expressão “estupro culposo” para se referir à tese do Ministério Público, esclarecendo posteriormente, em uma nota aos leitores, que a expressão foi usada para resumir o caso e explicá-lo ao público leigo.

Em uma sociedade democrática, é essencial buscar um equilíbrio entre a preservação da liberdade de expressão e a proteção de outros direitos, como a honra e a privacidade. No entanto, é vital que qualquer restrição à liberdade de expressão seja proporcional e estritamente necessária para atingir um objetivo legítimo, sem comprometer a função essencial da imprensa na construção de uma sociedade informada e participativa. A controvérsia em torno da condenação da jornalista no caso Mariana Ferrer destaca a importância de um diálogo contínuo sobre essas questões, buscando um equilíbrio que preserva a integridade do jornalismo enquanto respeita os limites necessários para uma convivência democrática harmoniosa.

Melina Fachin
Advogada sócia de Fachin Advogados Associados.

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