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Do direito ao conhecimento conjugado com os direitos de autor

O direito de livre acesso à informação, à educação, à cultura e ao desenvolvimento está previsto nos artigos 5º, inciso XIV, 6º, 170 e 215, da Constituição Federal.

17/5/2007


Do direito ao conhecimento conjugado com os direitos de autor

Patrícia Luciane de Carvalho*

O direito de livre acesso à informação, à educação, à cultura e ao desenvolvimento está previsto nos artigos 5º, inciso XIV, 6º, 170 e 215, da Constituição Federal (clique aqui).

Oferecendo à Constituição Federal a interpretação sistêmica, constata-se que o direito à informação, à educação e à cultura são todos direitos fundamentais.

Aos direitos fundamentais oferece-se proteção especial, já que correspondem à construção internacional dos direitos humanos, protegidos desde a Organização das Nações Unidas e, regionalmente, pela Organização dos Estados Americanos, através da Corte Interamericana de Proteção dos Direitos Humanos.

Proteção especial que diz respeito à eficácia plena, em conformidade com o § 1º, do artigo 5º da Constituição. O qual determina que não existem condicionantes à prestação desses direitos, salvaguardadas as exceções constitucionais, como o cumprimento da função social da propriedade. Portanto, qualquer outra alegação quanto à eficácia destes dispositivos apenas pode ser admitida em sede de atuação estatal preventiva. Assim, quando o Poder Judiciário é acionado deve, no exercício da função de interprete e aplicador da norma, oferecer eficácia plena aos direitos fundamentais reclamados.

Estes direitos, com a forma de atuação da requerida, têm sido desrespeitados reiteradamente. Primeiro, pela fiscalização e apreensão de materiais, com enfoque ao material utilizado em classe por professores, que normalmente ficam à disposição em pastas específicas em centros de reprografia; e, segundo, pela campanha de informação abusiva e ilegal que se utiliza de conceitos próprios da requerida e que afrontam a ordem internacional e jurídica nacional.

O estudante ao procurar reproduzir partes de um material não o faz com o intuito de lucro, mas sim de consecução do conhecimento, da educação e do desenvolvimento intelectual.

Ocorre que o direito autoral corresponde a uma das espécies do direito de propriedade, portanto, condicionado ao cumprimento, constitucional, da função social. Função social como direito fundamental, assim, com eficácia plena. Observe-se que a lei de direitos autorais recebe interpretação em conformidade com a Constituição Federal, já que é norma infraconstitucional, que é orientada pela norma maior.

O cumprimento da função social, em matéria autoral, relaciona-se aos direitos fundamentais à informação, à educação e à cultura. No sentido de que a prática contrária a estes direitos, ainda que em nome dos direitos autorais, afronta o direito fundamental do atendimento da função social, que exige, do mesmo modo, observância plena.

Em decisão de 5 de setembro de <_st13a_metricconverter productid="2005, a" w:st="on">2005, a Corte Federal do Rio de Janeiro julgou mandado de segurança impetrado pela empresa Aventis Pharma em face do Instituto Nacional de Propriedade Industrial e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, pela intervenção desta última no processo de concessão de patentes farmacêuticas. De acordo com a sentença, direitos de propriedade industrial, também espécies do direito de propriedade, conforme disposto no artigo 5º, inciso XXIX da Constituição Federal, têm limites, a saber, os interesses econômicos, sociais e tecnológicos do Brasil. No caso específico, a Justiça Federal considerou que o acesso a medicamentos é um interesse social no Brasil amplamente reconhecido.

De forma análoga, pode-se inferir da sentença, que o direito do titular da propriedade, por exemplo, autoral, é limitado pelo interesse social brasileiro de ter um acesso mais amplo aos interesses sociais que não possuem condicionantes como pela função social.

Por sua vez, a Lei n.º 9.610/98 (clique aqui), através do artigo 46, inciso II, estabelece que não constitui ofensa aos direitos autorais a reprodução, em um só exemplar, de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro.

A Convenção de Berna, incorporada e administrada pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual, agência especializada da Organização das Nações Unidas, estabeleceu a chamada regra dos três passos para que sejam aplicadas as exceções e limitações aos direitos de autor. Tal regra determina que a exceção deve ocorrer em casos especiais, de modo a não afetar a exploração normal da obra e bem como a não causar prejuízos injustificados aos interesses do autor. Sobre este aspecto a requerida em momento algum indicou, através de perícia especializada, o alcance desses três elementos, os quais devem ser analisados de forma conjugada.

Estes três elementos ou passos servem de parâmetro as diversas ordens jurídicas nacionais. Este critério exige que o prejuízo, ao autor, seja razoável, devendo a limitação ao direito de autor apresentar uma justificação sob a ótica do interesse público. Em suma, a ordem internacional e a ordem jurídica nacional, reconhecem que prejuízos sempre existirão, mas devem ser suportados frente ao cumprimento da função social da propriedade autoral.

É importante frisar que a Convenção de Berna permite aos Estados adotarem limitações que possam ter impacto negativo nos direitos dos autores, desde que tais limitações sejam socialmente justificáveis e não tenham escopo de lucro. Foi desta forma que procedeu o Estado brasileiro ao indicar o necessário cumprimento à função social como direito fundamental.

No que diz respeito ao Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relativos ao Comércio (clique aqui), o artigo 13 permite que os Estados implementem exceções em determinados casos especiais, que não conflitem com a exploração normal da obra e não prejudiquem injustificadamente os interesses legítimos do titular do direito. Esta situação poderia, por exemplo, justificar a adoção por um país signatário da cópia integral de obras protegidas para uso privado ou de pequenos trechos ou mesmo a exceção quando demonstrada a necessidade frente a interesses sociais.

A jurisprudência ou o legislador ainda não definiu as balizas para o conceito de pequenos trechos, ainda assim, não há justificativa para a existência dessa limitação, se os trechos reproduzidos não revelem, parcialmente, a essência da obra.

Se o critério da essência da obra fosse instaurado, antes de se reproduzir qualquer trecho de obra protegida, as autoridades encarregadas deveriam examinar cada obra, casuisticamente, a fim de avaliar até que ponto a reprodução pretendida revela a sua essência. É nesta atuação que deve a requerida procurar proteção aos seus direitos e não contra a sociedade que prima pelo respeito à função social da propriedade autoral frente à informação, à educação e à cultura.

Do fundamento no construído pelas organizações internacionais com destaque aos trabalhos da Organização dos Estados Americanos através da Corte Interamericana de Proteção dos Direitos Humanos

Necessária esta abordagem para que fique demonstrado, eventualmente, o desrespeito aos direitos humanos (incorporados pelo Brasil) que recebam proteção da ONU e da OEA. No sentido de que, sendo necessária, a Corte Interamericana de Proteção dos Direitos Humanos poderá ser acionada de forma complementar ao Poder Judiciário brasileiro.

Indica-se o parâmetro internacional apenas para formalismo quanto à fundamentação, já que os direitos protegidos pela ONU e pela OEA já foram incorporados ou positivados pelo Brasil. De qualquer forma, a OEA serve de complementação, através da Corte, à proteção oferecida pelo Poder Judiciário aos direitos fundamentais. Em que estes correspondem aos direitos humanos da ordem internacional.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, consagra o direito à educação, à cultura e ao desenvolvimento. Por sua vez, a Carta da Organização dos Estados Americanos indica a educação como princípio interpretativo, como elemento essencial ao desenvolvimento integral da pessoa humana e como direito conjugada ao direito à cultura.

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*Consultora jurídica, professora de direito internacional, presidente do Instituto do Direito à Saúde, autora do livro Joint Venture – Uma Visão Econômica-Jurídica para o Desenvolvimento Empresarial



 

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