No final de outubro passado, o STF começou a decidir sobre a possibilidade das pessoas maiores de 70 anos terem liberdade para escolher o regime de bens em seus casamentos e uniões estáveis.
A citada decisão gira em torno do artigo 1.641, inciso II, do Código Civil, que prevê como obrigatório o regime da separação total de bens para casamentos em que um dos noivos, ou ambos, tenha mais de 70 anos.
Tal regime também tem sido aplicado às uniões estáveis, muito embora o art. 1.725, também do Código Civil, inequivocamente estabeleça o regime da comunhão parcial àquelas que não disponham expressamente sobre regime de bens.
A obrigatoriedade do regime obrigatório era de 60 anos até a edição da lei 12.344/10, que a aumentou para 70 anos em razão do aumento da expectativa de vida da população.
Finalmente a questão veio à baila, e em verdade já com demora.
A justificativa para a restrição está calcada numa visão paternalista das pessoas idosas, que as reputa quase como incapazes, inaptas para a tomada de decisões sobre seu patrimônio e facilmente sujeitas a golpes de natureza amorosa e sentimental – os chamados “golpes do baú”.
O que tal artigo determina é uma verdadeira interdição parcial ex lege (legal), o que não se pode admitir, especialmente no contexto pós edição do Estatuto do Idoso, que assentou a prioridade às pessoas idosas e não discriminação.
Se a pessoa maior de 70 anos pode vender, comprar, praticar negócios jurídicos de toda sorte – inclusive a título gratuito, como doação e comodato – e exercer livremente sua vontade sobre seu patrimônio, porque haveria de ser diferente quanto às decisões sobre o casamento e a união estável?
Há que se ter em mente, também, que embora possam ter reflexos no âmbito patrimonial, o casamento e a união estável são institutos eminentemente ligados aos direitos personalíssimos dos indivíduos de se autodeterminarem em seus relacionamentos e afetos da forma que melhor lhes convier. A restrição patrimonial, portanto, alcança um negócio cuja essência não é patrimonial, mas sim afetiva.
Ao privar os septuagenários de livremente decidirem sobre as consequências patrimoniais de suas uniões ou matrimônios, presume-se também que qualquer matrimônio ou união estável que se inicie a partir desta idade seja, em verdade, uma tentativa do outro envolvido de amealhar patrimônio mais adiante, através de um divórcio ou por herança.
Trata-se de uma presunção odiosa, por assentar que o maior de 70 anos não está apto a repudiar uma união interesseira, e também porque ignora que como qualquer outra pessoa, ao maior de 70 anos não deveria ser vedado, se assim o desejar, contrair uma união que sabe ter por objetivo um benefício financeiro.
A situação deixa também de dar guarida a casais em que ambos são septuagenários ou em que um deles o é e o outro é apenas um pouco mais jovem.
E mais: se a lei supõe que os matrimônios envolvendo maiores de 70 anos decorrem de interesse financeiro, deveria em verdade proibir os matrimônios, e não disciplinar as consequências patrimoniais da união, permitindo que a pessoa seja vítima de um golpe afetivo mas assegurando que seu patrimônio não seja afetado. A disposição expressa, portanto, uma visão extremamente patrimonialista, em detrimento do sujeito que ali se encontra e que a lei reputa vulnerável.
E assim a apreciação do assunto vem em boa hora e espera-se que, ao fim, o STF reconheça a inconstitucionalidade da restrição e assegure a todos, independentemente da idade, o direito de casar ou de unir-se conforme desejarem e com as consequências patrimoniais que entenderem melhores para si.