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Saúde mental dos servidores públicos

Decisões recentes dos tribunais vem afirmando que servidores com problemas de saúde mental não podem ser demitidos. Para que não seja demitido, o servidor deverá provar que, no momento que cometeu o ato ilícito já estava com problemas de saúde mental.

28/9/2023

Segundo a OMS, saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social. Por muito tempo, somente o bem-estar físico era valorizado pela maioria das pessoas.

Contudo, como reflexo do mundo cada vez mais dinâmico e acelerado em que vivemos, desordens e transtornos mentais e comportamentais têm sido cada vez mais frequentes. Isso fez com que o tema saúde mental, antes discutido quase que restritamente no meio acadêmico e médico, tornar-se assunto também nas mídias, escolas, empresas e no serviço público não deve ser diferente.

Problemas de saúde mental em decorrência do trabalho

Sem dúvidas, a prevenção é uma medida inteligente. Além de preservar a saúde do servidor, evita eventuais afastamentos em decorrência de problemas de saúde. Segundo dados da OMS, em 2019, 264 milhões de pessoas sofrem de depressão e ansiedade no trabalho, o que causa uma perda de um trilhão de dólares por ano na economia mundial por conta da redução de produtividade. Esses dados demonstram a gravidade do problema e o quanto ele impacta na vida de toda a sociedade. 

Curiosamente, a mesma pesquisa mostra que a cada um dólar investido em medidas que promovam o bem-estar e saúde mental, há um retorno de cerca de quatro dólares.

Na prática, sabemos que nem sempre isso acontece. Há sobrecarga de trabalho, falta de efetivo, assédio, péssimas condições de trabalho, excesso de cobranças e um sistema que, na maioria das vezes, não faz com que o servidor se sinta recompensado e valorizado no seu trabalho. Esses são fatores que podem acabar gerando algumas desordens e desencadear problemas mentais mais sérios, como ansiedade, síndrome do pânico, depressão e burnout.

É notório que a má remuneração é, sim, uma queixa de muitos servidores e essa questão gera muitos problemas como dívidas, problemas sociais, baixa qualidade de vida, dentre outros. Porém, embora a má remuneração seja um problema, as condições de trabalho têm maior influência na saúde mental do servidor. Todo mundo conhece alguém que optou por mudar de setor ou de emprego, ainda que ganhasse menos, a fim de ter mais tranquilidade e menos problemas no trabalho.

Então, a administração pública deve implementar medidas que possibilitem melhores condições de trabalho, que promovam o bem-estar do servidor. Sabemos que alguns problemas são mais difíceis de contornar, mas a saúde deve ser sempre uma prioridade.

Medidas que podem ser tomadas: oferecimento de acompanhamento psicológico, capacitação dos gestores e líderes para que sejam mais acolhedores e saibam identificar e lidar com servidores passando por problema de saúde mental, além de fornecer os meios básicos para a execução do trabalho.

Saúde mental x afastamento do servidor

Estudos recentes mostram que problemas de saúde são a principal razão de afastamento por licença. Dentre os problemas de saúde, problemas de saúde mental e comportamental têm sido uns dos mais frequentes.

Com base na lei 8.112/90, o servidor tem direito a até 24 meses de licença para tratar de problemas de saúde. Para que a licença seja concedida, o servidor deverá passar por perícia médica para comprovar que existem razões para o seu afastamento.

Então, na maioria das situações, o problema já se desenvolveu, o servidor já está com um quadro avançado de depressão, crises de ansiedade, burnout ou depressão e solicita afastamento para tratar de sua saúde.

Se afasta, trata dos sintomas, fica bem e acaba retornando para o mesmo lugar, com os mesmos problemas e, por vezes, tendo os mesmos problemas de saúde mental. Vira um ciclo. Por isso, é tão importante a melhoria de condições de trabalho para que haja uma diminuição dos casos de transtornos mentais em decorrência do trabalho.

Minha saúde mental está prejudicada. O que fazer?

Como já vimos, as causas para transtornos mentais por conta do serviço público são muitas. O servidor tem a opção de solicitar licença para realizar o seu tratamento, porém as questões que desenvolveram o problema de saúde provavelmente vão persistir e gerar novos problemas.

De acordo com cada caso em específico, além da licença para tratamento de saúde, algumas outras medidas podem ser tomadas.

Se, por exemplo, o servidor desenvolveu um quadro de síndrome do pânico porque está sendo assediado por seus superiores, somente a licença para tratar da sua saúde não será suficiente para lhe gerar bem estar. Quando retornar, o problema estará lá. Nesse caso, existe a possibilidade de o servidor solicitar remoção para um outro setor ou cidade. Há a possibilidade de a administração pública não lhe conceder esse benefício. Contudo, como é um caso sério, que envolve assédio, o servidor pode entrar com uma ação judicial.

Também existem casos de servidores que estão lotados em cidades que não possuem assistência médica adequada para o problema de saúde desenvolvido. Neste caso, o servidor também poderá solicitar remoção, que, apesar de, nesse caso, ser um direito, pode ou não ser concedida. O servidor também pode tentar uma solução pela via judicial. 

O ideal é que o servidor, além de procurar ajuda médica imediatamente, procure também um advogado especialista. Este irá orientá-lo, apresentar soluções e medidas possíveis de serem tomadas para cada caso.

Servidor com problemas de saúde mental não pode ser demitido

Decisões recentes dos tribunais vem afirmando que servidores com problemas de saúde mental não podem ser demitidos. Para que não seja demitido, o servidor deverá provar que, no momento que cometeu o ato ilícito já estava com problemas de saúde mental.

É comum que, em decorrência desses problemas, o servidor vire uma “bomba-relógio”, diminuindo produtividade, desrespeitando colegas e superiores e até tendo atos violentos ou outras razões que poderiam levar à demissão. Contudo, entende-se que, por conta do problema de saúde, ele não responde por si.

Servidor, a saúde mental não pode mais ser encarada como tabu. Sempre começa com alguns problemas que optamos por ignorar. Eles crescem, transformam-se em doenças de fato e podem lhe causar muitos problemas. Todos estamos suscetíveis e o fato de você estar passando por isso não o torna mais fraco ou inferior.

Juliane Vieira de Souza
Advogada com especialização em direito público e direito do trabalho, atua na área administrativa com foco em CANDIDATOS DE CONCURSO PÚBLICO e SERVIDORES PÚBLICOS perante atos ilegais praticados pela Administração Pública, e ainda atuando em Processo Administrativo Disciplinar (PAD), em Ações de Ato de Improbidade Administrativa e atuação em acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, com 10 anos de experiência na área. Possui muitos trabalhos voluntários prestados à sociedade e a Ordem dos Advogados. É Conselheira Seccional da OAB/GO 2022/2024. Secretária-Geral da Comissão de Exame de Ordem e Estágio da OAB/GO.

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