Criou-se uma obsessão de afirmar que sociedades de advogados pagam pouco tributo e devem pagar mais. Não sei exatamente de quem estão falando aqueles que assim alegam, mas vamos tentar abordar o tema de maneira bastante didática.
Em primeiro lugar, tem-se que é atividade privativa do advogado a postulação a órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais, assim como o exercício de atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas. O advogado deve, para exercer a sua atividade,?ter capacidade civil, diploma ou certidão de graduação em direito obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada, título de eleitor e quitação do serviço militar, aprovação em Exame de Ordem, não exercer atividade incompatível com a advocacia, idoneidade moral e prestar compromisso perante o conselho.
A Lei Federal nº 8.906/94 (artigo 15 do Estatuto da Advocacia - EOAB) autoriza os advogados a reunirem-se em sociedade simples de prestação de serviços de advocacia ou constituir sociedade unipessoal de advocacia, mas as procurações devem ser outorgadas individualmente aos advogados que dela fizerem parte, podendo indicar, a título informativo, a respectiva sociedade.
Justamente por ser atividade realizada pessoalmente pelo advogado mandatário é que, além da sociedade, o sócio e o titular da sociedade individual de advocacia respondem subsidiária e ilimitadamente pelos danos causados aos clientes por ação ou omissão no exercício da advocacia, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar em que possam incorrer (artigo 17 do EOAB).
É esse o ponto inicial. O advogado é quem presta o serviço de advocacia, possui habilitação para fazê-lo e responde pessoalmente pelos atos praticados. A sociedade de advogados viabiliza a reunião de profissionais para dividirem custos e ganhos, complementarem o atendimento dos clientes em suas respectivas áreas de atuação, sem jamais perder a pessoalidade dos serviços sabidamente intelectuais. Para efeitos tributários, pouco deveria importar o arranjo jurídico escolhido pelo advogado para o exercício da atividade.
Os advogados que atuam como autônomos, nas suas pessoas físicas, pagam até 27,5% de Imposto de Renda (IR), além de contribuições individuais ao INSS. São isentos do imposto sobre serviços em alguns municípios e pagam valores e alíquotas diferenciadas a depender de onde estejam estabelecidos. É idêntico a qualquer outro trabalhador autônomo.
Aqueles que exercem a advocacia reunidos em uma sociedade submetida ao regime simplificado (Simples) pagam nominalmente entre 4,5% e 33% sobre as suas receitas (Anexo IV da Lei Complementar nº 123/06), progressivamente, a depender da faixa de receita obtida. Além disso, também devem arcar com a contribuição previdenciária patronal. Logo, pagam menos do que os seus concorrentes que atuam como pessoas físicas, podendo submeter-se a uma alíquota real máxima equivalente a 15,75% sobre as suas receitas (33% sobre a receita máxima admitida no Simples de R$ 4.800.000,00, deduzidas as parcelas correspondentes à progressividade de faixas de incidência).
Os advogados que atuam em forma de sociedades sob o regime do lucro presumido pagam até 25% de IR e 9% de CSLL, totalizando 34% sobre toda renda auferida (receitas descontadas as despesas necessárias para produzi-la). Além disso, pagam 3,65% de PIS e Cofins sobre a receita bruta auferida, o que acaba por representar o equivalente a uma carga real de 11,40% sobre a renda (receita bruta menos as despesas). Leva-se em consideração, para esse cálculo, uma margem de lucro (renda) estimada pela própria lei em 32% sobre a receita. A este valor some-se a contribuição ao INSS sobre a folha de pagamento dos seus funcionários e o Imposto sobre Serviços em valor fixo por profissional.
Para os que atuam em sociedades tributadas pelo lucro real é ainda pior. Pagam os mesmos 34% sobre a renda que lhes sobra após pagar as despesas necessárias ao exercício da atividade, além de 9,25% de PIS e Cofins sobre as suas receitas brutas. Este PIS e Cofins admite alguns poucos créditos (algo em torno de 6% das receitas são aptas a gerar créditos compensáveis de PIS e Cofins), de modo que o impacto real de PIS e Cofins sobre as suas rendas líquidas é na ordem aproximada de 27%. Ao final, sobre o que lhes sobra (receitas menos as despesas), o IR, a CSLL, o PIS e a Cofins subtraem-lhe 61%, sobrando 39% do lucro (renda) para distribuição aos seus profissionais.
Os valores que resultam como lucro líquido das sociedades de advogados são entregues aos seus sócios advogados isentos de nova tributação. E a razão é bem simples: é este resultado que compõe a renda do advogado que optou por atuar reunido em uma sociedade, nada divergindo da renda que faria jus na hipótese de atuar como pessoa física, relembrando que é a pessoa física que é habilitada para o exercício da profissão e, diferentemente das demais sociedades, responde pessoalmente e ilimitadamente por seus atos profissionais.
Em suma e comparativamente, deve-se ter como premissa que a renda líquida do advogado pessoa física deveria ter a mesma carga tributária da renda que aufere mediante o exercício da atividade em sociedade. E esta renda é, evidente, o lucro líquido da sociedade que participa, já nela tributado, e obviamente distribuído sem nova e redundante tributação.
Mas, na prática, tem-se que a renda líquida do advogado (não confundida com receita bruta das suas sociedades) são estimadas em patamares próximos aos de 27,5% na pessoa física, 15,75% nas sociedades sujeitas ao Simples, 45% nas sociedades submetidas ao lucro presumido e 61% nas sociedades submetidas ao lucro real. Poucas atividades pagam mais tributos sobre a renda do que os advogados reunidos em sociedades submetidas ao lucro presumido e ao lucro real.
Em linhas gerais, os que insistem em afirmar que as sociedades de profissões regulamentadas pagam poucos tributos sustentam o seu argumento em 3 erros crassos: o primeiro, levam em conta as alíquotas dos tributos calculadas sobre a receita bruta (e não sobre a renda líquida), partindo da irreal premissa de que o exercício da advocacia por profissionais reunidos em sociedade não possui elevadíssimas despesas necessárias; o segundo, é levar em conta apenas algumas poucas exceções caracterizadas por sociedades de um ou dois advogados que podem mesmo ter pouquíssimas despesas e, nesta condição, aproveitam a benéfica margem do lucro presumido, deixando de atentar que sociedades médias e grandes possuem margem líquida invariavelmente muito próxima àquela margem de presunção prevista em lei; o terceiro, é ignorar que são as empresas que atuam no Simples não apenas da advocacia, que possuem um tratamento diferenciado e favorecido previsto pelo Constituição Federal de 1988 por escolha política e que muitos outros benefícios trouxeram a formalização da atividade antes extremamente informal (formalização da empresa, dos empregado e pagamento de tributos antes inexistente).
Qualquer tentativa de atacar a atividade ao falacioso argumento de que poucos tributos pagam deve levar em conta esta realidade, especialmente a equivocada confusão entre “receita” e “renda” utilizada pelas comparações rotineiramente suscitadas.
A oneração da atividade por alíquotas maiores de novos tributos ou, especialmente, a futura tentativa de tributar dividendos desta categoria sem reduzir proporcionalmente o IRPJ da sociedade, representa um atentado à razoabilidade, proporcionalidade, isonomia e ao não confisco.
Isso não impede que medidas pontuais sejam adotadas para corrigir distorções, como a avaliação da pertinência na margem presumida atual para todas as atividades ou até, quiçá, a tributação de renda distribuída (dividendos) naquilo que exceder a renda já tributada na pessoa jurídica, especialmente os dividendos de resultados que sobejarem a margem presumida acumulada no período. Isso acabaria, a bem da verdade, com a própria sistemática do lucro presumido, em detrimento da simplificação e da neutralidade, empurrando sociedades para um rearranjo da atividade mediante fracionamento em sociedades menores submetidas ao Simples ou até a despejotização total da atividade. Um retrocesso que precisa ser alertado!