Migalhas de Peso

Regulação da tecnologia: o futuro (de quem?)

Alguns de nós ainda fecham as cortinas e se perguntam sobre o sujeito estranho no elevador - como é nossa prerrogativa fazer.

13/9/2023

Uma silhueta na janela. Um certo mistério. “O que está fazendo?” Alguém que vimos em um restaurante ou um evento. “Quem é?” Duas pessoas caminhando lado a lado. “Estão juntos?”

Há alguns anos essas perguntas não tinham respostas. Éramos reservados, mas não por opção e sim por circunstâncias. Apenas as pessoas públicas e famosas tinham vidas escrutinadas. Aos demais: o anonimato pré internet.

A internet mudou tudo. As paredes das casas - e das vidas - passaram a ser construídas com vidro. E as pessoas pararam de se preocupar com o fechar das cortinas.

Os jovens escovam os dentes no feed, apresentam seus quartos, mostram sua comida, abrem o guarda roupa, fazem passeios em lives, namoram ao vivo e depois casam e se divorciam nas redes sociais.

Nós, as pessoas, não lemos mais os mesmos livros e nem assistimos mais as mesmas novelas veiculadas em um dos 4 grandes canais abertos de TV. Não ouvimos os mesmos cds e nem vemos o mesmo filme no cinema. Não estamos sujeitos a uma mesma versão do mundo (comum). Nem mesmo os nossos amigos - e parceiros românticos - são todos pessoas às quais conhecemos pessoalmente em algum momento.

As verdades, ideias e sentimentos perderam a homogeneidade.

A intimidade não deixou de existir, mas deixou de ser um conceito e passou a ser milhões, bilhões deles.

É claro o gap entre as gerações que convivem atualmente, mas que cresceram em momentos históricos muito distintos. E esse gap é relevante: estamos falando sobre realidades inconciliavelmente diversas.

Por isso, quando eu falo em pós privacidade ou neointimidade, não significa que esses valores (e princípios) deixaram de existir. Apenas que precisam ser ressignificados.

Esse cuidado é particularmente importante na regulação da tecnologia.

Fazemos audiências públicas para ouvir especialistas e passamos horas debatendo o sexo dos anjos porque queremos dar o melhor. Mas o melhor para quem, cara pálida?

Como e preparar o “terreno” para as futuras gerações se não aceitarmos que o que elas pensam, querem e valorizam é diferente?

E tudo bem! Tudo. Bem.

Não somos paladinos do “correto” e do “verdadeiro”, sabedores “do que é melhor”. Somos apenas pessoas capazes de escolher o que faz sentido para nós mesmos baseados no que experimentamos e aprendemos e nos valores que imprimimos em nossas almas ao longo de nossas vidas.

Se isso deixou de ser suficiente, precisamos ouvir e tentar ao menos compreender o que é “correto” e “verdadeiro” para a geração subsequente. São eles os donos do novo mundo que, aliás, tem tudo para ser mais parecido com os próximos que indubitavelmente virão.

Nós somos uma geração de transição. Vivemos da memória do que foi absoluto até que se tornou relativo.

Alguns de nós ainda fecham as cortinas e se perguntam sobre o sujeito estranho no elevador - como é nossa prerrogativa fazer.

O que não nos cabe - oh, dura verdade (!) - é fechar a cortina alheia. E tudo bem. Tudo. Bem.

Eduarda M. Chacon Rosas
Advogada associada do escritório Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça & Associados.

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