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Afinal, para onde podem ser destinados os valores de condenações em ações civis públicas?

Pode haver direcionamento para fundações privadas ou órgãos públicos indicados pelo autor da ação?

8/8/2023

A lei que regula a ação civil pública em casos de danos ao meio ambiente, ao consumidor e a bens de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico estabelece que, em caso de condenação pecuniária, a indenização pelos danos causados deve reverter para um fundo gerido por um Conselho Federal ou Estadual, composto pelo Ministério Público e representantes da comunidade. Esses recursos têm como finalidade a reconstituição dos bens lesados, conforme o art. 13 da lei 7.347/85.

Entretanto, é frequente depararmo-nos com inúmeras ações coletivas em que o pedido de condenação ou a negociação resultam no direcionamento dos recursos para fundações privadas ou empresas públicas e privadas, indicadas pelos autores da ação. Isso suscita a dúvida quanto à possibilidade de tal direcionamento e levanta questões sobre sua legalidade e as infinitas possibilidades decorrentes dessa prática.

Há um entendimento que argumenta que o direcionamento dos valores de condenações para entidades diferentes do FDD - Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, violaria alguns princípios legais, como: (i) o princípio da separação de poderes (art. 2º e 60 §4º, III, da Constituição Federal); (ii) o princípio da legalidade orçamentária; (iii) a competência privativa do chefe do Poder Executivo para propor a lei orçamentária anual; e (iv) a proibição de criação de fundos sem prévia autorização legislativa.

Esse entendimento foi utilizado na ADPF 944, ajuizada pela CNI - Confederação Nacional da Indústria focada sobretudo nas decisões da Justiça do Trabalho que destinaram os valores recolhidos em condenações por danos morais coletivos em ações civis públicas para fundos diversos daquele indicado no art. 13 da lei 7.347/85. De acordo com essa linha de pensamento, o recolhimento das condenações em ações coletivas ao FDD não é uma escolha discricionária, uma vez que a lei estabelece que tais recursos devem ser direcionados para os fundos de direitos difusos, sem opção de destinação diferenciada.

Por outro lado, há um segundo entendimento que defende a possibilidade de direcionamento das obrigações financeiras em demandas coletivas diretamente para entidades públicas ou privadas cuja finalidade institucional inclua a proteção aos direitos ou interesses difusos e que tenham a mesma finalidade e dimensão do bem lesado que busca ser ressarcido. Esse entendimento se apoia na Resolução do CNMP 179/17, que em seu art. 5º autoriza o direcionamento dos recursos empresas públicas ou privadas que não apenas os fundos de direitos difusos.

"Art. 5º As indenizações pecuniárias referentes a danos a direitos ou interesses difusos e coletivos, quando não for possível a reconstituição específica do bem lesado, e as liquidações de multas deverão ser destinadas a fundos federais, estaduais e municipais que tenham o mesmo escopo do fundo previsto no art. 13 da lei 7.347/85.

§ 1º Nas hipóteses do caput, também é admissível a destinação dos referidos recursos a projetos de prevenção ou reparação de danos de bens jurídicos da mesma natureza, ao apoio as entidades cuja finalidade institucional inclua a proteção aos direitos ou interesses difusos, a depósito em contas judiciais ou, ainda, poderão receber destinação específica que tenha a mesma finalidade dos fundos previstos em lei ou esteja em conformidade com a natureza e a dimensão do dano.

§ 2º Os valores referentes às medidas compensatórias decorrentes de danos irreversíveis aos direitos ou interesses difusos deverão ser, preferencialmente, revertidos em proveito da região ou pessoas impactadas."

Entendemos que o direcionamento de recursos advindo de condenações ou negociações em demandas coletivas, para entidades públicas ou privadas de interesse do autor da ação coletiva deve ser avaliado com cautela e foco no caso concreto. É fundamental que se evidencie que tal direcionamento visa uma melhor tutela dos bens jurídicos envolvidos, a fim de que as obrigações em dinheiro atendam ao propósito de ressarcir os danos causados à coletividade. Em situações sem provas robustas, entendo que a destinação adequada deve ser ao FDD, como definido em lei.

Ressalta-se, no entanto, que esta análise é apenas preliminar e visa destacar a complexidade do tema.

Vitor Morais de Andrade
Sócio do escritório Morais Andrade Leandrin Molina Advogados e professor na PUC/SP. Membro do Conselho de Ética do CONAR. Vice-presidente de Relações Institucionais da Associação Brasileira das Relações Empresa-Cliente - ABRAREC. Mestre e doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Sócio especialista em Relações de Consumo.

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