Uma febre literária que atende cada vez mais o gosto da juventude brasileira nos permite conhecer os quadrinhos infanto-juvenis da literatura oriental mangá. Ao estudar um pouco mais sobre este gênero literário, passamos a saber do valioso entrelace artístico na memória coletiva desde o pós Segunda Guerra Mundial, quando os pais e mães japoneses, na condição de vítimas civis, abaladas pelo flagelo dos conflitos, influenciam os filhos, crianças e adolescentes do Japão, em leituras à revelia da escola, para mitigar os impactos das bombas atômicas que vitimaram cerca de 140 mil pessoas, nas cidades de Hiroshima e Nagasaki. A forma artístico-literária chega ao Brasil depois de difundida no Japão, contudo, estudos apontam seu surgimento na China entre os séculos II e V d.C. (BATISTELLA, 2009).
Dados do Ministério da Saúde indicam que as vítimas da covid-19 ultrapassam 700 mil pessoas, ou seja, restaram pelo menos cinco vezes mais mortos devido à pandemia no Brasil do que na explosão causada pelo lançamento das ogivas nucleares no Japão. Então, o método da literatura em quadrinhos mangá, que passa mensagens através de letramento visual, informações facilitadas e ilustrações onomatopaicas, revela percepção de sentido mais concisa (ajustada) do texto e, na comparação da diferença com os quadrinhos ocidentais, o mangá é apontado como: A nona arte entre dois mundos. (REICHERT, 2011). O método dos quadrinhos mangá chama tanta atenção a ponto deste estilo ser escolhido, na tentativa de desenvolver a afirmação dos direitos culturais, com a seleção de trechos da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e Constituição Federal de 1988, nas partes que interessam, para tentar interpretar as regras de forma perspicaz e inovadora.
Antes, porém, cabe destacar nesta leitura o que são direitos culturais, segundo a Teoria dos Direitos Culturais, fundamentos e finalidades (CUNHA FILHO, 2018):
"Os direitos culturais são aqueles afetos às artes, às memórias coletivas e aos fluxos de saberes, que nos permite conhecer honestamente o nosso passado, compreender e interferir ativamente no nosso presente, antever e quem sabe até planejar o nosso futuro, sempre preocupados com o desenvolvimento, a dignidade da pessoa humana e a paz."
No atual momento do Brasil, por entendimento, com a edição das leis Federais 14.017/20 e 14.399/2022, somado à LC 195/22, mais conhecidas como leis de emergência cultural Aldir Blanc, Aldir Blanc II e Paulo Gustavo, o legislador busca atender a calamidade em saúde pública na covid-19 e, sequencialmente, se esforça para mitigar os efeitos da doença que vitimou a sociedade brasileira, atribuindo o apoio cultural da União nos Estados, Distrito Federal e municípios, voltado aos direitos culturais, que, por base conceitual, são coletivos, difusos, individuais homogêneos ou meta individuais e contramajoritários, ou seja, direitos minoritários, por assim mencionar (CUNHA FILHO, 2018). É ensinado que do ponto de vista da responsabilidade do Estado, a aplicação dos direitos culturais precisa acontecer como dever objetivo do poder público e, no tocante às aspirações populares, ou seja, nos anseios por fruição da comunidade à esses direitos culturais, são direitos subjetivos da cidadania, com autonomia e interesses definidos de forma sistêmica como prever o art 216-A da CF.
As culturas dos povos são milenares e sempre existiram, todavia, ao reconhecer os direitos humanos no pós-guerra, as Nações Unidas formulam na Declaração Universal, o conjunto de regras que é considerado como pacto mundial pela paz e solidariedade entre os diversos grupos, inclusive, com concepções éticas entre vencedores e vencidos, na atribuição de valores internacionais, para evitar abusos de forma direta ou indireta, por perseguições e retaliações, que para conter explorações e circunstâncias conflitivas, busca enunciar formas de impedir a incidência de violências e violações de direitos. Assim, as precauções da Declaração Universal ganham status de direitos primordiais e elementares a serem respeitados por todas Nações signatárias, na amizade entre os povos, sendo que em tais disposições os direitos culturais estão contidos como indispensáveis, escritos respectivamente no texto dos arts. 22 e 27, o que inspira a realização da leitura influenciada pelo forma da literatura mangá, de trás para frente, na parte que interessa, para subsequente adaptação ilustrativa, com lógica de interpretação (hermenêutica) auto definida a ser apresentada num projeto cultural que já está escrito e aqui enunciado:
"DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS – APLICAÇÃO DE LEITURA ADAPTADA PELO MÉTODO DA LITERATURA EM QUADRINHOS mangá DO JAPÃO NA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS – COMPROMISSO DAS NAÇÕES UNIDAS – COM LEITURA DO TEXTO DE TRÁS PARA FRENTE – NA PARTE QUE INTERESSA – PARA AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS COM MAIOR PERCEPÇÃO DE SENTIDO – CONTEÚDO INFANTO-JUVENIL PEDAGÓGICO – DIREITOS CULTURAIS HUMANOS UNIVERSAIS INDISPENSÁVEIS – (art. 27) Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade (art. 22) toda pessoa tem direito à segurança social e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos culturais indispensáveis. Adaptação livre do que está contido no texto. Declaração Universal dos Direitos Humanos, leitura e grifos do autor."
É possível perceber alguma diferença na leitura? No texto com aplicação adaptada pela forma da literatura mangá, de trás para frente da redação, ocorre alguma ampliação de alcance no sentido ou se torna mais contundente? A partir deste método, é possível notar que na mudança circunstancial e intencional da ordem de apresentação no texto dos arts., primeiro com a leitura do trecho específico do art. 27, para só depois realizar leitura na parte destacada do art. 22, a seleção põe em evidência dois princípios fundamentais inscritos nos arts. e que acompanham os direitos culturais, quais sejam, os direitos à vida e liberdade (s).
Veja, então, no texto acima, como aparecem primeiro as expressões “participar livremente” e “da vida cultural da comunidade”, sendo possível notar, no texto da carta constitucional brasileira, que neste arranjo ocorre a redução de 210 arts. de distância em comparação ao texto da Declaração Universal, na aparição das expressões “direitos culturais”, “liberdade” e “vida”, do art. 215 ao art. 5°, caput e nas quatro linhas grifadas do texto universal fica explícito, ainda, que toda pessoa humana pode “exigir a satisfação” dos direitos culturais. É contundente ou não?
Essa percepção de trás para frente nos *75 anos* da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ou seja, do art. 27 para o 22, numa análise dogmática ostensiva, em bem menos linhas, é uma invertida que permite a pessoa humana notar a conjugação imediata dos direitos culturais ao lado dos direitos à vida e liberdade(s), enquanto no título VIII, capítulo III, seção II da Constituição Federal de 1988, como aprovado originalmente no texto dos art. 215 e 216 da Constituição Federal, na Assembleia Nacional Constituinte à 35 anos, as expressões dos direitos relacionados à cultura estão bem distantes do direito à vida e liberdade (s), acendendo o legítimo anseio para uma nova forma de leitura do texto da Constituição, de trás para frente, na parte que interessa do assunto cultura, para ilustrações temáticas, nas cenas da revista em quadrinhos, com o pensamento de ajudar a turminha infanto-juvenil brasileira compreender melhor a intenção do legislador constituinte de 1988, cujas palavras, por este modelo inspirado na literatura mangá, sem as emendas, afirmam:
"CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – APLICAÇÃO DE LEITURA ADAPTADA PELO MÉTODO DA LITERATURA EM QUADRINHOS mangá DO JAPÃO NO BRASIL – COM LEITURA DO TEXTO DE TRÁS PARA FRENTE – SELEÇÃO DOS TRECHOS PARA AS CENAS DE ILUSTRAÇÃO DE REVISTA EM QUADRINHOS – NA PARTE QUE INTERESSA – COM MAIOR PERCEPÇÃO DE SENTIDO – PARA AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS CULTURAIS FUNDAMENTAIS HUMANOS UNIVERSAIS INDISPENSÁVEIS – HIPÓTESE DE SUPERAÇÃO DE VIOLÊNCIAS E VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS – O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais (Caput, Art. 215 da CF) protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais (§§ 1º e 2º do Art. 215 da CF). Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira (Art. 216, caput da CF) O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro. (§1º do Art.216 da CF) Compete aos Municípios promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual (Inciso IX e caput do Art. 30 da CF). É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos, proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação (Incisos III e V do Art. 23 da CF) nos termos desta Constituição (parte final do caput do Art. 18 da CF) garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (Caput, Art. 5º da CF). Adaptação livre do que está contido no texto. Constituição Federal de 1988, leitura e grifos do autor."
As onomatopeias nos desenhos da literatura mangá, podem cair bem com acompanhamento de expressões e personagens relacionados a identidade das matrizes afro-brasileiras no tema capoeira, que é patrimônio cultural imaterial da humanidade pela UNESCO, de modo a ressaltar cantigas como: “La La ê La ê La, ô Lê Lê”, na dimensão pedagógica, à revelia da escola, para leitura humorada nas ruas, becos, vielas, favelas, morros, quebradas onde a prática da capoeira marca a luta contra escravidão e exploração dos povos africanos e seus descendentes no Brasil: “Zumm Zumm Zumm, capoeira mata um” de modo a ressaltar nos quadrinhos, essas cantigas ancestrais que estão secularmente no cotidiano do povo brasileiro, com oralidade, facilidade, simplicidade, gratuidade e acessibilidade, a ser feito também com versões em braile, para inclusão das pessoas com deficiência, numa complementaridade abrangente desta saga do mangá Baiano, em consideração ao abraço multicultural, provocado pela imigração japonesa no Brasil, agir democrático literário transnacional do Oriente para o Ocidente.
No controle de constitucionalidade, para fazer valer a garantia, proteção, promoção e acesso dos direitos relacionados à cultura, por ficar evidente que "participar livremente da vida cultural da comunidade" com “segurança social para exigir legitimamente" tais diretos é direito de toda pessoa humana, somado ao texto constitucional, o caráter de inviabilidade dos direitos culturais também se torna perceptível devido essa correlação com os direitos à vida e liberdade (s), para consolidar neste conjunto inafastável de direitos, a segurança jurídica, inclusive, com proteção aos direitos culturais individuais, como por exemplo, os direitos autorais das pessoas e suas atividades inventivas, a chamada propriedade intelectual, muito menos pelo aspecto da propriedade, todavia, muito mais pelo valor de dignidade das pessoas e criações do espírito humano, devido exatamente às consagradas imunidades constitucionais democráticas desses direitos nas comunidades, até porque existem povos indígenas ou originários, que o direito de propriedade não tem o mesmo significado dos demais e cabe modelo de salvaguarda intelectual e tecnologica cultural as criações coletivas desses povos.
Já no combate às violações dos direitos culturais, a leitura de trás para frente, verificada a solidez da correlação jurídica do direito à cultura na sintaxe fundamental com o direito à vida e liberdade (s), serve de embasamento para aplicação das leis de emergência cultural, demais leis complementares e infraconstitucionais, como alicerce da hipótese jurídica de defesa dos direitos relacionados à cultura, enquanto direitos líquidos e certos, na inteligência do que dispõe o inciso LXIX, do art. 5º da Constituição, que complementado pelo direito humano à segurança social para exigência dos direitos culturais indispensáveis, expresso no art. 22 da Declaração Universal, pode dar corpo ao fundamento juridico do mandado de segurança no exercício da cidadania, em todo território da nação brasileira, para conter judicialmente eventuais abusos de autoridades investidas do dever de fornecer o suporte logístico estatal nas políticas públicas culturais.
Por último, na satisfação dos direitos culturais indispensáveis, com a identificação dos valores simbólicos de nossa cultura e respeitada a afirmação da cidadania cultural dos grupos existentes, o compromisso é com a realização do esforço nacional e a cooperação internacional, para harmonia e organização dos recursos disponíveis no país, tendo em conta os valores de custeio já definidos nas leis e orçamentos culturais vigentes e, mais ainda, pelo percentual obrigatório das receitas tributárias líquidas, consoante recomendação do item 50 da Agenda 21 da Cultura nas Nações Unidas, editada no Fórum de Barcelona em 2004, do qual o Brasil é signatário e desde então não desempenha, estando pendente o fomento, cuja compreensão está no reconvexo, como na canção de Caetano Veloso, “Sou a chuva que lança a areia do Saara sobre os automóveis de Roma (...)”, de modo que os valores favoráveis dos direitos da diversidade cultural possam ajudar no combate a fome, erradicação da pobreza e políticas públicas de segurança indireta para conter violências e violações de direitos.
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BATISTELLA, Danielly. De trás para frente ou ao contrário: o mangá e a leitura à revelia da escola. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Passo Fundo - UFPF, 2009.
CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Teoria dos Direitos Culturais: fundamentos e finalidades. 2ª ed. Editoras Sesc: São Paulo, 2018.
MOTA, Patrícia Lemos. A música na capoeira regional como elemento de construção identitária. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas: Salvador, 2013.
NAÇÕES UNIDAS. Agenda 21 da Cultura. Fórum de Barcelona de 2004. Disponível em https://centrodepesquisaeformacao.sescsp.org.br/uploads/BibliotecaTable/9c7154528b820891e2a3c20a3a49bca9/146/13759000391889842866.pdf Consulta em 28/08/2023.
PAIVA, Carlos Magno de Souza. Direito do patrimônio cultural: autonomia e efetividade. 2.ed. rev., atual./ Curitiba: Juruá, 2022. (PAIVA, Carlos Magno de Souza. Direito do Patrimônio Cultural. 2 ed. Curitiba: Juruá, 2022.
PEREIRA, Carlos (Charles); e Mônica Carvalho (Bôri). Cantos e Ladainhas da Capoeira da Bahia. Edições Via Bahia, Salvador: 1992.
REICHERT, Emmanuel Henrich. A Nona Arte Entre Dois Mundos: Influências e Diferenças Entre Quadrinhos Ocidentais e mangás Japoneses. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH: São Paulo, 2011.
SODRÉ, Muniz. Pensar Nagô. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.
ZOIÃO, Mestre Adyjolvã A. Couto. Arte da Capoeira: História e Filosofia. Gráfica Santa Helena. Copyright, Salvador: 1999.