O Código de Defesa do Consumidor - CDC diz que o fornecedor é responsável objetivamente (ou seja, independente de culpa) pelos prejuízos causados ao consumidor por falhas nos produtos ou serviços que presta. No entanto, excetua a responsabilidade quanto a fatos que são causados ou até facilitados exclusivamente pelo próprio prejudicado.
É nesse rumo que seguiu, por exemplo, as decisões quanto a furto de bolsas ou celulares em restaurantes e casas noturnas. Nos primeiros anos do CDC, os juízes não vacilavam em condenar o comerciante, mas aos poucos foram decidindo que o lesado, ou pretenso lesado, tinha que provar o prejuízo (apresentando notas fiscais etc.) e depois isentou os estabelecimentos quando estes provavam que não tinham como evitar o furto. As decisões passaram a reconhecer que não era função do comerciante, mas sim do próprio cliente, cuidar de seus bens quando em um local de acesso público. E de fato, largar a bolsa ou celular sobre uma mesa de restaurante ou casa noturna para ir ao banheiro ou ir dançar é um ato de cooperação com o delinquente. Podem ocorrer muitas situações semelhantes, inclusive em transportes públicos, cinemas etc.
No caso dos bancos, a fraude mais comum é o delinquente telefonar ao cliente de um deles dizendo que sua conta tem que ser alterada por um motivo ou outro, ou que o dinheiro depositado está sendo desviado, e então pede que o cliente ligue para determinado número do banco, que supostamente é o encarregado de evitar a perda. Ao ligar, o cliente é atendido por um pretenso funcionário e convidado a deixar seus dados, e a partir destes o criminoso faz os desvios. Na medida em que é o cliente que age decisivamente para facilitar a operação, os bancos procuram se isentar de culpa e indenizações.
No entanto, já há jurisprudência formada reconhecendo a responsabilidade dos bancos pelos serviços que presta, estes têm que ter normas básicas de segurança para o consumidor, e uma delas seria de notar movimentações estranhas na conta e alertar o cliente. Ou seja, se um cliente faz apenas pequenas movimentações ao longo do ano, e repentinamente surge um pedido de transferência de um montante muito mais expressivo, contrariando o perfil de conduta do cliente, o banco deve confirmar com ele se deu mesmo ordem para essa movimentação antes de fazê-la.
Indo mais longe, já há juízes responsabilizando o banco objetivamente por fraudes contra seus clientes, independentemente de estes fornecerem ou não os dados ao marginal, possibilitando a lesão. É o CDC interpretado literalmente, mas é possível que a jurisprudência siga o mesmo trajeto do roubo de bolsas em restaurantes e casas noturnas, os clientes teriam que ser mais responsáveis, saber guardar pelo menos seus dados.
Difícil se falar bem de bancos que, regularmente, lesam clientes, especialmente cobrando por serviços não contratados ou cobrando juros abusivos, mas há que se reconhecer que se forem responsáveis objetivos em todas as fraudes, onde os clientes passassem seus dados ao delinquente para este ter acesso às suas contas, eles passariam a ter imensos prejuízos: fraudadores se acumpliciariam no sentido de fornecer propositalmente informações um ao outro, que esvaziaria suas contas para depois cobrar dos bancos os pretensos prejuízos. E com toda força que possui dentro do sistema econômico, os bancos passariam a cobrar dos clientes os prejuízos (juros, taxas de serviço etc.). Ou seja, teríamos que pagar a conta.
Outra tendência mais atual é a responsabilização do banco onde o fraudador abre a conta e recebe o valor desviado. É sabido da facilidade de abertura de conta nos bancos tradicionais ou em outras instituições, bancos digitais etc., ditadas pela concorrência e pela busca desenfreada do lucro. Muitas dessas instituições as abrem sem tomar precauções elementares de avaliar a idoneidade das pessoas físicas e jurídicas que as pleiteiam. Facilitam, assim, a ação dos delinquentes, agem como cúmplices e devem ser responsabilizadas pelas lesões.
Não é difícil concluir que as decisões condenando os bancos por fraudes que propiciem desvios atípicos das contas de seus clientes, contrários à conduta rotineira deles, de seu perfil, e as que responsabilizam os que abrem contas sem o mínimo cuidado de aferirem a idoneidade dos que as pleiteiam, devem formar jurisprudência mais sólida. A culpa objetiva do banco independente da conduta culposa do cliente (negligência, imprudência, imperícia), não chegará a se firmar se estes intensificarem suas normas de segurança para impedir a evolução das fraudes.