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Assistência jurídica é para quem?

O custo do processo pode impedir a busca de um direito ou a defesa de um interesse no Poder Judiciário. Assistência jurídica como mecanismo de eficácia do acesso à Justiça.

8/8/2023

Quem já teve a oportunidade de ser parte em um processo judicial sabe que estar diante de um juiz pretendendo receber ou defender um interesse custa caro! E, quanto maior for o valor do que se pretende receber ou defender, tanto mais altas serão as despesas a serem pagas ao Estado.

As custas e os emolumentos judiciais têm natureza jurídica de taxas1 e são instituídas por lei. No Estado de São Paulo, por exemplo, as custas se submetem ao percentual mínimo correspondente a 5 UFESPs (R$ 171,30 em 2023) e máximo correspondente a 3.000 UFESPs (R$ 102.780,00 em 2023). Ou seja, a depender do valor daquilo que se reclama judicialmente, a quantia a ser recolhida poderá chegar a cem mil reais. Exempli gratia, em uma partilha, se os bens do casal corresponderem a um total de trezentos mil reais entre imóveis, móveis e poupança, haverá de ser paga antes da homologação da partilha a quantia correspondente a 100 UFESPs, ou seja, R$ 3.426,00. Isso sem contar as verbas honorárias e as demais custas do processo.

Ora, segundo índices oficiais2, o rendimento médio da maioria da população brasileira é de pouco mais de R$ 1,3 mil por mês. Portanto, para muitos cidadãos deste país o pagamento de custas seria um obstáculo ao acesso da Justiça.3

Dessa forma, a efetividade da garantia constitucional do acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, CF, c/c art. 3º, CPC/15) revela-se por meio do que conhecemos por assistência jurídica (inciso LXXIV do art. 5º, CF, c/c art. 98 e ss., CPC/15).

A assistência jurídica, disciplinada como direito fundamental constitucional (LXXIV do art. 5º, CF), prevê ao jurisdicionado o benefício da assistência jurídica (representação judicial gratuita) e da gratuidade da Justiça (isenção do pagamento de custas).

Os hipossuficientes financeiros são aqueles que não podem, sem o sacrifício da própria sobrevivência, pagar a assistência jurídica ou as custas do processo.4

A assistência jurídica é geralmente prestada pela Defensoria Pública aos que necessitarem de auxílio jurídico no plano judicial e no extrajudicial (art. 134, CF). A assistência judiciária é a promoção de assistência jurídica nos processos judiciais (representação processual). E a gratuidade da Justiça abrange a isenção das taxas, honorários advocatícios e periciais, o preparo de recursos, entre outros (incisos do art. 98, CPC/15).

A comprovação da insuficiência de recursos, segundo o texto da lei adjetiva, dá-se por meio de simples declaração da pessoa natural (§ 3º do art. 99, CPC/15). Entretanto, se o juiz suspeitar de que há elementos a comprovar a capacidade econômica do requerente, poderá determinar que outras provas sejam apresentadas nos autos a fim de comprovar o Estado de hipossuficiência financeira, por exemplo, cópias das últimas declarações ao fisco, cópias de extratos bancários e de faturas de cartões de crédito.

Destaque-se que o simples fato de o requerente ter gozado de uma situação abastada no passado, ou de ter sido, por exemplo, um empresário de sucesso em período precedente, não elimina seu direito de receber o benefício da gratuidade da Justiça. Isso porque a hipossuficiência financeira deve ser apurada em período contemporâneo ao pedido5. Aliás, também foi superado o entendimento de obstar a gratuidade da justiça aos titulares de bens imóveis6 e às pessoas jurídicas7, e aos jurisdicionados que estejam sendo assistidos por advogados particulares8 no processo.

A depender da análise do caso concreto, a gratuidade da Justiça pode ser parcial ou apenas isentar de pagamento alguns atos processuais. Pode ainda contar com o parcelamento dos valores das custas ou abatimento (art. 98, §§ 5º e 6º, CPC/15).

Muito embora todo esse regramento protetivo, resta asseverar que o beneficiário da gratuidade da Justiça que for vencido no processo – porque todo aquele que perde uma ação judicial deve pagar os custos do processo e os honorários advocatícios (art. 82, § 2º, c/c art. 85, caput, CPC/15) – tem em seu favor a suspensão da exigibilidade da sucumbência (§ 3º do art. 98, CPC/15) pelo prazo de cinco anos, contados da decisão que fixou o dever da sucumbência (custas + honorários), desde que mantenha o estado de hipossuficiência financeira que gerou a concessão do benefício. Ultrapassados os cinco anos, o direito de cobrar a sucumbência prescreve.9

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1 “Não são considerados imposto nem preço público, mas sim verdadeiras taxas (STF, Pleno, Rp 1094-5-SP, rel. p/ ac. Min. Moreira Alves, m.v., j. 8.8.1984, DJU 4.9.1992, JSTF 170/221; Arruda Alvim. CPCC, II, 172)” (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022. Disponível em: http://thomsonreuters.jusbrasil.com.br/doutrina/1506549897/codigo-de-processo-civil-comentado. Acesso em: 18 fev. 2023).

2 BELANDI, Caio. Em 2021, rendimento domiciliar per capita cai ao menor nível desde 2012. Site da Agência IBGE Notícias, 10 jun. 2022. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/34052-em-2021-rendimento-domiciliar-per-capita-cai-ao-menor-nivel-desde-2012 Acesso em: 18 fev. 2023.

3 “Acesso à Justiça ou mais propriamente acesso à ordem jurídica justa significa proporcionar a todos, sem qualquer restrição, o direito de pleitear a tutela jurisdicional do Estado e de ter à disposição o meio constitucionalmente previsto para alcançar esse resultado. Ninguém pode ser privado do devido processo legal, ou melhor, do devido processo constitucional. É o processo modelado em conformidade com garantias fundamentais, suficientes para torná-lo équo, correto, giusto”  (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 71).

4 “Agravo de instrumento – Ação de embargos de terceiro – Assistência Judiciária Gratuita – Negativa pelo Juízo ‘a quo’ – Possibilidade de concessão do benefício a quem demonstra através de comprovante de rendimentos e declara através da competente declaração de necessidade, que não tem condições de arcar com as custas e despesas processuais – Necessidade que não se confunde com miserabilidade – Benefício, ademais, revogável ante impugnação devidamente fundamentada da parte contrária ou recuperação financeira dos beneficiários – Gratuidade concedida – Agravo provido” (TJSP, AI 21642790320228260000 SP 2164279-03.2022.8.26.0000, Relator Jacob Valente, julgado em 03.11.2022, 12ª Câmara de Direito Privado, data de publicação: 03.11.2022).

5 “Agravo de instrumento. Assistência judiciária. Deferimento. Presunção de sinceridade do pedido formulado pela pessoa natural. Situação de dificuldade financeira da autora demonstrada, em que pese anterior situação de riqueza de sua família. Acúmulo de débitos, restrições de crédito, despesas com sustento de quatro filhos e elevado valor da causa que autorizam deferimento da assistência judiciária. Recurso provido” (TJSP, AI 20907158820228260000 SP 2090715-88.2022.8.26.0000, Relator Enéas Costa Garcia, julgado em 31.05.2022, 1ª Câmara de Direito Privado, data de publicação: 31.05.2022).

6 “EMENTA – DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. IMPUGNBAÇÃO À GRATUIDADE DA JUSTIÇA. BENS IMÓVEIS. PATRIMÔNIO ILÍQUIDO. IRRELEVÂNCIA PARA O DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO. PRECEDENTES DESTA CORTE. POSSÍVEL COMPROMETIMENTO DO SUSTENTO DO IMPUGNADO. MANUTENÇÃO DA BENESSE. SENTENÇA MANTIDA. NEGATIVA DE PROVIMENTO. 1. O mero fato de o beneficiário da assistência judiciária possuir bens imóveis em seu nome, os quais não são dotados de liquidez, não justifica, por si só, a revogação ou a não concessão da justiça gratuita, conforme precedentes desta Corte. 2. Encontrando-se devidamente comprovada a hipossuficiência do impugnado, por meio das três últimas declarações de imposto de renda, bem como por meio de certidão de propriedade de veículos expedida pelo Detran/PR, e não sendo apresentados elementos capazes de atestar a possibilidade de pagamento dos ônus sucumbenciais sem comprometimento do seu sustento, deve ser mantida a gratuidade da justiça concedida. 3. Apelação Cível a que se nega provimento (TJPR – 17ª C.Cível – 0001126-35.2016.8.16.0089 – Ibaiti – Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU FRANCISCO CARLOS JORGE – J. 14.12.2021)” (TJPR, APL 00011263520168160089/Ibaiti 0001126-35.2016.8.16.0089 (Acórdão), Relator Francisco Carlos Jorge, julgado em 14.12.2021, 17ª Câmara Cível, data de publicação: 15.12.2021).

7 Súmula n. 481 do STJ: “Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais”.

8 “AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUSTIÇA GRATUITA. DECISÃO QUE DENEGA O BENEFÍCIO PELA ESCOLHA DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO EM COMARCA VIZINHA AO DOMICÍLIO DO AUTOR E POR ESTAR ELE REPRESENTADO POR ADVOGADO PARTICULAR. DESCABIMENTO. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DA DECLARAÇÃO DE POBREZA. EXEGESE DO ART. 99, § 3º E 4º, DO CPC. INDEFERIMENTO DO BENEFÍCIO. INADMISSIBILIDADE. Segundo o disposto nos §§ 3º e 4º do artigo 99 do nCPC, presume-se verdadeira a alegação de hipossuficiência financeira deduzida exclusivamente por pessoa natural e o fato de estar o autor representado por advogado particular não obsta a concessão da gratuidade. Consigna-se, ainda, que a opção pelo ajuizamento da ação em comarca diversa de seu domicílio não lhe retira o direito de postular o benefício. Recurso provido” (TJSP, 20604747320188260000 SP 2060474-73.2018.8.26.0000, Relator Gilberto Leme, julgado em 16.05.2018, 35ª Câmara de Direito Privado, data de publicação: 16.05.2018).

9 “É entendimento sedimentado no Superior Tribunal de Justiça que, uma vez deferido, o benefício da assistência judiciária gratuita estende-se a todas as fases do processo, em todas as instâncias, até decisão final do litígio e sua revogação, quando pleiteada no curso da ação, deve ser feita em autos apartados. 3. Encerrado, contudo, o processo, eventual condenação aos ônus sucumbenciais daquele que litigou sob o pálio da gratuidade da justiça ficará com sua exigibilidade suspensa enquanto perdurar seu estado de pobreza e prescreverá após decorrido o prazo de cinco anos (LAJ 12). 4. Configurada a hipótese de execução de título judicial sujeito a condição suspensiva, basta que o credor, na inicial do pedido de cumprimento de sentença, faça a devida comprovação do implemento da condição, conforme preceituam os CPC/1973 572 e 614 III [CPC 514 e 798 I c]. 5. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, 3ª T., REsp 1341144-MG, Relator Ministro João Otávio de Noronha, julgado em 03.05.02016, DJUE 9 maio 2016).

Andréia da Silva Moreira
Professora de Direito Civil. Advogada no escritório MLD - Mário Luiz Delgado Sociedade de Advogados. Mestra em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP (2019). Especialista em Direito Empresarial pela FGV - Escola de Direito de São Paulo (2011). Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2008). Especialista em Direito Público e Privado pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus (2005).

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