Os projetos de infraestrutura são veiculados em contratos de longo prazo, de 30, 40 anos. São contratos incompletos, que perpassam governos e interesses políticos episódicos.
Não é por outra razão que tais contratos têm, como nota característica estruturante, a estabilidade econômico-financeira (o cumprimento das “regras do jogo”, em atendimento à segurança jurídica).
Afinal de contas, é, justamente, tal estabilidade, que cria incentivos para o aporte de investimentos privados na exploração de ativos – os quais serão amortizados no decorrer do prazo de vigência de tais ajustes –, e não em aplicações financeiras de renda fixa. O regime das concessões não pode ser afetado por arroubos “populistas”.
Tais contratos sofrem de uma vicissitude comum crônica: A apresentação de projetos de lei, por parlamentares, que tem por objeto o estabelecimento de benefícios tarifários, sem o estabelecimento de uma fonte de custeio. Não é um problema de tal ou qual concessão, em particular. Nem de determinada entidade da federação. Semanalmente, verifica -se a apresentação de projetos de lei (federais, estaduais e municipais), que, com o objetivo de angariar algum capital político, estabelecem benefícios tarifários não provisionados em contratos de concessão, sem se preocupar com as “regras do jogo”. Nos últimos anos, apenas na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, cerca de 40 projetos de lei tramitam ou tramitaram, com as mais variadas justificativas sociais sem, no entanto, levar em consideração a necessidade de indicação de fonte de custeio e também a segurança jurídica que deve reger a relação contratual.
São projetos que veiculam inconstitucionalidades formais e materiais chapadas, com o objetivo de iludir o eleitor, criando expectativas que serão frustradas.
É flagrante a inconstitucionalidade formal de norma, de iniciativa parlamentar, que cria benefício referente a serviço público concedido/permitido, e, por consequência, afeta a respectiva política tarifária (art. 61, § 1º, II, b da CRFC/88). Dessa forma, acaba por criar despesa à administração, sem que se aponte a efetiva fonte de custeio.
O tema é tão recorrente que teve de ser disciplinado, pelo art. 112, § 2°, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, segundo o qual “Não será objeto de deliberação proposta que vise conceder gratuidade em serviço público prestado de forma indireta, sem a correspondente indicação da fonte de custeio”. No mesmo sentido, é o dispõe o art. o artigo 35 da lei 9.074/95, o qual dispõe que “a estipulação de novos benefícios tarifários pelo poder concedente fica condicionada à previsão, em lei, da origem dos recursos ou da simultânea revisão da estrutura tarifária do concessionário ou permissionário, de forma a preservar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato”.
A ratio do referido dispositivo é a de, por meio de uma norma geral – aplicável, pois, a todas as entidades federadas –, suspender a eficácia da instituição benefícios tarifários (v.g. gratuidades) até que seja implementada a medida de revisão (compensação) da equação econômico-financeira do ajuste.
Os referidos dispositivos têm dois destinatários. O primeiro destinatário é o Poder Legislativo, que não poderá editar normativos que instituam isenções tarifárias, desconsiderando os seus efeitos econômicos nos contratos de concessão, sob pena de ter sua validade maculada pela pecha da inconstitucionalidade. O segundo é o próprio poder concedente, que, antes de implementar uma isenção tarifária, deve compensar o concessionário por eventual desequilíbrio na equação econômico-financeira do módulo concessório.
A questão-chave, pois, desta temática está na compatibilização entre a desoneração de determinado grupo de usuários com o fluxo de caixa do contrato de concessão.
A lógica é de simples demonstração: as concessões são remuneradas por tarifas, que se consubstanciam na rubrica de “receitas da concessão”, as quais devem ser compensadas com os “custos da concessão”, para o efeito da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro de tais ajustes; a instituição de gratuidades (modalidade de isenção tarifária) reduz as “receitas da concessão”. Logo, tais projetos de lei impõe a revisão da proporção entre as “receitas” e os “custos” da concessão, sob pena de tal contrato restar desequilibrado.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal – STF, por ocasião do julgamento da ADIn 2.733-6, na qual se apreciou a constitucionalidade da lei 7.304/02, do estado do Espírito Santo, cujo objeto era a isenção de pedágio para motocicletas e redução em 50% o valor dos pedágios pagos pelos usuários que fossem estudantes, concluiu que “A lei estadual afeta o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão de obra pública, celebrado pela Administração capixaba, ao conceder descontos e isenções sem qualquer forma de compensação. Afronta evidente ao princípio da harmonia entre os poderes, harmonia e não separação, na medida em que o Poder Legislativo pretende substituir o Executivo na gestão dos contratos administrativos celebrados”.
Na mesma direção, os aspectos econômico-financeiro da gratuidade dos idosos já fora examinado, pelo Supremo Tribunal Federal – STF, por ocasião do julgamento do julgamento da ADIn 3.768-4. ADIn 3.768/DF. No que respeita à sua incidência no equilíbrio-financeiro nos contratos de concessão, o STF se manifestou no sentido de que, como a gratuidade para os maiores de 65 anos foi instituída em 1988 pela Constituição, e não pela lei 10.741/03, colocam-se duas situações: para as concessões celebradas antes de 1998, será necessária a revisão de suas bases econômicas, uma vez que o seu advento não era contemplado no fluxo de caixa do contrato de concessão; e já nas hipóteses das concessões celebradas após a sua vigência, não há que se falar na revisão de suas bases econômicas, considerando que tal custo já deveria estar provisionado na proposta econômica apresentada pelos licitantes.
Daí se poder concluir que são projetos de lei “natimortos”. Mas, a despeito de inconstitucionais e inócuos, trazem um custo. Custo de mobilização de toda máquina administrativa, seja para tramitar o projeto de lei, seja para ter de dizer o óbvio: que ele é inconstitucional. “Custo político” ao Chefe do Poder Executivo, que não tem opções se não vetar a proposta. Custo do Poder Judiciário em ter de ser mobilizado para repetir uma decisão de inconstitucionalidade. Se for aprovado, por descuido, os contratos de concessão serão objeto de reequilíbrio econômico-financeiro, o que pode acarretar o incremento das tarifas, pelos usuários, ou ser objeto de aporte de subsídios do poder público. E quem paga esse conta caríssima? Todos nós.