1. O que trata o Projeto de Resolução do Senado 57/19?
Não é novidade que os Estados buscam o aumento da alíquota do ITCMD há um tempo, todavia, atualmente o teto é de 8%, percentual considerado baixo para o Estado que recebe, porém amargo para o contribuinte que o paga. Ainda mais quando se trata do fato gerador causa mortis, em que o genitor deixou apenas imóveis, sem recursos líquidos, o que é agravado quando os herdeiros não possuem dinheiro em caixa para arcar com os custos do inventário sem se desfazerem dos bens.
Deixando de lado os interesses, tramita no Senado Federal o PRS 57/19, de autoria do senador Cid Gomes, cujo objeto é a majoração da alíquota máxima do ITCMD para 16%, dobrando o limite atual. Em suas razões, ele traz que outros países cobram alíquotas muito maiores e que o Brasil deveria seguir essa tendência, o que pode ser verdade, mas analisar o contexto isolado de apenas um tributo é temerário, pois também existem países cuja tributação das transmissões não onerosas é menor, por que não se basear neles, então?
Uma mudança dessa magnitude impende uma análise de todo o sistema tributário do país que está se tendo como base, isto é fundamental para que se evite a legalização da expropriação patrimonial do contribuinte, que já é avidamente tributado no imposto de renda e, indiretamente, nos impostos sobre o consumo. Isso sem falar quando é empresário, que deixa grande fatia do que fatura nas mãos do Poder Público.
2. Por que é o Senado que define a alíquota do ITCMD?
Importante um breve contexto. O imposto incidente nas transmissões causa mortis e doação, denominado ITCMD, teve sua existência autorizada pela Constituição Federal, em seu art. 155, I, cuja competência da criação e arrecadação ficou delegada aos Estados.
Ainda assim, os limites desse imposto são fixados na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional. Isto para impedir que os estados elaborem regras “criativas” e acabem por tributar o contribuinte de forma ostensiva, senão ilegal ou inconstitucional.
Entre estes limites está o da alíquota, em que se atribui a responsabilidade por sua fixação ao Senado Federal, e não aos Estados, conforme preceitua do art. 155, §1º, IV da Constituição Federal.
Por sua vez, o Senado Federal, através da Resolução nº 09/92 limitou a alíquota do ITCMD a 8%, ou seja, os Estados têm liberdade para fixar a alíquota que melhor atender ao seu planejamento, desde que não ultrapasse o percentual mencionado. Desta forma, a majoração ou minoração do teto da alíquota está nas mãos do Senado.
3. O curioso caso de inventários milionários que não terminam por falta de dinheiro
Uma realidade extremamente comum é a dos inventários em que só transmite a propriedade de imóveis, tendo os pais deixado muitos bens, mas nada, ou quase nada, em dinheiro, “obrigando” os filhos a arcarem com essas despesas sucessórias.
Exemplificando, pensemos no cenário em que os genitores construíram um bom patrimônio imobiliário, mas não se preocuparam em guardar dinheiro ou fazer outros investimentos de maior liquidez, tendo deixado, ao final da vida, apenas 10 imóveis no valor de R$ 500 mil cada, totalizando o patrimônio de R$ 5 milhões. Um bom patrimônio para os padrões brasileiros.
Por sua vez, seus três filhos, igualmente sem reserva de dinheiro suficiente, iniciam o inventário e no momento derradeiro do lançamento do ITCMD recebem a notícia de que devem pagar R$ 400 mil em ICD, incidindo a alíquota de 8%, fora as custas processuais, honorários e demais despesas decorrentes da conclusão do inventário.
O que ocorre, na prática, é um dos dois cenários que vou expor. Na melhor das hipóteses, os herdeiros conseguirão vender alguns dos imóveis no curso do inventário judicial (já que no extrajudicial eles teriam que pagar logo o tributo), e antes do lançamento do ITCMD, arcando com as despesas, mas reduzindo o patrimônio que receberiam. No segundo cenário, e mais temerário, por não conseguirem vender os imóveis e nem disporem do capital necessário, acabam “eternizando” o inventário que deveria ser célere e, de preferência, extrajudicial.
Agora, imagine com a aprovação do aumento da alíquota que pularia de 8% para 16%, isto é, dobraria. Como seria a situação? Nesse exemplo que trouxe, os herdeiros precisariam levantar R$ 800 mil apenas para quitar o ITCMD.
Na prática, considerando Estado de Pernambuco, pagariam:
1. ITCMD (16%) = R$ 800 mil
2. Custas (2%) = R$ 100 mil
3. Honorários (5%, segundo Tabela da OAB) = R$ 250 mil
O custo do inventário seria de R$ 1.15 milhão. Isso se considerarmos que o inventário foi aberto em até 60 dias do óbito do de cujus, senão incide multa no ITCMD, ou seja, mais de 2/3 da despesa referente ao inventário é apenas para pagar o ITCMD.
Certamente isso travaria muitos inventários nessa situação, prejudicando a sucessão patrimonial de inúmeras famílias brasileiras, por isso, é importante que o cidadão pense em um realizar planejamento patrimonial e sucessório em vida.
4. Depois da queda, o coice...
Não bastasse todo esse custo e a possibilidade tangível de aumento do ITCMD, há um novo fantasma rondando o contribuinte: A possibilidade de tributar as doações e sucessões causa mortis com IRPF sobre ganho de capital.
É que no momento da doação ou sucessão, a Secretária da Fazenda Estadual, avalia esses bens (a base de cálculo do tributo) para aplicar a alíquota sobre o valor todo, já que a Lei determina que a base de cálculo é o valor venal do bem. Quanto maior melhor... pelo menos para o Fisco Estadual...
Então, você pode ter adquirido um imóvel em 2005, pagando R$ 100 mil por ele, mas, hoje, ele pode ter sido avaliado em R$ 500 mil pela Fazenda, com isso, o ITCMD seria sobre o valor atual, maior.
Por sua vez, a Receita Federal encontrou uma oportunidade de aumentar sua arrecadação, passando a crer que o valor venal, apurado pela Fazenda Estadual, corresponde a um ganho de capital, por isso, o contribuinte teria que pagar IRPF sobre essa diferença, isto é, no exemplo, R$ 400 mil, o que, aplicando-se a alíquota de 15%, seria R$ 60 mil. Mais uma mordida do Poder Público no seu patrimônio.
Essa questão ainda não foi definida, haja vista que uma parte dos Ministros do STF concorda, mas a outra não, o que, em breve, deve submeter a matéria à plenária e aí veremos como ficará a questão. Deixarei a discussão da (in)constitucionalidade disso para outro momento, mas quis trazer apenas para que o leitor fique informado da real situação que atravessamos.
5. O Estado de Pernambuco e seu Incentivo Fiscal ao Planejamento Patrimonial
Apesar do possível aumento da alíquota do ITCMD, alguns Estados estão abrandando a sua incidência, ao menos temporariamente, como é o caso do Estado de Pernambuco, que, no dia 30/09/2023, publicou a Lei Complementar nº 520/2023, a qual, entre outras coisas, trouxe uma redução temporária no ICD incidente sobre as doações.
Pernambuco já adota a progressividade da alíquota há vários anos, orbitando a alíquota entre 2 e 8% a depender do valor venal do bem, como ilustrado na tabela abaixo:
Até R$ 289.140,54 – 2%
Acima de R$ 289.140,54 até R$ 433.710,81 – 4%
Acima de R$ 433.710,81 até R$ 578.281,08 – 6%
Acima de R$ 578.281,08 – 8%
Contudo, é importante destacar que a Lei Complementar trouxe uma significativa redução dessas alíquotas, mas por prazo determinando, de forma que o incentivo que iniciou e 01/10/2023 só irá até o dia 29/02/2024. As novas alíquotas serão ajustadas conforme a tabela abaixo, apresentando uma diminuição relevante.
Até R$ 289.140,55 – 1%
Acima de R$ 289.140,55 – 2%
Além disso, a Lei traz um incentivo extra, permitindo o parcelamento do tributo em até 6 prestações ou concedendo um desconto de 10% para pagamento à vista.
Essa alteração na legislação Pernambucana representa uma excelente oportunidade para os contribuintes que desejam realizar ações de planejamento patrimonial e sucessório no período mencionado, tendo em vista a significativa diminuição do custo tributário.
Por fim, vamos acompanhar o andar da carruagem, especialmente se os demais Estados da Federação aderirão ao programa de redução tributária, ainda que temporária, adotado em Pernambuco.
6. No panorama atual é interessante antecipar o Planejamento Patrimonial?
Pelo cenário atual, tanto de tributação como legal, é fundamental que famílias empresárias, que possuem um patrimônio considerável, priorizem o planejamento sucessório, aproveitando essas benesses legais.
Acredito que adotar as medidas necessárias antes da Reforma Tributária e antes do aumento do ITCMD é verdadeira medida de planejamento, pois visa uma clara economia tributária. Lembrando que, aprovadas as mudanças tributárias, não haverá como utilizar o regramento antigo, por isto, a decisão enseja o imediatismo.
Lembrando que o planejamento patrimonial não trata apenas da doação, com ou sem reserva de usufruto, mas esse é um importante mecanismo, ainda mais quando a ideia é, de fato, organizar a sucessão, e não apenas ter uma economia fiscal.