O debate sobre o controle societário é um dos temas de direito comercial mais instigantes, pois trata do poder exercido para o comando das atividades empresariais. Quem o detém consegue direcionar a sociedade conforme as estratégias que lhe prouver.
O debate fica ainda mais complexo em virtude da transformação que o controle acionário foi passando, sobretudo quando envolve companhias abertas.
Com o desenvolvimento tecnológico e da globalização, os regimes societários no mundo passaram a se dividir, basicamente, em dois grandes sistemas: o sistema de capital pulverizado – também chamado de capital disperso –, e o sistema de capital concentrado.1
Basicamente, o sistema de capital pulverizado é identificado nas sociedades cujas ações são negociadas na bolsa de valores e que não apresentam, em sua estrutura societária, a figura do acionista controlador,2 enquanto na sociedade com capital concentrado, ainda que as ações de referida sociedade sejam listadas em bolsa, existe um acionista ou um grupo de acionistas que, em conjunto, exercem o controle de referida companhia.
Essa diferenciação foi abordada no seminal estudo de Berle & Means em “A Moderna Sociedade Anônima e a Propriedade Privada”3 quando analisaram a situação das companhias abertas nos Estados Unidos e apontaram que na macroempresa há a separação entre propriedade acionária e o controle.4
Esse estudo foi uma lente para o que vinha ocorrendo no mercado acionário americano da época. Quando as grandes corporações deixavam de ter um acionista majoritário como controlador, o controle passaria aos seus administradores, devido à ausência de grandes concentrações de ações em um acionista ou grupo de acionistas. Com o capital pulverizado, deslocava-se a ideia de controle de quem era proprietário (acionista) para quem era administrador.5
No cenário de uma companhia aberta sob um regime de capital pulverizado, a sociedade tende a ser alvo de um número maior de investidas por certos agentes de mercado para a aquisição do seu controle societário, seja através de ofertas públicas, escalada em bolsa e/ou ofertas hostis (hostile takeovers).
A oferta hostil “é aquela não solicitada e na qual a administração, e não raras vezes, os acionistas resistem e se opõem à oferta realizada.”6 Para evitar que a companhia tenha seu controle tomado, foram desenvolvidas medidas defensivas contra essas ofertas (antitakeover measures). Dentre elas, a poison pill.
Conforme ensina Modesto Carvalhosa, “a poison pill pode ser compreendida como um instrumento jurídico adotado pela companhia com o intuito de dificultar a aquisição do poder de controle oriunda de uma oferta hostil”.7 Esse instrumento é uma cláusula estatutária que dá aos acionistas “direitos de aquisição ou subscrição de ações, normalmente, a preços bastantes inferiores aos praticados pelo mercado”.8
Essa cláusula não tem o condão de evitar a venda de ações da companhia à terceiros [ou pelo menos não deveria], mas na verdade, impedir que o controle – ou parte relevante das ações de emissão da companhia - seja adquirido por outras pessoas sem a prévia negociação com o conselho de administração da sociedade.9-10
Apesar da poison pill ser uma ferramenta importante e bem badalada11 a verdade é que há outras formas de pensar em defender a companhia de ofertas hostis, como é o caso das debêntures. As debêntures são títulos emitidos pela companhia e se enquadram juridicamente como uma espécie de mútuo. Esse título serve para a capitalização de recursos.
- Clique aqui para conferir a íntegra do artigo.
2 Conforme dispõe o art. 116, alíneas “a” e “b” da LSA, é controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia e usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.
3 Berle, Adolf Augustus e Means, Gardiner C. A moderna sociedade anônima e a propriedade privada. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo. – São Paulo: Abril Cultural, 1984
4 Berle, Adolf Augustus e Means, Gardiner C. ob. cit. p. 69
5 Dessa dicotomia surgiu a teoria da agência, que “analisa os conflitos existentes entre os principais (proprietários) e os agentes (administradores) considerando que o interesse dos primeiros nem sempre estão alinhados ao dos administradores.” – Bedicks, Heloisa Belotti. Dispersão de capital em empresas brasileiras sob a perspectiva da governança corporativa. In: IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. – São Paulo: Saint Paul Editora, 2009, cap. 4
6 Shiguematsu, Plínio José Lopes. Mecanismos de proteção e estratégias de defesa em tomadas hostis de controle: in Castro, Rodrigo R. Monteiro e Aragão, Leandro Santos de. Direito Societário – Desafios Atuais – São Paulo: Quatier Latin, 2009. pp. 391-440
7 Carvalhosa, Modesto. As Poison Pills Estatutárias Na Prática Brasileira – Alguns Aspectos De Sua Legalidade: in Castro, Rodrigo R. Monteiro e Aragão, Leandro Santos de. Direito Societário – Desafios Atuais – São Paulo: Quatier Latin, 2009. pp. 19-29
8 Nascimento, João Pedro Barroso do. Medidas defensivas à tomada de controle de companhias – São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 136
9 Nascimento, João Pedro Barroso do. ob. cit. p. 61
10 A criação da poison pill é atribuída ao famoso advogado norte americano Martin Lipton que usou tal medida nos anos 80 em dois casos bem emblemáticos, El Paso Electric vs General American Oil e no caso Lenox vs Brown Foreman. – Gaughan, Patrick A. Mergers, acquisitions, and corporate restructurings. Seventh edition. Hoboken: Wiley, 2017. p. 188
11 Como no Brasil ainda não é a regra haver companhias de capital pulverizado, o cenário de hostile takeovers é bem mais singelo que nos EUA e UK. Logo, o acionamento das poison pills também são menos comuns. Daí o tema de medidas defensivas à tomada de controle, no Brasil, tende a ser muito mais comum no campo acadêmico.