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Psiquiatria forense - Execução penal e as ciências psiquiátricas e psicológicas

A Psicologia e a Psiquiatria Forense são áreas do conhecimento em saúde com estudo em interface com as Ciências Jurídicas que auxiliam as tomadas de decisões da Justiça.

18/8/2023

A Psiquiatria na prática Forense

A Psiquiatria Forense é uma subespecialidade da psiquiatria atuante na interface Psiquiatria e Direito. Sua função é proporcionar o diálogo técnico entre a Medicina e o Direito com a tradução dos significados dos termos de uma das ciências para a outra. Nesta interface faz se mister que o perito médico tenha conhecimento técnico em Psiquiatria, além de ser imprescindível o conhecimento jurídico. Somados estes dois quesitos, o Psiquiatra Forense deverá fazer as conversões de linguagem médica para que os Operadores do Direito possam exercer suas funções legais.1 

A Psicologia na prática Forense

A Psicologia Forense corresponde à área da Psicologia que atua com os sistemas da Justiça. No caso da psicologia que trabalha justamente com execução das penas restritivas de liberdade e restritivas de direito nomeia-se Psicologia Penitenciária ou Carcerária. Nesta área do conhecimento e da atuação profissional é papel do psicólogo a realização de estudos sobre condenados, intervenção junto ao recluso, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis em população carcerária, trabalho com agentes de segurança, ações com o stress em agentes de segurança penitenciária, labor com egressos, penas alternativas (penas de prestação de serviço à comunidade), entre outros.2 

Psicólogos e Psiquiatras na Execução Penal

A individualização da pena3 não se encerra quando a sentença é proferida. É necessário também que sejam feitas adaptações durante o cumprimento da pena. Para tanto, o Juízo da execução pode contar com diversos mecanismos apresentados na Lei de Execução Penal (LEP), como o exame de personalidade, o exame criminológico e o parecer da Comissão Técnica de Classificação (CTC).4, 5

A LEP, lei 7.210, promulgada em 1984, prevê a individualização da pena, oferecendo ao sentenciado maiores possibilidades de recuperação e reinserção social.6 Para isto, define a existência da CTC em cada estabelecimento de execução penal.5, 6

A CTC deve ser presidida pelo diretor e composta, no mínimo, por dois chefes de serviço, um psiquiatra, um psicólogo e um assistente social, quando se tratar de condenado à pena privativa de liberdade. (LEP, Art. 7º)

A CTC tinha como função, segundo a LEP, Art. 6 º, elaborar um programa individualizado e acompanhar a execução das penas privativas de liberdade e restritivas de direitos, devendo propor, à autoridade competente, as progressões e regressões dos regimes, bem como as conversões.

Este artigo citado previamente, alterado em 1º/12/03, dava à CTC a incumbência de propor as progressões. Para Sá & Alves, a CTC, diferentemente da equipe de perícia, ao dever tomar a iniciativa nos procedimentos de progressão de pena, traria a possibilidade de uma execução de pena realmente dinâmica e humana, em prol da própria paz na população carcerária.4

Com a alteração na LEP citada anteriormente, foi suspendida a avaliação do sentenciado para a progressão de regime realizada pela CTC.6

Art. 6o A classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação que elaborará o programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório.

Sá & Alves apontam que as modificações trazidas pela lei 10.792/03 representaram um retrocesso. Segundo os autores, o resultado é que hoje os benefícios prisionais estão lastreados em mero atestado de boa conduta fornecido pelo diretor do presídio. Por outro lado, de nada adiantará modificar novamente a lei se os estabelecimentos prisionais não possuírem CTC com infraestrutura adequada para a elaboração de pareceres interdisciplinares, humanos, de qualidade, e não “mecanizados”, “padronizados”.4

O parecer de CTC deve avaliar o histórico prisional e a conduta do indivíduo de forma global e justa. Representa uma avaliação das respostas que o preso vem dando às propostas terapêutico-penais que lhe têm sido disponibilizadas. Para tanto, há que se oferecer um programa que dê oportunidade ao preso, minimamente planejada e adequada à sua pessoa, para que nela ele possa se encontrar, conhecer-se melhor, conhecer seus interesses, aptidões e pensar melhor em seu futuro, e que ele seja acompanhado, humanamente observado, e estimulado. Esse trabalho e planejamento de oportunidades adequadas ao perfil dos presos é especificamente a função da CTC.4

A partir do exposto, pode-se observar o importante papel desempenhado pelos médicos e pelos psicólogos na execução penal. 

O Exame criminológico

Art. 8º O condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime fechado, será submetido a exame criminológico para a obtenção dos elementos necessários a uma adequada classificação e com vistas à individualização da execução. (LEP, Art. 8º)

O Exame Criminológico é caracterizado como perícia e deve ser feito e assinado somente por psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais. Por se tratar de perícia, o Manual de Tratamento Penitenciário Integrado para o Sistema Penitenciário Federal coloca que o Exame Criminológico deve ser realizado, sempre que possível, por profissionais sem envolvimento com o dia-a-dia do preso.7

Devido o envolvimento diário com o presídio e seus programas, uma relação interessada com o cotidiano do cárcere e dos presos, o parecer de CTC não tem as características para ser perícia, e portando, Exame Criminológico.4

Este exame visa avaliar as condições pessoais, das funções mentais, corpo, e fatores sócio familiares do preso; e as circunstâncias que o envolveram; o que, de alguma forma, podem explicar sua conduta criminosa anterior. Esta avaliação possibilita a verificação sobre a adaptação do preso ao cárcere, oferecendo subsídios para a individualização da execução de sua pena. Ou ainda, possibilita uma aferição sobre possíveis desdobramentos futuros de sua conduta, em termos de probabilidade de recidiva e obviamente nunca apresentar certeza.

Portanto, outros profissionais designados pelo Ministério da Justiça e Poder Judiciário devem fazer o Exame Criminológico, ainda que a Portaria 2065/07 indique a possibilidade do Exame Criminológico ser feito pelos mesmos profissionais da CTC. Deve-se também a motivos teóricos e éticos e das Classes Profissionais de Psicologia, Serviço Social, ser importante que sejam feitos por profissionais especialmente designados para o exame.7

Atualmente o Conselho Federal de Psicologia, de acordo com a Resolução CFP 012/11, coloca que:8

Art. 4º. Em relação à elaboração de documentos escritos para subsidiar a decisão  judicial na execução das penas e das medidas de segurança:

a) A produção de documentos escritos com a finalidade exposta no caput deste artigo não poderá ser realizada pela(o) psicóloga(o) que atua como profissional de referência para o acompanhamento da pessoa em cumprimento da pena ou medida de segurança, em quaisquer modalidades como atenção psicossocial, atenção à saúde integral, projetos de reintegração social, entre outros.

b) A partir da decisão judicial fundamentada que determina a elaboração do exame criminológico ou outros documentos escritos com a finalidade de instruir processo de execução penal, excetuadas as situações previstas na alínea 'a', caberá à (ao) psicóloga (o) somente realizar a perícia psicológica, a partir dos quesitos elaborados pelo demandante e dentro dos parâmetros técnico-científicos e éticos da profissão.

§ 1º. Na perícia psicológica realizada no contexto da execução penal ficam vedadas a elaboração de prognóstico criminológico de reincidência, a aferição de periculosidade e o estabelecimento de nexo causal a partir do binômio delito delinquente.

A relação entre Reforma Psiquiátrica e Execução Penal

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, em 30 de julho de 2010, dispôs quanto à substituição do modelo manicomial de cumprimento de medida de segurança para o modelo antimanicomial, no que tange à atenção aos pacientes judiciários e à execução da medida de segurança. Essa substituição deve ser implantada e concluída no prazo de 10 anos.9

A partir de então, fica determinado a mudança do modelo assistencial de tratamento e cuidado em saúde mental, que deve acontecer de modo antimanicomial; em serviços substitutivos em meio aberto; buscando a intersetorialidade como forma de abordagem; o acompanhamento psicossocial contínuo, realizado pela equipe interdisciplinar; a individualização da medida; a inserção social; o fortalecimento das habilidades e capacidades do sujeito em responder pelo que faz ou deixa de fazer.9 

A adoção do modelo antimanicomial traz funções importantes ao psiquiatra forense e ao psicólogo jurídico, como a elaboração de projeto individualizado de atenção integral; o acompanhamento psicológico do paciente judiciário; perícias criminais nos casos em que houver exame de sanidade mental e cessação de periculosidade; emitir relatórios e pareceres ao juiz competente sobre o acompanhamento do paciente judiciário nas diversas fases processuais; sugerir à autoridade judicial medidas processuais pertinentes, com base em subsídios advindos do acompanhamento clínico social; prestar ao Juiz competente as informações clínico sociais necessárias à garantia dos direitos do paciente judiciário.9 

Conclusões

A Psicologia e a Psiquiatria Forense são áreas do conhecimento em saúde com estudo em interface com as Ciências Jurídicas que auxiliam as tomadas de decisões da Justiça. Possuem importante participação na matéria das Execuções Penais, como na elaboração de programa individualizador da pena, exame criminológico e abordagens antimanicomiais.

No Brasil a atuação do Psiquiatra e do Psicólogo Forense ainda é subaproveitada e ter a possibilidade de fazer esta publicação é motivo de eterna Gratidão por esta Oportunidade Excepcional de esclarecimento para os Operadores do Direito. 

______________

1 Palomba GA. Tratado de psiquiatria forense civil e penal. São Paulo, Atheneu, 2003.

2 FRANCA, Fátima. Reflexões sobre psicologia jurídica e seu panorama no Brasil.Psicol. teor. prat.,  São Paulo,  v. 6,  n. 1, jun.  2004 .   

3 (art. 5º, XLVI, da CF)

4 SÁ, Alvino Augusto de. ALVES, Jamil Chaim. Dos pareceres da comissão técnica de classificação na individualização executória da pena: uma revisão interdisciplinar. Boletim IBCCRIM : São Paulo, ano 17, n. 201, p. 7-9, ago. 2009.

5 Brasil. Lei de Execução Penal. LEI Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984.

6 Serafim AP & Saffi F. Psicologia e práticas forenses. Manole. 2012.

7 Ministério Da Justiça. Departamento Penitenciário Nacional. Diretoria Do Sistema Penitenciário Federal. Projeto Bra 05/038. Modernização Do Sistema Penitenciário Nacional. Manual De Tratamento Penitenciário Integrado Para O Sistema Penitenciário Federal: Gestão Compartilhada E Individualização Da Pena. Brasilia 2011.

8 Resolução CFP 012/2011. Regulamenta a atuação da(o) psicóloga(o) no âmbito do sistema prisional.

9 Conselho Nacional De Política Criminal E Penitenciária. Resolução No- 4, de 30 de julho de 2010. Atenção aos Pacientes Judiciários.

Hewdy Lobo
Psiquiatra Forense (CREMESP 114681, RQE 300311), Membro da Comissão de Saúde Mental da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria. Atuação como Assistente Técnico em avaliação da Sanidade Mental.

Ana Carolina Schmidt de Oliveira
Psicóloga (PUC Campinas e UNIR Espanha), especialista em dependência química (UNIFESP), máster em psicologia legal e forense (UNED Espanha). Coordenadora pedagógica dos cursos de Pós-Graduação UNIP/Vida Mental.

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