Migalhas de Peso

IR - Verbas indenizatórias

Pela importância da discussão e pelo rumo que as decisões do Superior Tribunal de Justiça estão tomando, é extremamente oportuna a discussão sobre o tratamento tributário das verbas pagas em virtude da rescisão sem justa causa dos contratos de trabalho.

17/5/2007


IR - Verbas indenizatórias

Ricardo Luis Mahlmeister*

Pela importância da discussão e pelo rumo que as decisões do Superior Tribunal de Justiça estão tomando, é extremamente oportuna a discussão sobre o tratamento tributário das verbas pagas em virtude da rescisão sem justa causa dos contratos de trabalho.

Na Migalhas nº 1655 o Dr. Leo Amaral Filho cita o fato de que não existe mais a divergência quanto à incidência do imposto de renda sobre as verbas indenizatórias pagas em virtude da rescisão do contrato de trabalho. De fato não há mais mesmo, o Superior Tribunal de Justiça em julgamento da 1ª Seção definiu que sobre as verbas indenizatórias pagas por liberalidade do empregador deve incidir o imposto de renda, pois se configura o acréscimo patrimonial previsto no artigo 43 do CTN (clique aqui).

Não obstante esse entendimento, pela Súmula nº 215 do E. STJ (clique aqui) mantêm-se o entendimento de que sobre as verbas indenizatórias pagas quando da adesão aos planos ou programas de demissão incentivada ou voluntária, não deve incidir o imposto de renda, pois, nesse caso, não há acréscimo patrimonial.

Parece-me que esse entendimento é um tanto incongruente, pois como se pode justificar o tratamento diferenciado para casos iguais. Em ambos o trabalhador perde seu emprego e sua estabilidade econômico-financeira. Em ambos há um acordo de vontade entre empregador e empregado, havendo num a liberalidade no pagamento, ou a liberalidade de implantar o programa de demissão voluntária e, por via indireta a liberalidade, igual, no pagamento de verbas acima do limite legal.

Não há qualquer diferença entre as duas situações. Se ao aderir aos Programas de Demissão Voluntária, o empregado tem a “opção” (entre aspas porque essa escolha nem sempre se põe isenta de uma carga de obrigatoriedade) entre trocar uma situação social estável, no dificílimo mercado de trabalho, por valores que, sem dúvida, compõem a denominada indenização trabalhista e, essas verbas, têm natureza indenizatória, como não dar tratamento igual àquele que também deixou sua posição socialmente estável, em “troca” (entre aspas, pois o empregado não teve opção) de um mesmo valor que o compensará pela mesma perda.

Diferenciar coisas iguais (indenizações recebidas em programas de demissão voluntária e aquelas recebidas por dispensa sem justa causa) é trazer uma enorme insegurança jurídica. Em ambos os casos o pagamento feito tem nítida natureza indenizatória, mas numa adotou-se um nome (PDV) e na outra não. Ora, então pode-se entender que para as verbas pagas no que se chamou de Programa de Demissão Voluntária, também instalado por liberalidade da empresa e paga por acordo entre as partes, não há incidência de imposto de renda, pois não caracteriza acréscimo patrimonial. De outro lado, se não houve liberalidade na instalação do programa, mas liberalidade no pagamento, a mesma verba, paga sob o mesmo fundamento e com a mesma natureza, caracteriza-se como acréscimo patrimonial e, portanto, tributado pelo imposto de renda?

Os empregadores, ao pagarem indenização aos trabalhadores despedidos sem justa causa, usam de um melhor direito, de um direito mais justo e mais ético, ao ultrapassar os limites mínimos da lei. Por isso reconheceu a insuficiência destes para uma correta indenização para a despedida sem justa causa. O empregador foi mais justo e mais ético do que justo e ético poderia se dizer, caso meramente se apegasse ao mínimo legal. Preferiu prestigiar o lado ético do dever, sem que com isso, absolutamente, retirasse dessa parcela indenizatória a sua ínsita natureza de pura e simples reparação de dano.

O entendimento parece teratológico, uma vez que coisas iguais deferiam receber tratamento igual, sob pena de infringência dos artigos 5º e 150, II da CF (clique aqui). Aliás, a necessidade de se tratar coisas iguais de forma iguais foi observada numas das decisões que serviram de base para a criação da Súmula nº 215 do E. Superior Tribunal de Justiça. O então ministro Demócrito Reinaldo, ao julgar o Recurso Especial nº 153.242/SP assim fundamentou sua decisão:

“Em princípio se sabe que nesse incentivo prevalece a supremacia do poder econômico sobre o hipossuficiente, competindo aos poderes públicos e, especificamente, ao Judiciário, protegê-lo. Na rescisão dos contratos, na verdade, não há igualdade entre as partes. Ao contrário, os empregadores aceitam a proposta da Empresa (ou do Estado ou Município), em relação à dispensa incentivada, porque, de algum modo, lhe é mais favorável e para evitar a rescisão sem justa causa. O que a Empresa pretende, com esse Programa, é diminuir a despesa com pessoal e o faria unilateralmente, com ou sem assentimento dos operários. É ingenuidade pensar, nesses casos, na igualdade das partes.

Quando assim não fosse, a indenização que o empregado aufere na dispensa incentivada tem a mesma natureza daquela percebida quando da rescisão do contrato, ainda que imotivada (ou sem justa causa).

As quantias recebidas (em razão desse incentivo) têm o mesmo objetivo, o de repor o patrimônio do empregado ao estado anterior, visto como, a rescisão do contrato de trabalho, seja ou não consentida, implica, desenganadamente, em dano, consistente na perda do emprego. O pagamento que se faz ao operário afastado do seu emprego, tem natureza de ressarcimento, de compensação pela perda do emprego e, mais ainda, objetiva que o operário, nessas condições, tenha o capital necessário para se manter com a sua família durante certo período, pelo menos até a consecução de outro trabalho o de atividade livre que lhe assegure vida condigna com os seus. Toda e qualquer importância que receber com incentivo ou sem ele – se decorrente da perda do emprego – têm o caráter indenizatório, é mera compensação. Não há, pois, que falar, em acréscimo de patrimônio, porque é dessa mísera indenização que o obreiro irá sobreviver, nos meses subseqüentes e por período indefinido. Nada mais justo que essa verba que, aliás, constitui alimento no porvir, esteja isenta de qualquer desconto.

(...)

A lei não distingue se a despedida (ou rescisão) é desmotivada ou incentivada, não cabendo, ao intérprete, distinguir: quod lex non distinguit non distinguere possumus.” (não grifado no original)

Dessa forma, considerando que uma das decisões, que culminaram com a edição da Súmula nº 215 do E. STJ, pronunciava a não distinção entre as verbas recebidas em virtude de demissão incentivada ou desmotivada, reconhecendo em ambas o caráter indenizatório, não há como se negar que as recentes decisões do STJ, distinguindo coisas iguais, infringe os artigo 5º e 150, II da Constituição Federal.

Essas são em linhas gerais as razões do inconformismo com as recentes decisões do STJ sobre o assunto.

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*Advogado do escritório COSSO Advogados



 

 

 

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