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A vida como cláusula pétrea constitucional

A presente exposição tem como fito demonstrar a inviolabilidade do direito à vida, como cláusula pétrea constitucional, norma civil de ordem pública e direito indisponível.

17/8/2023

O art. 5º da Constituição Federal estipula – como norma de ordem pública e direito indisponível - a inviolabilidade do direito à vida, in verbis: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” 

Acrescente-se o art. 60, § 4º, em que prevê o direito à vida como cláusula pétrea, dentro dos direitos e garantias individuais, i.e., imutável, intocável, imexível, não facultado/à disposição da vontade individual de qualquer pessoa ou grupo social, pois norma de eficácia absoluta (Diniz, Maria Helena, Direito Civil Brasileiro). 

“§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: 

I - a forma federativa de Estado; 

II - o voto direto, secreto, universal e periódico; 

III - a separação dos Poderes; 

IV - os direitos e garantias individuais.” 

No Direito Civil, há a previsão de proteção do nascituro, nos termos seguintes: “art. Art. 2 o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. A esse respeito, afirma-se a concepção traz a ideia de ovo ou zigoto devidamente fecundado, com perspectiva de multiplicação de células, para formação dos órgãos. Portanto, por haver movimentação para multiplicação há vida, com a possibilidade de nascimento da criança.  

Quanto à retirada do feto por considerá-lo objeto do corpo, i.e., sem vida, os artigos 13 e 14 do Código Civil prescrevem: 

“Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes. 

Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será  admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial. 

Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte. 

Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo” 

Desta feita, não há possibilidade de disposição do próprio corpo, por implicar em diminuição permanente à integridade física, no escopo de proibir a venda de órgãos (rins), a exemplo do que vem a ocorrer na Índia. Admite-se, apenas por exigência médica (para retirada de órgão prejudicial à saúde do paciente) ou para fins de transplante (fins altruísticos), a beneficiar outra pessoa. 

Se a razão legal é proibir a doação ou retirada ilegal de órgão do próprio corpo, não se poderia admitir a retirada de um feto, sequer faz parte dos órgãos de uma pessoa. Aqui o feto/criança tem vida/perspectiva de multiplicação de células para formação de órgãos ou está parcialmente formada, a depender, apenas, do tempo de gestação. Ela/criança sequer é um órgão, mas uma vida intrauterina à espera da hora do parto. Com isso, se a mãe não pode dispor do próprio corpo - exceto para fins altruísticos - muito menos disporá de uma vida em formação no respectivo ventre.  

A faculdade de retirar o feto é muito pleiteada nos dias atuais, por meio de “lobby” de diversos grupos de mulheres, a ter como argumentos o empoderamento feminino e autonomia da vontade, no afã de evitar o abortamento em clínicas clandestinas. Ora, se ainda estivéssemos nos idos dos anos 60/80 poderia-se admitir tais argumentos diante da escassez de insumos preventivos. Agora, em pleno século XXI, em que a mulher tem plena capacidade de escolher quando e como engravidar - por haver inúmeras formas de evitar a gravidez indesejada, por anticoncepcionais, DIUS, camisinhas femininas, masculinas, injeções de 06 (seis) meses a um ano de eficácia - seria subestimar a sabedoria, a autodeterminação e autonomia da vontade feminina. Portanto, não se pode fragilizar um gênero, para fanquear o direito de matar um ser constitucional e civilmente protegido.  

Por conseguinte, em voga está a tese desobjetivação dos animais, a lhes conferir direitos inerentes aos seres humanos (de cuidados com a vida, guarda, alimentos, visitas, de legitimidade em petições, hereditários...). Entretanto, há esta tese argumentativa de tornar o feto objeto, no afã de lhe retirar os direitos indisponíveis peculiares à vida humana, em uma completa inversão de valores. Por esta inversão indaga-se: por que conferir o bônus de alimentos gravídicos a quem, em tese, não teria vida? Ademais, há a possibilidade de barganha, i.e., de condicionamento do nascimento da criança ante o ganho de um bem/direito material ou imaterial.   

Portanto, caso o governo realize campanhas maciças nas escolas sobre educação sexual, com vistas ao uso dos métodos contraceptivos e disponha anticoncepcionais/medidas de emergência (art. 9º, § 3º da Lei 11.340/2002 - Lei Maria da Penha) e demais insumos nas farmácias públicas, decerto a gravidez indesejada e os abortamentos seriam evitados; lógico, a longo prazo, mantendo-se, forçosamente, a permissão penal atual. Pois bem, a educação (nas escolas), a prevenção (por meio da disponibilidade de insumos) e publicidade intensa, por campanhas de uso de métodos contraceptivos são os meios mais aconselháveis e racionais para o desiderato aqui pretendido.  

Por arrematar, que fique o registro: “vidas dos bebês importam”, pois cláusula pétrea, norma de eficácia absoluta, interesse difuso, indisponível e de ordem pública, a legitimar o Ministério Público como defensor constitucional, com o fito de evitar a reiteração do previsível “massacre de inocentes”. Portanto, com respaldo no postulado da proporcionalidade: direitos humanos para quem é humano. 

Luzivaldo Pantoja de Lima
Especialista em Direito Civil e Processual Civil e em Direito Municipal. Advogado.

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