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O rol do art. 927 do CPC é meramente exemplificativo

O referido precedente demonstra que o STJ entende que o rol de precedentes vinculantes elencados no art. 927 do CPC é meramente exemplificativo.

10/8/2023

Quando do julgamento do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal nº 825/RS, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou o entendimento de que “a locução ‘jurisprudência dominante’, para fins do manejo de pedido de uniformização de interpretação de lei federal (PUIL), deve abranger não apenas as hipóteses previstas no art. 927, III, do CPC, mas também os acórdãos do STJ proferidos em embargos de divergência e nos próprios pedidos de uniformização de lei federal por ele decididos” (PUIL 825/RS, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, julgado em 24/5/2023, DJe de 5/6/2023).

Sobre o tema, leciona Leonardo Carneiro da Cunha:

“As formas estabelecidas no art. 927 não são exaustivas, mas sim exemplificativas. Se, concretamente, as formas previstas no art. 927 forem suficientes, não será preciso recorrer a outras para o cumprimento dos deveres fixados no art. 926. Diversamente, se tais deveres não forem atendidos, é imperioso que se recorra ao art. 926 para obtenção da solução adequada.

(...)

O STJ é dividido em 6 turmas, cujas competências são definidas pela matéria. As 1ª e 2ª turmas julgam direito público; as 3ª e 4ª, direito privado; as 5ª e 6ª, direito penal. A 1ª Seção congrega as 1ª e 2ª Turmas, enquanto a 2ª, as 3ª e 4ª Turmas. Por sua vez, a 3ª Seção abrange as 5ª e 6ª Turmas. Um precedente da 1ª Seção em matéria tributária, por exemplo, equivale a um precedente de um pleno ou órgão especial, pois é o órgão de maior composição nessa matéria. Um precedente da 2ª Seção em caso de propriedade industrial, por exemplo, equivale a um precedente de um pleno ou órgão especial, pois é o órgão máximo nessa matéria. Por isso, o inciso V do art. 927 deve aplicar-se também para os precedentes emitidos pelas seções do STJ1.”

Entendemos que esse importante precedente da Primeira Seção do STJ deixa claro que o rol de precedentes vinculantes contidos no art. 927 CPC não é taxativo, mas sim exemplificativo.

Sobre o mencionado dispositivo legal, oportuna se faz transcrever a doutrina de Patrícia Perrone Campos Mello e Luís Roberto Barroso:

“A trajetória descrita acima completou-se com o Novo Código de Processo Civil. Nele se instituiu um sistema amplo de precedentes vinculantes, prevendo-se a possibilidade de produção de julgados com tal eficácia não apenas pelos tribunais superiores, mas igualmente pelos tribunais de segundo grau. Nessa linha, o art. 927 do novo Código definiu, como entendimentos a serem obrigatoriamente observados pelas demais instâncias: (i) as súmulas vinculantes, (ii) as decisões proferidas pelo STF em sede de controle concentrado da constitucionalidade, (iii) os acórdãos proferidos em julgamento com repercussão geral ou em recurso extraordinário ou especial repetitivo, (iv) os julgados dos tribunais proferidos em incidente de resolução de demanda repetitiva e (v) em incidente de assunção de competência, (vi) os enunciados da súmula simples da jurisprudência do STF e do STJ e (vii) as orientações firmadas pelo plenário ou pelos órgãos especiais das cortes de segundo grau2

Por outro lado, é importante registrar que o inciso V do art. 927 do CPC possui duas interpretações possíveis.

Eis como esse tema restou brilhantemente enfrentado por Lucas Buril de Macêdo:

“(...)

Finalmente, o CPC estatui que os órgãos julgadores vinculam-se às teses assumidas pelo pleno ou órgão especial aos quais estiverem vinculados. Esta previsão é, sem dúvidas, a mais polêmica, diante da importância que possui para o stare decisis, a ser engrandecido ou diminuído conforme a interpretação eu for outorgada ao seu texto. Com efeito, é possível realizar uma dentre as duas leituras seguintes: a primeira, mais literal e restritiva, no sentido de que o órgão menor do tribunal está vinculado aos precedentes do órgão maior, com o que haveria a tutela exclusiva do dever de uniformização, fazendo com que os entendimentos assumidos no mesmo tribunal estivessem sempre em conformidade com o seu maior órgão; ou a segunda, que, além de abranger o dito na primeira, é mais extensiva, pois tem como ponto de partida a premissa de que os órgãos jurisdicionais que se encontram abaixo de outro na pirâmide da hierarquia judiciária estão vinculados, fazendo com que, nesta interpretação, os juízes estejam vinculados aos plenos ou órgãos especiais tanto do tribunal intermediário do qual fazem parte como também do pleno do STF e à Cortes Especial do STJ.

Esta última intepretação é a mais adequada. Com ela, tem-se a construção de um verdadeiro sistema de precedentes obrigatórios, concretizando de forma mais efetiva o direito fundamental à segurança jurídica, que deve nortear a leitura do dispositivo.

(..)

Com a regra de que os juízes de primeiro grau vinculam-se ao pleno ou órgão especial do tribunal intermediário que integram também à Corte Especial do STJ e o pleno do STF, tem-se uma efetiva proteção da segurança jurídica, tornando o art. 927, V, do CPC material suficiente para a caracterização do stare decisis, que é uma imposição contemporânea dos princípios constitucionais da segurança jurídica, igualdade e eficiência3

Leonardo Carneiro da Cunha também faz essa interpretação mais extensiva do inciso V do art. 927 do CPC, senão vejamos:

“Os órgãos julgadores devem observar as teses assumidas pelo pleno ou órgão especial do tribunal aos quais estejam vinculados. Quer isso dizer que os juízes estão vinculados aos plenos ou órgãos especiais do tribunal intermediário do qual façam parte, bem como ao pleno do STF e à corte especial do STJ4

Com efeito, o precedente firmado pela Primeira Seção do STJ no julgamento do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal 825/RS demonstra que se deve interpretar o inciso V do art. 927 do CPC de forma extensiva, ou seja, no sentido de que os juízes estão vinculados não apenas aos plenos ou órgãos especiais do tribunal intermediário do qual façam parte, como também ao pleno do STF e à corte especial do STJ.

Por fim, pode-se afirmar que o referido precedente, conforme acima mencionado, demonstra que o STJ entende que o rol de precedentes vinculantes elencados no art. 927 do CPC é meramente exemplificativo.

_____________

1 CUNHA, Leonardo Carneiro da. Código de Processo Civil comentado. 1.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 1.361.

2 BARROSO, Luís Roberto. Um outro país. Transformações no direito, na ética e na agenda do Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2018, pp. 207/208.

3 MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. 3 ed. Salvador: JusPodivm, 2019, pp.363/364.

4 CUNHA, Leonardo Carneiro da. Op. cit., 1.361.

Carlos Eduardo Jar e Silva
Bacharel em Direito pela UNICAP - Universidade Católica de Pernambuco. Advogado. Ex-membro do CIJUSPE - Centro de Inteligência da Justiça Estadual de Pernambuco.

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