Com o advento da Emenda Constitucional 114/21, em específico do art. 107-A dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, que decretou o início da limitação imposta nas propostas orçamentárias, quanto aos pagamentos em virtude de sentença judiciária que trata o art. 100 da CRFB/88, chamados comumente de precatórios ou requisições de pequeno valor, diversos beneficiários foram frustrados pelo atraso no recebimento de seus créditos ficando à mercê da disponibilização de novos valores pela União, pelo parcelamento do crédito até o teto estabelecido em lei e pela ordem de pagamento imposta pelo § 8º do referido artigo transitório. A respectiva mudança trouxe uma instabilidade ao ordenamento jurídico, causando mais atrasos aos credores dos Entes Federais, o limite para pagamento dos precatórios previsto pela Emenda Constitucional atingirá os créditos até 2026.
Assim, consequentemente, foram apresentadas, pela Emenda Constitucional 113/21, novas possíveis destinações para os precatórios federais, através dos incisos do § 11, art. 100 da CRFB/88, podendo ser utilizados para: (i) quitação de débitos parcelados ou débitos inscritos em dívida ativa do ente federativo devedor, inclusive em transação resolutiva de litígio, e, subsidiariamente, débitos com a administração autárquica e fundacional do mesmo ente; (ii) compra de imóveis públicos de propriedade do mesmo ente disponibilizados para venda; (iii) pagamento de outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial promovidas pelo mesmo ente; (iv) aquisição, inclusive minoritária, de participação societária, disponibilizada para venda, do respectivo ente federativo; ou (v) compra de direitos, disponibilizados para cessão, do respectivo ente federativo, inclusive, no caso da União, da antecipação de valores a serem recebidos a título do excedente em óleo em contratos de partilha de petróleo.
Além destes, cabe mencionar, também, o já existente § 20 do mesmo artigo, introduzido pela Emenda Constitucional 94/16, que apresentou a possibilidade de realização do acordo direto para os precatórios com valores superiores a 15% do montante expedido de cada ano, considerados de grande valor. Procedimento este regulamentado primeiramente pela lei 14.057/20, que pavimentou a questão procedimental do pedido de acordo, e, posteriormente, pela Resolução n.º 303/2019 do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, em seu art. 34, e pela Resolução 822/23 do Conselho de Justiça Federal - CJF, em seus arts. 47, 66 e 77.
Veja-se que é uma regra específica e há requisitos para ser aplicada, abrangendo apenas a minoria enquadrada nas exigências estabelecidas. Felizmente, com o advento das Resoluções 482/22 do CNJ e 822/23 do CJF, em conjunto com os § 3 do art. 107A da ADCT, enunciaram o cabimento de uma nova tese de acordo direto para todo e qualquer precatório federal impactado pela limitação de pagamento. A estratégia se demonstra viável, com base no cenário atual, pelo simples fato de que as despesas para cumprimento de acordo estarão fora do limite de pagamento, bem como a atualização monetária dos precatórios, com base nos §§ 5 e 6 do dispositivo transitório.
Preliminarmente, cabe salientar que o credor poderá realizar o pedido de acordo, mesmo que haja pagamento parcial anterior, caso renuncie a 40% do valor detido atualizado nos termos legais, como previsto no art. 107-A, § 3°, da ADCT. Além disso, aquele que optar pelo acordo terá o seu valor quitado em uma única parcela até o final do exercício seguinte, art. 79-D da resolução nº 482/2022 do CNJ, observando a disponibilização dos recursos pela Secretaria do Orçamento Federal que seguem a ordem cronológica de apresentação da decisão homologatória ao tribunal, § 2 do art. 76 da resolução 822/22 do CJF.
Nesta toada, a proposta de acordo direito, para que obtenha sucesso, com fundamento no art. 76 da resolução 822/22 do CJF, deverá ser apresentada ao juízo da execução, que exercerá a atribuição de juízo de conciliação de precatórios, este devendo, logo em seguida, intimar a Fazenda Pública devedora para se manifestar no prazo de 10 dias. Com o aceite, o juízo homologará o acordo e comunicará ao tribunal, que através de seu presidente solicitará a disponibilização de valores ao Conselho da Justiça Federal, ficando este responsável pela consolidação do montante a ser providenciado pela Secretaria do Orçamento Federal.
Em regra, todo e qualquer precatório federal afetado pela limitação poderá, a qualquer tempo, entrar com o pedido de acordo, entretanto, devemos nos atentar a duas exceções: (i) aqueles que possuem pendências de recurso ou impugnação judicial, em outras palavras, precatórios que possuam qualquer constrição ou discussão judicial em andamento; e (ii) demandas relativas à complementação da União aos Estados e aos Municípios por conta do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – Fundef. Sendo estes destacados pelo art. 79-E da Resolução 482/22 do CNJ, por possuírem regra específica de parcelamento.
Por fim, buscando entender a viabilidade do pedido de acordo, se faz necessário a análise do cenário macro atual. Inicialmente, cabe desembaraçar os temas tratados pelas ADI's 7064 e 7047, que se apresentam como pontos focais da discussão acerca dos precatórios. Trazendo à tona a discussão sobre a inconstitucionalidade do § 11 do art. 100 da CRFB/88, que trata sobre as possibilidades de utilização de precatórios para compensação, e do art. 107-A da ADCT, que implementou o subteto dos precatórios.
Através destes, o Governo Brasileiro, com o objetivo de quitar integralmente a dívida dos precatórios, por meio da Advocacia-Geral da União, apresentou uma nova proposta perante o STF, não só buscando o reconhecimento da inconstitucionalidade das questões acima levantadas, mas também, requerendo: (i) a determinação “aos demais órgãos competentes que, por ocasião do pagamento de precatórios e demais sentenças que forem expedidas futuramente, assegurem a segregação dos valores principais e dos valores referentes aos encargos financeiros sobre a causa, com fundamento na supracitada Resolução CNJ 303/19, para fins de sua quitação por meio de despesa primária e despesa financeira, respectivamente, conforme a distribuição resultante”; e (ii) o reconhecimento da “urgência e a imprevisibilidade do pagamento imediato dos precatórios expedidos e não pagos já informados à União, a fim de que o Poder Executivo possa solicitar ao Congresso Nacional a autorização para a abertura de créditos extraordinários necessários em até 60 dias da data da decisão, levando em consideração o espaço orçamentário já previsto em orçamento ou em proposta orçamentária”.
Entretanto, em última notícia - do dia 04 de outubro de 2023 -, o Ministério do Planejamento, através da Ministra Simone Tebet, se posicionou negativamente perante a proposta apresentada, alegando que o pedido feito pela AGU ao STF “não é uma decisão de governo” e que novas propostas seriam apresentadas a Junta de Execução Orçamentária para a tratar sobre o tema relacionado a separação das despesas, primarias e financeira, como explicado anteriormente.
A priori, o objetivo do Governo Brasileiro seria de quitar a integralidade da dívida ainda em 2024, para isso é imprescindível que as ADI's sejam julgadas no exercício de 2023, entretanto, levando em consideração a demora para julgamento das mesmas e o impasse instaurado dentro do governo, surge a possibilidade de atraso a conclusão do plano. Corroborando com esse entendimento, o economista Fabio Giambiagi, em sua coluna do Estadão1, entende que o cenário realista é apostar na modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade apenas a partir de 2025.
Destarte, a proposta de acordo deve ser amplamente defendida, uma vez que os Tribunais Judiciais do Brasil estão em atraso com os pagamentos de precatórios. Acarretando de maneira negativa os beneficiários e os fundos de investimento, segmento importante para a economia brasileira. Desta feita, o legislador ao estabelecer os critérios das resoluções, considerou a situação que os credores enfrentam todos os anos, objetivando a melhora da fila de pagamento dos precatórios.
Não obstante, é necessário expor que a emenda constitucional 114/21 não é tão benéfica para a economia, o respectivo parcelamento e a demora para quitação das dívidas dos Entes Federias implicam em prejuízos orçamentários e juros maiores aos Tribunais, consequentemente mais beneficiários na fila da proposta, gerando mais instabilidades ao Orçamento Anual e prejuízos ao longo prazo. Caso ocorra o julgamento das ADI’s, a decisão favorável aos credores afastaria a proposta de uma nova PEC.
Na mesma toada, o parecer do Ministério Público Federal - MPF devidamente apresentado na ADIn 7064, prevê que a postergação da quitação dos precatórios é realidade desde a promulgação da Carta Magna de 1988, somente em relação aos estados, Distrito Federal e municípios. A União Federal sempre esteve em dia com o pagamento dos precatórios, ou seja, a Dívida Federal pode sobrecarregar e ter a mesma instabilidade presente nos Precatórios Estaduais.
Ademais, é importante salientar que a proposta de acordo é válida apenas para o cenário atual, atraso no recebimento do crédito e parcelamento dos valores. Assim, apesar de ser uma ótima alternativa, merece destaque que caso ocorra o retorno do fluxo de pagamento integral sem atrasos, o acordo em questão restará prejudicado, uma vez que os beneficiários terão a inclusão do precatório para pagamento no próximo ano orçamentário.
Portanto, haja à vista todos os fatos aludidos, entendemos por considerar o acordo - caso não se concretize o cenário desejado pelo governo, resultando no parcelamento dos precatórios em 2024 - um procedimento viável para o credor antecipar seu crédito, caso pedido de acordo seja homologado em 2023, visto que, se ocorrer no ano seguinte, a disponibilização de valores será apenas em 2025, ano esse no qual se espera o pagamento integral da dívida.