O sistema jurídico do Brasil é o Civil Law, derivado do sistema romano-germânico, quem tem as Leis, os Códigos e as normas como principal fonte do Direito. Mas às vezes o legislador brasileiro abusa do direito/dever de fazer leis para regular as situações e conflitos.
Recentemente, a atriz e cantora Larissa Manuela veio a público, através de um canal aberto de televisão famoso, criticar a administração de seus bens pelos seus pais através da constituição de empresas. Estranhamento, o que era um problema de Direito de Família, nesse momento, a situação virou um problema de Direito Empresarial e as empresas passaram a ser condenadas.
Não só isso, mas, nos dias subsequentes a transmissão da entrevista, os deputados federais Pedro Campos e Duarte Júnior apresentarem um projeto de lei para regular e tratar da administração de bens dos filhos menores através de empresas e a inserção de cláusula revisional.
O Projeto de Lei 3971/23 tem como finalidade alterar o arts. 1.691 e 1.962, ambos do Código Civil. Entre os dispositivos previstos, no suposto no § 3º do Art. 1.691, apresenta o dever de os contratos firmados sobre o exercício do poder familiar, conter cláusula revisional condicionada à maioridade dos filhos. Tal dispositivo, por melhor boa intenção que tenha, será objeto de grande insegurança jurídica, pois, dependendo da idade do menor, pode haver um prazo de até 18 anos para que os contratos sejam revistos.
Imagine a seguinte situação: o menor, por alguma razão que não vem ao caso, tem um imóvel aos 5 anos de idade, o pai/mãe para administrar melhor, aluga esse imóvel e aplica o dinheiro em um fundo de investimento, sob o CPF do menor. Supondo que são feitos diversos contratos de aluguéis ao longo do tempo e que cada um tenha um prazo médio de 3 anos; até que o menor tenha 18 anos foram realizados pelo menos 5 contratos. Para simplificar, o valor dos aluguéis está depositado e guardado no fundo de investimento, nada foi utilizado.
Nos mantendo na análise da relação do contrato de aluguel, supondo que o Projeto de Lei tenha sido aprovado e entrado em vigor, quando o menor fizer 18 anos ele pode pedir a revisão do primeiro contrato firmado a mais de 13 anos. Como a previsão legal é ampla, todo o contrato pode ser revisto, podendo ser revisto o valor do aluguel para mais, ser majorada as garantias com indenização, face a impossibilidade de retomar a relação fática, pode haver aplicação de multas retroativas não previstas inicialmente ao contrato, pode até ser pensado em um distrato.
Ainda que o locatário tenha cumprido todas as determinações legais e contratuais, que não tenha havido má-fé, que tenha existido a boa-fé, a confiança, a paridade nas relações, só pelo simples fato de o menor ter atingido a maioridade, o contrato pode ser revisto em sua totalidade.
Agora, voltando ao caso de Larissa Manuela e outras crianças que trabalham como atores/atrizes cantores/cantoras mirins, que trabalham em circo e outras funções que são permitidas aos menores exercerem. Quando esse menor atingir a maioridade, ele vai poder questionar o contrato de trabalho? Pode questionar a quantidade de horas trabalhada?
Se esse imóvel do exemplo da locação tenha sido adquirido com o fruto do trabalho, é possível questionar a relação de compra e venda para desfazer o contrato e adquirir um novo imóvel? Ou outro bem qualquer? Ou mesmo a necessidade eventual de contratação de um tutor ou um administrador para o patrimônio?
Agora pensando nas duas relações contratual e empresarial, a possibilidade de revisão atinge os atos praticados pela empresa onde o bem/recurso/patrimônio foi alocado? E como fica a segurança jurídica?
Segundo José Afonso da Silva, “a segurança jurídica consiste no ‘conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida’. Uma importante condição da segurança jurídica está na relativa certeza que os indivíduos têm de que as relações realizadas sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma seja substituída" (SILVA, J., 2006, p. 133).
Maria Sylvia Zanella Di Pietro ressalta que “O princípio da segurança jurídica apresenta o aspecto objetivo, da estabilidade das relações jurídicas, e o aspecto subjetivo, da proteção à confiança ou confiança legítima”. E complementa afirmando que ele representa a proteção de confiança e boa-fé que se espera nas relações jurídicas.
Obrigada a inserção de cláusula genérica de revisão contratual para quando o menor atinja a maioridade fere as estabilidades das relações jurídicas, pois faz com que as consequências dela não sejam conhecidas e fiquem a mercê da vontade humana.
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BRASIL. Projeto de Lei n. 3917/2023. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2312127&filename=PL%203917/2023. Acesso em: 22 ago. 2023.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O STJ e o princípio da segurança Jurídica. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/302189/o-stj-e-o-principio-da-seguranca-juridica. Acesso em: 22 ago. 2023.
SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2006.