Migalhas de Peso

A guerra está aqui no meu escritório. Maldito progresso

O mundo agora é um só, não dá mais para fugir disso.

19/10/2023

Estou no meu escritório estudando um processo trabalhista. Faço isso normalmente há mais de cinquenta e três anos e como se trata de uma tese relevante pedi audiência com os ministros para apresentar Memorial sobre a matéria.

Faz alguns anos, em situação análoga, ia para o TST, ingressava no gabinete do ministro Mozart Victor Russomano e discutia a matéria com ele; seguia logo após para o gabinete do ministro Coqueijo Costa e descíamos para tomar um café com o médico Paulo Angotti enquanto se falava sobre o processo.

Precisava dar conhecimento da tese para o ministro Falcão bem como para os ministros Biságlia e Lima Teixeira e todos eles me recebiam nos gabinetes e conversavam sobre tudo, inclusive sobre meu memorial.

Passou o tempo, como sempre passaram também os ministros, (só eu que ainda não passei),  e veio a pandemia quando foi necessário falar virtualmente pelo computador, inclusive em audiências.

Evidentemente que, assim como as audiências, as relações ficaram mais distantes e aquele prazer de tomar um café com um ministro e ter uma relação mais íntima, até para adquirir um melhor conhecimento ou discutir uma tese, esse prazer está deixando de existir e, pior ainda, alguns ministros, até mesmo pelo movimento processual relevante, deixam de conversar inclusive virtualmente, pedindo que o advogado converse com seu secretário, também de forma virtual e com hora marcada.

Realmente são mudanças do tempo que passa, do progresso?, da eletrônica, alterações que têm realmente reflexo inclusive na cultura, no estudo melhor de teses porque a celeridade e as máquinas impõem resumos de petições que deveriam ser melhor estudadas e o “copia e cola”  transforma peças que deveriam ser melhor trabalhadas em repetições de lado a lado.

Mas assim tem sido não só no direito como também nas mais diversas profissões e, somente para dar outro exemplo, o  médico de família propriamente acabou.

Vamos ao médico mas não é ele que resolve e sim o resultado de exames eletrônicos da mais alta técnica que vão dizer o que você precisa para melhorar. É certo que este progresso é relevante e nos dá mais anos de vida, mas lembro da minha casa, quando pequeno, em que ninguém falava em dieta, nem em academia e na qual não havia almoço e jantar sem que tivesse sobremesa, mesmo que fosse goiabada com queijo.  Isso era bom.

Entretanto comecei este artigo falando da guerra no meu escritório. E é verdade. Quando da segunda guerra mundial meu pai era Procurador Geral do Rio Grande do Sul  e tratava dos processos concernentes, mas no escritório dele não havia guerra.  Aliás, não havia nem mesmo televisão ou celular.

Sempre tomei conhecimento pelos jornais das guerras existentes na Europa, no Oriente Médio, outras guerras em que participou os Estados Unidos, mas vivendo no Brasil, com sol, praias e gente  que gosta de viver, nunca tive lado a lado com a guerra, vivendo  sempre da felicidade que Deus sempre desejou a nós todos.

Hoje, porém, estudando um processo no meu escritório, ligo a televisão e vejo, agora, nesse momento, um hospital sendo explodido por uma bomba que a TVGlobo discute se foi enviada pelo Hamas ou por Israel.

Fico sabendo agora que quinhentas pessoas morreram e vejo os doentes serem carregados para outro hospital no meio de outras bombas.

Recebo notícias de brasileiros que estão nesse meio, aguardando a volta pra o Brasil em uma fronteira que não deixa eles passarem e vejo isso agora.

Meu Deus, estou estudando um processo mas mentalmente, sentimentalmente e visualmente, estou em guerra.

O mundo agora é um só, não dá mais para fugir disso.

José Alberto Couto Maciel
Sócio fundador do escritório Advocacia Maciel.

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