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A razoabilidade na utilização da quebra de sigilo bancário pela Comissão Parlamentar de Inquérito

A utilização da quebra do sigilo bancário como primeiro ato de investigação poderá inviabilizar eventual responsabilização penal, na medida em a prova produzida a partir da quebra do sigilo bancário, e as que decorreram dessa prova, poderão ser declaradas nulas pelo Poder Judiciário.

5/9/2023

A Agência Câmara de Notícias divulgou informe noticiando que a Comissão Parlamentar de Inquérito das Pirâmides Financeiras aprovou a quebra do sigilo bancários de três consagrados artistas brasileiros. Infere-se da citada notícia que a fundamentação para a utilização da medida extrema foi lastreada nas seguintes hipóteses: 

“Precisamos saber se, após o calote a milhares de vítimas, essas pessoas citadas recepcionaram dinheiro dessa empresa”, reforçou o deputado Alfredo Gaspar (União-AL), acrescentando que a dúvida podia ter sido sanada de forma simples se os atores tivessem vindo à CPI.

“É necessário, ainda, identificar se os investigados receberam seus pagamentos em forma de participação na sociedade ou nos lucros da mesma”, afirmou Bilynskyj.

O presidente da CPI, deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), defendeu a quebra do sigilo. “Todos os brasileiros são iguais. Não é porque é um artista, porque é uma celebridade, porque pode recorrer aos melhores advogados que vai ter privilégio nesta Casa.”

Alfredo Gaspar ressaltou ainda que muitas pessoas só investiram na Atlas Quantum porque confiaram na imagem desses artistas.

De acordo com o artigo 6º, da lei 1.579, de 18 de março de 1952, a Comissão Parlamentar de Inquérito encaminhará suas conclusões aos órgãos de persecução Estatal, para que promovam as eventuais responsabilidades sugeridas pelos deputados ou senadores:  

Art. 6o-A. A Comissão Parlamentar de Inquérito encaminhará relatório circunstanciado, com suas conclusões, para as devidas providências, entre outros órgãos, ao Ministério Público ou à Advocacia-Geral da União, com cópia da documentação, para que promovam a responsabilidade civil ou criminal por infrações apuradas e adotem outras medidas decorrentes de suas funções institucionais.(Incluído pela lei 13.367/16)

O artigo 58, §3º, da Constituição Federal estabelece que as comissões parlamentares de inquérito terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. Ou seja, a investigação criminal conduzida pelos deputados ou senadores não pode extrapolar a sistemática de colheita de provas adotada pelas autoridades judiciais, uma vez que o referido dispositivo constitucional não contempla hipóteses de exceção à regra: 

§ 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infrator

Logo, como o ordenamento jurídico veda a aplicação da responsabilidade objetiva em matéria criminal, ou seja, a responsabilidade penal é pessoal, a quebra de sigilo bancário sustentada em ato supostamente praticado por terceiro ofende a razoabilidade da decisão que determinou o afastamento dos sigilos. Confira o entendimento do STF: 

Na hipótese dos autos, constata-se que a denúncia não descreveu, nem ao menos de forma genérica, a conduta da recorrida, tendo afirmado apenas que ela e os demais denunciados eram Diretores Executivos da empresa, e por isso, em razão da posição hierárquica que ocupavam, seriam os responsáveis pela fraude tributária. Sem a individualização mínima de conduta e sem estabelecer qual seria o vínculo entre o cargo de Diretoria então ocupado pela ora recorrida e o delito a ela imputado, no âmbito de uma empresa com cerca de 17.000 funcionários em território nacional, com administração setorizada em diversas diretorias, está configurada a inépcia da denúncia pela generalidade, e, por via de consequência, a reprovável responsabilidade penal objetiva, repudiada pelo ordenamento pátrio. (AgRg no AgRg no REsp n. 2.038.919/PR, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 14/8/23, DJe de 16/8/23.)

Aliás, a despeito de o sigilo bancário não ter caráter absoluto, na medida em que o interesse público deve prevalecer sobre o particular, à interferência do Estado na vida privada do cidadão só deve ocorrer quando demonstrada a imprescindibilidade da medida. Isto é, de acordo com o STF, por ofender a razoabilidade, a quebra do sigilo bancário não deve ser utilizada como o primeiro ato de investigação:

O sigilo bancário, espécie de direito à privacidade protegido pela Constituição de 1988, não é absoluto, pois deve ceder diante dos interesses público, social e da Justiça. Assim, deve ceder também na forma e com observância de procedimento legal e com respeito ao princípio da razoabilidade. (AI 655298 AgR, Relator(a): EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 04/9/07, DJe-112 DIVULG 27-9-07 PUBLIC 28-9-07 DJ 28-9-07 PP-00057  EMENT VOL-02291-13 PP-02513 RNDJ v. 8, n. 95, 07, p. 87-88)

Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que a quebra do sigilo bancário pressupõe ser medida indispensável à produção probatória. Como em direito penal a indispensabilidade da medida não pode ser justificada por presunção, mas através de documentos que comprovem a indispensabilidade do ato, quando a utilização da medida extrema é lastreada em opiniões pessoais do investigador, se pode afirmar que essa modalidade de colheita de provas extrapolou os limites constitucionais conferidos às autoridades responsáveis pela condução dos trabalhos perante as comissões parlamentares de inquérito.  

Esta Corte Superior possui entendimento no sentido de que os requisitos para a decretação da quebra do sigilo bancário podem ser resumidos em: ¹demonstração de indícios de existência de delito ²demonstração da necessidade/imprescindibilidade da medida para obtenção de prova da autoria e/ou materialidade do delito; ³indicação da pertinência temática entre as informações obtidas e a natureza do delito; 4delimitação dos sujeitos titulares dos dados a serem investigados e do lapso temporal abrangido pela ordem de ruptura dos registros sigilosos mantidos por instituição financeira. (HC n. 506.999/PR, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 5/9/2019, DJe de 16/9/19.)

A propósito, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MS 25812 MC, Relator Min. CEZAR PELUSO, publicado em DJ 23-2-06, foi contundente ao dispor que o resultado da quebra do sigilo bancário não possa advir de nenhum outro meio ou fonte lícita de prova, isto é, a quebra do sigilo bancário não pode ser utilizada para fundamentar pretensão inicial de colheita de provas. Confira trechos da ementa do citado julgado:

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem entendido que a autorização do afastamento do bancário deverá indicar, mediante fundamentos idôneos, a pertinência temática, a necessidade da medida, "que o resultado não possa advir de nenhum outro meio ou fonte lícita de prova" e "existência de limitação temporal do objeto da medida, enquanto predeterminação formal do período"

O § 4.º, do artigo 1.º, da Lei Complementar n. 105/01 possui a seguinte redação:

§ 4o A quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos seguintes crimes:

Apesar de o § 4.º, do artigo 1º, da Lei Complementar 105/01 se tratar de rol exemplificativo, os exemplos dados pelo legislador não podem ser ignorados na análise da razoabilidade da colheita de provas por quebra de sigilo bancário.

Isso quer dizer que quando a quebra do sigilo bancário for justificada em infração penal antecedente que não engloba os exemplos de crimes elencados na LC 105/01 é dever da autoridade responsável pela decretação da medida extrema aumentar a cautela sobre a indispensabilidade da medida.

No caso publicado pela Agência Câmara de Notícias, o crime investigado pela comissão parlamentar de inquérito não está inserido no rol § 4.º, do artigo 1º, da lei complementar 105/01. Trata-se de infração penal prevista no 2º, IX, da lei 1.521, de 26 de dezembro de 1951:

        Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, de dois mil a cinqüenta mil cruzeiros.

Diga-se de passagem, como o crime investigado pela comissão parlamentar de inquérito tem pena de detenção, o eventual pedido de interceptação telefônica seria sumariamente indeferido pela autoridade Judicial, uma vez que o artigo 2º, III, da lei 9.296/96 veda a utilização dessa medida quando fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção:

 Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

Portanto, a utilização da quebra do sigilo bancário como primeiro ato de investigação poderá inviabilizar eventual responsabilização penal, na medida em a prova produzida a partir da quebra do sigilo bancário, e as que decorreram dessa prova, poderão ser declaradas nulas pelo Poder Judiciário. Confira trechos da ementa do AgRg na Pet 1.611/RO, relator Ministro José Delgado, Corte Especial, julgado em 15/5/02, DJ de 22/4/2003, p. 190:

A quebra dos sigilos bancário e fiscal é medida excepcional. Só há de ser concedida quando os fatos demonstrem a absoluta necessidade da sua realização e nos limites da competência do órgão investigador.

No caso em exame, prepondera para justificar o indeferimento do pedido os seguintes aspectos jurídicos:

a) não há, nos autos, fundamentação convincente da necessidade da medida requerida; b) as CPIs estaduais não têm competência para investigar autoridades que estão submetidas a foro privilegiado federal.

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Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

lei Complementar n. 105/2001, de 10 de janeiro de 2001.

lei nº. 1.579, de 18 de março de 1952.

lei 1.521, de 26 de dezembro de 1951.

lei 9.296, de 24 de julho de 1996.

AgRg no AgRg no REsp n. 2.038.919/PR, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 14/8/2023, DJe de 16/8/23.

AI 655298 AgR, Relator(a): EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 04/9/07, DJe-112 DIVULG 27-09-2007 PUBLIC 28-9-07 DJ 28-9-07 PP-00057  EMENT VOL-02291-13 PP-02513 RNDJ v. 8, n. 95, 07, p. 87-88.

HC n. 506.999/PR, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 5/9/19, DJe de 16/9/19.

MS 25812 MC, Relator Min. CEZAR PELUSO, publicado em DJ 23-2-06.

AgRg na Pet 1.611/RO, relator Ministro José Delgado, Corte Especial, julgado em 15/5/02, DJ de 22/4/03, p. 190.

RHC 78.162/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/11/18, DJe de 10/12/18.

AgRg no RHC n. 176.010/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 20/3/23, DJe de 29/3/23.

RHC n. 79.295/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 20/4/2021, DJe de 30/4/21.

https://www.camara.leg.br/noticias/990581-cpi-quebra-sigilo-de-atores-que-fizeram-propaganda-para-empresa-acusada-de-piramide-financeira

Ricardo Henrique Araujo Pinheiro
Advogado especialista em Direito Penal. Sócio no Araújo Pinheiro Advocacia.

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