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Licenciamento compulsório: um direito a ser utilizado com inteligência

Com a recente e inédita iniciativa do Governo Lula em decretar o licenciamento compulsório do medicamento Efavirenz, componente do chamado “coquetel anti-aids”, finalmente entra em discussão séria o tema das patentes de medicamentos e o direito fundamental a saúde.

22/5/2007


Licenciamento compulsório: um direito a ser utilizado com inteligência

Marcelo Antonio Theodoro*

Com a recente e inédita iniciativa do Governo Lula em decretar o licenciamento compulsório do medicamento Efavirenz, componente do chamado “coquetel anti-aids”, finalmente entra em discussão séria o tema das patentes de medicamentos e o direito fundamental a saúde.

O licenciamento compulsório entre outras causas, pelo interesse público nacional, é previsto na Lei nº 9.279/96 (Lei de Patentes - clique aqui), e no decreto 3.201/99 (clique aqui) ambos parte do arcabouço legislativo nacional e portanto válidos do ponto de vista estritamente jurídico.

Mas a questão vai além do aspecto jurídico interno, ou seja, da afirmação da soberania brasileira em detrimento dos interesses internacionais.

Fosse assim, a “quebra de patentes”, como é vulgarmente tratada a licença compulsória, seria apenas uma bravata política do estilo da nacionalização das petros na Bolívia. É desse estereótipo que o Brasil deve fugir com a tomada da corajosa decisão.

Na realidade a licença compulsória, por envolver interesses de vários laboratórios estrangeiros, incluindo-se aí laboratórios brasileiros, ingressou no direito pátrio via acordos internacionais, o mais famoso deles a “Convenção de Paris”, que disciplinou o modelo de proteção de patentes entre os principais países ocidentais.

Com base na “Convenção de Paris” o Brasil e demais países signatários adotam modelos similares de legislação patentária, que desrespeitado será denunciado na Organização Mundial do Comércio, a OMC.

As razões que levam ao decreto da licença compulsória devem ser imperativas, não podendo o instrumento excepcional ser banalizado ou servir de bandeira política nacionalista, mas sim de exigência humanitária.

O Brasil desde o governo FHC tem se pautado pela sobriedade na discussão das patentes de medicamentos, levando sua gestão e dos Países em desenvolvimento ao fórum da OMC, com razões coerentes, obtendo vitórias importantes, como já foi o caso de vários medicamentos do próprio coquetel anti-aids durante a gestão Serra no Ministério da Saúde em 2001, oportunidade em que o mesmo laboratório Merck Sharp & Dohme, reduziu o preço do Efavirenz em 59%.

Não pode agora o País, perder a oportunidade de liderar a discussão sobre a patente de medicamentos, o licenciamento compulsório e a urgente necessidade da criação de um fundo mundial para pesquisa de medicamentos para as doenças que afligem em grau endêmico os Países de Terceiro Mundo.

Como antídoto contra o populismo chavista/bolivariano, o Brasil pode dar o exemplo de liderança do bloco dos Países em desenvolvimento, agindo de acordo com as regras internacionais. Licença compulsória, use-a com inteligência.

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*Mestre e Doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná. Coordenador do Curso de Direito da UNICEN – Primavera do Leste e Professor de Direito Constitucional.





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